A violência nossa de cada dia

Se você está visitando uma cidade e quer saber se o prefeito goza das boas graças da população, pegue um táxi e faça uma pergunta aberta ao motorista. “E daí, como estão as coisas por aqui?”. Normalmente é infalível, o motorista dá todo o serviço.

Esta mesma prática funciona se você quer saber como está a segurança pública de qualquer lugar. Eu tenho muita informação a respeito de Curitiba e região, pelo simples fato de viver o dia a dia do jornalismo da Tribuna. Mas esses dias fui surpreendido ao receber estes depoimentos de forma espontânea.

Numa sala de aula de um curso de pós-graduação, de uma conceituada instituição da capital ouvi quatro relatos um atrás do outro, todos recentes. Detalhe: as pessoas não sabiam que existia um jornalista entre elas.

Começou por um professor que narrou a sua aflição porque a filha e o namorado haviam sido apanhados em um sequestro-relâmpago, modalidade de crime recorrente na capital. Segundo ele, a moça e o rapaz foram constantemente ameaçados por um dos bandidos de serem levados para o “microondas”. O bandido se deu o trabalho de explicar que o microondas consistia em colocar pneus de carro em volta de duas pessoas amarradas e atear fogo.

Felizmente, o líder do grupo não embarcou na barbárie. Exigiu as coisas de valor (dinheiro, relógios, celular) e soltou o casalzinho na região metropolitana. Depois, o próprio professor relatou uma tentativa de assalto quando estava indo para casa à noite. Pouco tempo depois de descer do ônibus, relatou ter sido rendido por um marginal num bairro colado ao centro da cidade. O homem estava armado com uma faca e o professor decidiu tentar a sorte: acertou um tapa na cara do bandido, que caiu com o golpe. Com a ajuda de transeuntes, ele conseguiu dominar o fora da lei e entregá-lo à polícia.

O professor levou sorte porque normalmente quem reage leva a pior, já que o bandido não tem escrúpulos e está ali para matar ou morrer. Nos demais casos, ninguém reagiu. Encorajada pelos relatos do professor uma colega de classe – loura, alta e bonita -, relatou que também foi vítima de sequestro-relâmpago. Ela e uma amiga estavam batendo papo dentro do carro com os vidros abertos e quando perceberam, já haviam sido rendidas por um bandido armado com revólver.

Por sorte das moças, o bandido também só queria a grana e foi cordial com as vítimas. Chegou até a se oferecer para pagar lanche para elas. Com o dinheiro delas, é claro. Antes de ir embora, ainda deu conselhos de segurança, dizendo que no futuro elas que evitassem ficar dentro do carro, porque é um momento de grande vulnerabilidade. A que ponto chegamos…

E o último relato veio de um colega que foi abordado quando chegava em casa e se preparava para colocar o carro na garagem. Este é um momento crítico: entrar e sair de casa. Parece brincadeira, as pessoas tem que ficar presas em casa porque os malfeitores estão soltos por aí, seguros pelo manto da impunidade tecido por um sistema judicial que não pune e não reeduca.

Neste caso, o autocontrole deste colega foi fundamental para que a família dele e ele próprio saíssem ilesos da experiência. Quer dizer, mais ou menos, porque o trauma não se cura assim da noite para o dia. Enfim, o colega entregou o carro e tudo o mais que o bandido pediu. Quando viu que ele assumiu com sucesso o controle da negociação, a mulher dele, que estava apavorada se acalmou e tudo terminou “bem”.

Todos estes relatos surgiram em poucos minutos em uma aula que não tinha nada a ver com criminalidade. Uma prova de que a violência é endêmica e é cada vez mais presente em nossas vidas. Temos noticiado aqui finais de semana com 30 mortes violentas. Note-se que excluímos desta contagem os acidentes. Estamos falando de pessoas assassinadas. Não é pouco. Quem são os autores? Grupos de extermínios, soldados do tráfico? As forças de segurança devem se debruçar sobre isso.

O que se percebe é que os criminosos são cada vez mais ousados, mais dispostos a transgredir e reincidir em suas práticas. Dizem que o crime não compensa, mas pelo jeito já reescreveram este ditado. Tanto ,compensa que boa parte dos infratores não vai para cadeia. A série “Crime sem castigo”, da Gazeta do Povo publicada em conjunto com esta Tribuna, em agosto de 2013, revelou que de cada quatro crimes cometidos na capital, apenas um é elucidado. Está fácil para os bandidos.