REPETIÇÃO EM DOBRO NA RELAÇÃO DE CONSUMO

                    Inobstante o fato de que as normas legais devam ser extremamente claras em sua redação, definindo os requisitos para a devolução em dobro ante a cobrança indevida, surgem algumas confusões entre o disposto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor e o art. 940 do Código Civil.

                  Ainda que tais dispositivos tratem a respeito do mesmo instituto, depreende-se que o Código Civil se mostra como regra geral, enquanto que o Código de Defesa do Consumidor impõe regramento específico para a relação de consumo.

  

PROPOSIÇÃO: Tratando-se de relação de consumo, para que haja a devolução em dobro pela cobrança de valores indevidos, além do respectivo pagamento, necessária a demonstração da ausência de erro justificável por parte do fornecedor, sendo irrelevante a constatação da má-fé.

  

JUSTIFICATIVA: Nas relações consumeristas, diante da legislação específica aplicável, não há a exigência da comprovação da má-fé, nos moldes do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do que impõe o art. 940 do Código Civil, mas apenas a necessidade da cobrança indevida não ser oriunda de erro justificável.

Acerca do tema, são as palavras de HERMAN BENJAMIM:

No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto em restituição em dobro.” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 396/397)

Por outro lado, da mesma forma que sucede na devolução em dobro regrada pelo Código Civil, a mera cobrança, por si só, ainda que não advinda de erro justificável, mas sem o efetivo pagamento do valor indevido, não está apta a implicar na aplicação das penas do art. 42, parágrafo único, do CDC, eis que a devolução em dobro visa inibir o enriquecimento ilícito daquele que recebeu valores que em verdade eram indevidos. Ao se admitir a devolução em dobro pela mera cobrança, ou seja, sem o efetivo pagamento, há deturpação do instituto, com o enriquecimento ilícito do consumidor, o que é inadmissível.

(TJPR – Ap. Cív n.º 632.301-1; 708.181-6; 667.589-4; 665.447-3; 663.214-6; 687.498-4)

  

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Em recente decisão proferida pela Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de justiça, na Apelação Cível n.º 708.181-6, publicada em 26/01/2011, a matéria em foco foi apreciada:

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 708.181-6, DA DÉCIMA PRIMEIRA VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE:         J. D. F. L.

APELADA:            14 BRASIL TELECOM CELULAR S/A

RELATORA:         DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE ERRO JUSTIFICÁVEL.

1.    A indenização por danos morais fixada em R$ 6.000,00 (seis mil reais), ante a cobrança de valores indevidos pela empresa de telefonia e inscrição do nome do consumidor no rol de inadimplentes, não se mostra razoável e proporcional, ou seja, justa para ressarcir o ofendido, bem como para punir a empresa telefônica pelo seu ato, além de coibir a reiteração do ilícito, devendo ser majorada para o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), atendendo aos precedentes desta Corte.

2.    Para que haja a devolução em dobro, nos termos do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, necessário o pagamento dos valores indevidamente cobrados, bem como a ausência de erro justificável por parte da prestadora de serviços.

RECURSO PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 708.181-6, oriundos da Décima Primeira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figuram como Apelante J. D. F. L.e como Apelada 14 BRASIL TELECOM CELULAR S/A.

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra a sentença (fls. 132/139 e 161/162) proferida nos autos de Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais n.º 458/2007, em trâmite perante a Décima Primeira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, proposta por J. D. F. L. em face de 14 BRASIL TELECOM CELULAR S/A, que a julgou parcialmente procedente, condenando a prestadora de serviços a devolução da quantia de R$ 129,00 (cento e vinte e nove reais), bem como o pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais), ambos os valores devidamente corrigidos e acrescidos de juros moratórios. Ainda, determinou a retirada definitiva do nome do Requerente do rol de inadimplentes. Por fim, condenou as partes ao pagamento de custas processuais no percentual de 30% (trinta por cento) em desfavor da parte autora e 70% (setenta por cento) por conta da parte ré, além do pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação em benefício do patrono da parte autora e R$ 500,00 (quinhentos reais) em favor do patrono da parte ré..

J. D. F. L. interpôs o presente Recurso de Apelação (fls. 163/174), requerendo a reforma da sentença, sustentando, em suma, que:

a)    deve ser majorado o valor da condenação fixada a título de indenização por danos morais, nos moldes dos precedentes desta Corte;

b)   é possível a condenação às penas do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pois resta evidenciada a má-fé da prestadora de serviços.

Recurso recebido em seu duplo efeito (fls. 179) e contra-arrazoado (fls. 184/194).

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a controvérsia em dois pontos: (i) o valor fixado pelo Juízo singular a título de indenização por danos morais; (ii) a condenação da prestadora de serviços à devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados e pagos, nos termos do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

É de se acolher ambas as teses recursais.

O quantum indenizatório é questão muito discutida na doutrina e jurisprudência, apresentando-se a busca do equilíbrio entre o caráter ressarcitório e punitivo, com enfoque na razoabilidade e na proporcionalidade diante do caso concreto, sem perder de vista o princípio da uniformização das decisões judiciais, a forma técnica mais adequada para sua fixação.

Nesse sentido, é a doutrina de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.”

(Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 60)

Não obstante, analisa-se a extensão do dano e as condições econômicas do violador do dever de cuidado, com o intuito de prevenir a ocorrência de condutas semelhantes em razão do caráter punitivo e pedagógico.

Ainda acerca da matéria, é a recomendação do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

“(…). Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do caso concreto.”

(REsp n.° 579.195/ SP, da 3ª T. do STJ, Rel. Min. CASTRO FILHO, in DJU de 10/11/2003)

Diante dessas considerações, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) não se mostra razoável para indenizar o abalo sofrido em razão da cobrança indevida, considerando que a Apelante é empresa de grande porte e que a fixação do dano moral visa também coibir a reiteração do ilícito.

Nesse sentido, citam-se os precedentes desta 11ª Câmara Cível:

(…) DANOS MORAIS CONFIGURADOS. FIXAÇÃO PRUDENTE E EQUITATIVA. QUANTUM REDUZIDO A FIM DE ADEQUEAR AO ENTENDIMENTO DESTA CAMARA. (…).

(…)

2. A indenização por dano moral deve ser fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para adequar-se ao entendimento pacífico desta Câmara.

APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

(Ac. un. n.º 17.210, da 11ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 681.801-7, de Curitiba, Rel.ª Des.ª VILMA RÉGIMA RAMOS DE REZENDE, in DJ de 05/10/2010)

APELAÇÃO CÍVEL ­ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA ­ CANCELAMENTO DA LINHA ­ SUPOSTO DÉBITO PENDENTE ­ AUSÊNCIA DE ANTERIOR ENCAMINHAMENTO DA FATURA PARA PAGAMENTO ­ INSCRIÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO ­ DANO MORAL PRESUMÍVEL ­ INDENIZAÇÃO FIXADA EM QUANTUM ÍNFIMO ­ MAJORAÇÃO RECOMENDÁVEL, PARA DESESTIMULAR A PRÁTICA DE NOVO E SEMELHANTE ILÍCITO ­ PRECEDENTES DA CÂMARA ­ RECURSO PROVIDO.

(Ac. un. n.º 16.101, da 11ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 653.875-6, de Curitiba, Rel. Juiz Subst. ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR, in DJ de 21/05/2010)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL INCONTESTÁVEL. PLEITO REQUERENDO A MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. ACOLHIMENTO. SENTENÇA MODIFICADA. APELO PROVIDO.

(Ac. n.° 13.525, da 11ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.° 571.369-9, de Laranjeiras do Sul, Rel. Des. AUGUSTO LOPES CORTES, in DJ de 23/06/2009)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MATERIAIS E MORAIS – AJUIZAMENTO POR CONSUMIDOR CONTRA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA – PLANO PULA-PULA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PAGAMENTO PONTUAL DA FATURA PELA CONSUMIDORA – FALTA DE PRESTAÇÃO ADEQUADA DO SERVIÇO – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DA ASSOCIAÇÃO NOS ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL – MAJORAÇÃO DO VALOR ESTIPULADO INICIALMENTE EM R$ 4.000,00 (QUATRO MIL REAIS) PARA R$ 15.000,00 (QUINZE MIL REAIS) – INCIDÊNCIA DE JUROS MORATORÓRIO, A PARTIR DA CITAÇÃO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO DA PRESTADORA DE SERVIÇO DESPROVIDA E RECURSO DA CONSUMIDORA PARCIALMENTE PROVIDO.

(Ac. n.° 9.233, da 11ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.° 464.229-7, de Colorado, Rel. Des. ERÁCLES MESSIAS, in DJ de 28/03/2008)

Veja-se, ainda, que no presente caso o consumidor tentou por diversas vezes solucionar o problema de forma extrajudicial, dando origem a diversos chamados (fls. 03, fato não contestado pela Apelada), bem como a notificação extrajudicial de fls. 15/19, que não surtiram efeitos, permanecendo a cobrança indevida e posterior inscrição de seu nome no rol de inadimplentes por aproximadamente um ano (fls. 68), circunstâncias essas que, aliadas aos precedentes deste Tribunal de Justiça, autorizam a majoração dos danos morais para o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), por se apresentar mais adequado a cumprir com o caráter ressarcitório e punitivo da indenização.

Quanto à aplicabilidade do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (devolução em dobro), observa-se também sua possibilidade, ante a presença dos seus requisitos.

Nas relações consumeristas, diante da legislação específica aplicável, não há a exigência da comprovação da má-fé, diante do disposto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do que impõe o art. 940 do Código Civil, mas apenas a necessidade da cobrança indevida não ser oriunda de erro justificável.

 “Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Acerca do tema, complementam as palavras de HERMAN BENJAMIM:

No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto em restituição em dobro.

(In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 396/397)

No mesmo sentido, segue esta Corte:

 “APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO ­ (…) ­ PERMANÊNCIA POR PRAZO MÍNIMO ­ MULTA VINCULADA À CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS AO CONSUMIDOR ­ RESOLUÇÃO ANATEL 477/07, ART. 40 – COMUTAÇÃO INVIÁVEL ­ DEVOLUÇÃO EM DOBRO ­ PROCEDÊNCIA ­ SUPRESSÃO DE BENEFÍCIOS ­ COBRANÇA DE VALORES EM DESACORDO COM O CONTRATADO ­ COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ ­ EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI ­ DESNECESSIDADE ­ CDC, ARTIGO 42 ­ REQUISITO LEGAL ­ AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL ­ CONDUTA DELIBERADA DA FORNECEDORA ­ DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO AO PAGO EM EXCESSO ­ RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(Ac. un. n.º 14.274, da 12ª CC do TJPR, Ap. Cív. n.º 632.301-1, de Curitiba, Rel. Des. RAFAEL AUGUSTO CASSETARI, in DJ de 16/03/2010)

Logo, desnecessária a prova da má-fé, concluindo-se que a conduta da prestadora de serviços telefônicos não configura como erro justificável, o que se evidencia diante das diversas tentativas por parte do Apelante de ver a questão solucionada, informando a Apelada, extrajudicialmente, dos acontecimentos.

Portanto, aplicável o disposto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, condenando-se a Apelada ao pagamento em dobro da quantia indevidamente cobrada (R$ 129,00 – cento e vinte e nove reais), mantendo-se as considerações do Juízo a quo no que tange à correção monetária e a incidência dos juros de mora.

Dos valores de sucumbência

Por conseguinte, diante da parcial reforma da decisão a quo, com a total procedência do presente recurso, necessária a readequação da condenação ao pagamento dos valores de sucumbência.

Assim, deve a parte Requerida, ora Apelada, pagar a totalidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, que se mantém em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, para majorar o valor fixado a título de indenização por danos morais, bem como determinar a incidência do disposto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, condenando-se a prestadora de serviços ao pagamento em dobro da quantia indevidamente cobrada e, por fim, readequar a condenação ao pagamento dos valores de sucumbência, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a Relatora os Desembargadores AUGUSTO LOPES CORTES e RUY MUGGIATI.

Curitiba, 15 de dezembro de 2010.

Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA

RTR

 

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