SÚMULA N.º 301 DO STJ E SUA IMPOSIÇÃO AOS HERDEIROS

 

         Não há dúvidas de que o exame de DNA revolucionou a investigação de paternidade, ao revelar, com alto grau de certeza, o vinculo biológico entre o sujeito e seu genitor.

         Por tais razões, o ordenamento jurídico criou mecanismos que funcionam como desincentivo ao suposto genitor que se recusa a realizar o exame, ainda que este se mostre como fator crucial para o fim da lide.

         Neste contexto, a Súmula n.º 301 do Superior Tribunal de Justiça sacramentou a presunção juris tantum de paternidade nos casos de recusa do apontado pai. No atual entendimento jurisprudencial e doutrinário, tal raciocínio também é aplicável aos casos em que, falecido o suposto pai, é travada a celeuma quanto à paternidade e os herdeiros acabam se recusando a se submeterem ao exame de DNA.

PROPOSIÇÃO: Imperativa a aplicação da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça nos casos de recusa pelos herdeiros à realização de exame de DNA para averiguar a paternidade do de cujus.

JUSTIFICATIVA: A Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o Art. 2º-A da Lei n.º 8.560/1992, acrescido pela Lei n.º 12.004/2009, são perfeitamente aplicáveis aos casos de recusa pelos herdeiros à realização de exame de DNA, pois, embora se trate de investigação de paternidade de suposto pai falecido, direcionando-se o feito aos seus herdeiros e sucessores biológicos, ninguém pode se aproveitar da recusa de se submeter a exame médico, nos termos dos arts. 231 e 232 do Código Civil.

(TJPR – Ap. Cív. n.º 698.701-3; 438.251-6; 149.787-2)

  

DECISÃO EM DESTAQUE

 


            Bem retrata o tema acima tratado a Apelação Cível n.º 698.701-3, da Décima Primeira Câmara Cível, publicada em 25/11/2010:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 698.701-3, DA PRIMEIRA VARA DE FAMÍLIA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE:  E. H.

APELADO:    I. C. D.

RELATORA:  DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALEGAÇÃO DE SER A TESTEMUNHA ÍNTIMA DA PARTE AUTORA. IRRELEVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE PREJUIZO. LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. ART. 131 DO CPC. SUPOSTO PAI FALECIDO. RECUSA À REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA POR PARENTE PRÓXIMO (IRMÃO). PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 301 DO STJ, BEM COMO DO ART. 2-A DA LEI N.° 8.560/1992. IMPOSSIBILIDADE DE SE APROVEITAR DA RECUSA A SE SUBMETER A EXAME MÉDICO. ARTS. 231 E 232 DO CC. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EMBASA A EXISTÊNCIA DA PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE CONTRAPROVA. ART. 333, INC. II, DO CPC.

1.   Eventual suspeição da testemunha (informante) não afasta a livre apreciação das provas pelo magistrado, ante o disposto no art. 131 do Código de Processo Civil, inexistindo, assim, prejuízo algum aos litigantes.

2.     A Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça e o art. 2-A da Lei n. 8.560/1992 são perfeitamente aplicáveis aos casos de recusa à realização do exame de DNA pelos parentes do suposto pai falecido, já que ninguém pode se aproveitar dessa recusa, nos termos do art. 231 e 232 do Código Civil, em especial se há provas que evidenciam a paternidade e que não foram devidamente desconstituídas, ônus que caberia à parte ré, nos termos do art. 333, inc. II, do Código de Processo Civil.

RECURSO DESPROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 698.701-3, oriundos da Primeira Vara de Família do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Apelante E. H. e como Apelado I. C. D.

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra a sentença (fls. 102/108), proferida nos autos de Ação de Investigação de Paternidade n.º 3359/2006, em trâmite perante a Primeira Vara de Família do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, proposta por I. C. D. em face de E. H., que a julgou procedente, ao declarar a paternidade de E. H. em relação ao autor. Por fim, condenou o réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estipulados no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

E. H. interpôs o presente recurso de Apelação (fls. 115/1127), alegando, em suma, que:

a)     L. DA S. é testemunha temerária, eis que amiga confidente do autor, devendo seu depoimento ser analisado com ressalvas, além, ainda, de ser contraditório;

b)    o conjunto fático-probatório é frágil a demonstrar a paternidade declarada, não podendo o Juízo se basear em suposições.

Recurso recebido em seu efeito duplo efeito (fl. 130), e contra-arrazoado (fls. 131/133).

O douto representante do Ministério Público de Primeiro Grau, Promotor de Justiça DOMINGOS THADEU RIBEIRO DA FONSECA opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 136/140).

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a controvérsia na averiguação da paternidade de E. H. em relação ao Apelado, frente ao conjunto fático-probatório formado nos autos.

Primeiramente, cumpre destacar que se apresenta irrelevante ser ou não os depoentes suspeitos (informantes) nos autos, pois cabe ao Juízo sobrepesar as provas produzidas conforme seu livre convencimento, nos termos dos artigos 131 e 405, §4º, ambos do Código de Processo Civil:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.

Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

(…)

§ 4o Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz Ihes atribuirá o valor que possam merecer

Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE VEÍCULO. VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. (…).

1. Com base no princípio do livre convencimento motivado do juiz, não se traduz em nulidade valorar o depoimento de testemunha presumidamente interessada no desfecho da demanda como se prestado por informante, apesar da ausência de contradita.

2. Se a testemunha foi efetivamente ouvida, conquanto seu depoimento tenha sido analisado com as restrições do art. 405, § 3º, IV, do Estatuto Processual, não há que se falar em cerceamento de defesa.

(…)

6. Recurso especial não conhecido.

(REsp n.° 824.473/PB, da 4ª T. do STJ. Min. Rel, FERNANDO GONÇALVES, in DJU de 24/11/2008)

Seguindo a mesma linha de raciocínio, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONEXÃO. SENTENÇA ÚNICA. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. TESTEMUNHA INQUIRIDA NA QUALIDADE DE INFORMANTE. VALIDADE E EFICÁCIA DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. EXEGESE DO ART. 131 DO CPC. (…) RECURSO DE AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.

1. Agravo retido. Cerceamento de defesa. O colhimento do depoimento prestado sem compromisso não retira a validade e eficácia da prova, a qual pode, mesmo assim, constituir elemento hábil a provocar o convencimento do Juiz. Ou seja, o depoimento prestado pode merecer tanta credibilidade quanto o prestado mediante compromisso, já que o nosso Código de Processo Civil contempla, no que diz respeito à apreciação da prova, o princípio do livre convencimento motivado (art. 131, do CPC). Não há, sob esta ótica, qualquer prejuízo a parte ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Por outro lado, cabe ao juiz verificar, no momento do depoimento, o grau de suspeição da testemunha.

(…)”

(Ac. n.° 9.921, da 15ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.° 436.271-0, de Curitiba. Rel. Des. JURANDYR SOUZA JUNIOR, in DJ de 05/10/2009)

Feita tal consideração inicial, passa-se a análise das demais teses apresentadas.

O Juízo singular reconheceu, escorreitamente, a paternidade ora atacada, considerando a recusa do réu, irmão do falecido suposto pai, em se submeter ao exame do DNA, bem como diante do testemunho colhido à fl. 79.

Primeiramente, urge destacar que a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o Art. 2-A da Lei n.º 8.560/1992, acrescido pela Lei n.º 12.004/2009, são perfeitamente aplicáveis ao presente caso, pois, embora se trate de investigação de paternidade de suposto pai falecido, direcionando-se o feito aos seus herdeiros e sucessores biológicos, ninguém pode se aproveitar da recusa de se submeter a exame médico, nos termos dos arts. 231 e 232 do Código Civil:

“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.”

“Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

De idêntico sentido são os seguintes julgados deste TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C HERANÇA – INVESTIGADO FALECIDO – RECUSA DE HERDEIRO À REALIZAÇÃO DO EXAME DE DNA – PATERNIDADE PRESUMIDA CORROBORADA COM OUTROS ELEMENTOS DE PROVAS – DECISÃO CORRETA – RECURSO DESPROVIDO

(Ac. un. n.º 7.982, da 12ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 438.251-6, de Chopinzinho, Rel. Des. CLAYTON CAMARGO, in DJ de 29/02/2008)

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA – SUPOSTO PAI FALECIDO – AÇÃO AJUIZADA EM FACE DA MÃE DESTE E SUA ÚNICA HERDEIRA, QUE SE RECUSOU, INJUSTIFICADAMENTE, A SUBMETER-SE AO EXAME DNA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM BASE NESSA RECUSA E EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONFIÁVEIS – CÓDIGO CIVIL/2002, ARTS. 231 E 232, E SÚMULA 301 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – EXTINÇÃO DE INCIDENTE DE FALSIDADE DE ESCRITURA – DECISÃO ACERTADA, À VISTA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO – RECURSOS IMPROVIDOS.

(Ac. un. n.ª 3.628, da 7ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 149.787-2, de Alto Piquiri, Rel. Des. MENDONÇA DE ANUNCIAÇÃO, in DJ de 20/12/2004)

Desta forma, a recusa injustificável do Apelante para a realização do exame de DNA (fls. 13/20), pode corroborar com o reconhecimento de paternidade em questão, considerando, ainda, que não se apresenta isolada, já que há prova oral neste sentido, sendo, assim, certo que a decisão a quo não se embasou unicamente no fato de ter o Apelante deixado de se submeter ao exame pericial.

Cumpre destacar que o depoimento de fl. 79, de L.A DA S. é claro em enfatizar a anterior existência de relacionamento entre a genitora do Apelado e o suposto pai biológico, irmão do Apelante, sendo que nenhuma contra-prova que diminuísse o valor probatório de tal testemunho foi apresentada, ônus que assim lhe cabia, nos termos do art. 333, inc. II, do Código de Processo Civil.

Consigna-se trecho do citado depoimento:

que conhece o autor desde o nascimento e o requerido há 25 anos; que é amiga da família de Janice há mais de 25 anos; que tem conhecimento de um relacionamento entre Janice e Egon; (…) que Iury é filho de Egon, afirmação que faz em razão dos relatos da genitora do autor e em razão da semelhante física de Iury (…)” (fl. 79)

Assim, diante de todo o conjunto probatório, é possível auferir a paternidade biológica entre E. H. e o Apelado, nos termos da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça:

“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

Portanto, a manutenção da decisão de primeiro grau em sua totalidade e pelos seus próprios fundamentos é medida que se impõe.

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora os Desembargadores AUGUSTO LOPES CORTES e RUY MUGGIATI.

Curitiba, 17 de novembro de 2010.

 Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA

                                                      RTR

 

Voltar ao topo