Questões acerca da obrigação alimentar – Vinculação dos alimentos ao salário mínimo

             Quando da estipulação da verba alimentar, os magistrados não só a fixam em valor pecuniário certo ou o fazem em percentual a incidir sobre os rendimentos dos alimentantes.

            Entretanto, a controvérsia na jurisprudência reside numa terceira forma de fixação, qual seja, em salários mínimos. Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Paraná possui entendimento diverso ao do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos.

ENUNCIADO: É possível a vinculação da pensão alimentícia ao salário mínimo, em especial no caso do devedor não possuir relação empregatícia ou funcional permanente.

JUSTIFICATIVA: STJ entende pela possibilidade de vinculação: AgRg. no REsp. 1.076.026/DF; Resp. 85.685; Resp. 1.046.296; Resp. 922.630; Ag. Reg. no Ag. 861.075; Ag. Reg. no Ag. 816.398; Ag. Reg. no Resp. 999.642; REsp. n.º 343517/PR: “não identifico defeito na fixação da pensão em salários mínimos, por se cuidar de verba alimentar, e, uma vez destacado pelo próprio recorrente que o mesmo possui ganhos variáveis, não seria mesmo possível estabelecê-la em percentual sobre sua remuneração. As parcelas pretéritas ficou esclarecido no acórdão de fl. 647, serão calculadas na data do vencimento, de acordo com o salário mínimo da época e atualizadas desde então, correto o critério, que afasta………..?????? As futuras, pagas em dia, estarão automaticamente atualizadas, posto que corresponderão ao salário mínimo do dia, multiplicado pelo número fixado (20).“. Tal corrente aduz, ainda, que o legislador admitiu a possibilidade de vinculação com a alteração do art. 475-Q, §4º, do Código de Processo Civil, sendo constitucional por se tratarem de valores com a mesma natureza, ou seja, a fixação em salário mínimo visa proteger as mesmas garantias (obrigação alimentar x subsistência do alimentando – natureza alimentar).

No mesmo sentido, seguem os seguintes autores: C. A. Alvaro de Oliveira (OLIVEIRA, C. A. Alvaro. A Nova Execução: Comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dez. de 2005. Editora Companhia Forense, 2006. p. 229 e 230.), Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, Athos Gusmão. Revista Dialética de Direito Processual n. 38. Do “Cumprimento da Sentença”, conforme a Lei n. 11.232. Parcial Retorno ao Medievalismo? Por que não? p. 38.), Humberto Theodoro Junior (THEODORO JUNIOR, Humberto. Revista Dialética de Direito Processual n. 43. Títulos Executivos Judiciais: o Cumprimento da Sentença segunda a Reforma do CPC Operada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. p. 70.), Glauco Gumerato Ramos (RAMOS, Glauco Gumerato. LIMA, Rodrigo da Cunha. MAZZEI, Rodrigo Reis. NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Reforma do CPC. Cumprimento da Sentença e Obrigação Alimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 288).

Yussef Said Cahali destaca:

Sabendo-se que a obrigação alimentícia representa uma dívida de valor, a jurisprudência tem se servido de critérios práticos na fixação dos alimentos, que permitam a sua constante atualização para que possam entender às necessidades de vida do alimentando, sem a reiterada e repetitiva ação revisional.

Aliás, também quando o devedor não se vincula a uma relação empregatícia ou funcional permanente, revelando-se impossível a definição exata de seus ganhos variáveis, serve-se o juiz da estimação dos alimentos na proporção do salário mínimo ou de outros fatores referenciais” (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 5. ed., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006, p. 539)

(Neste sentido: Ap. Cív n.º 675.017-8 e 679.194-6)

Com raciocínio oposto, a Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná entende pela não vinculação da pensão ao salário mínimo, diante da possibilidade de se tornar a obrigação, assim sujeita, com o tempo, um encargo com onerosidade excessiva, impossibilitando o cumprimento da obrigação, já que a remuneração do alimentante (independentemente de sê-la fixa ou não) não necessariamente é majorada na proporção dos reajustes do salário mínimo, ou seja, em tais casos, pode ocorrer distorções que se apresentam contrárias a realidade construída pelo binômio possibilidade/necessidade. Em outras palavras, segundo esta corrente, o aumento do salário mínimo, e consequente aumento da obrigação alimentar, assim fixada, não necessariamente representará a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante. Sua fundamentação tem como base a vedação constitucional para a vinculação dos alimentos em salário mínimo: art. 7, inc. IV, in fine, da Constituição da República.  

(12ª CC – Ap. Cív. n.º 682.717-4; 651.701-3; 665.932-7 – votos neste sentido da 11ª CC Ap. Cív. n.º 631.501-7; 631.554-8; 414.675-4)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

ADOÇÃO E O RESPEITO À ORDEM CRONOLÓGICA DOS ADOTANTES

            O processo de adoção no Brasil tem sido alvo de diversas críticas embasadas, em sua grande maioria, na morosidade e excessiva burocratização do sistema. Contudo, determinadas exigências se tornam essenciais, eis que o seu não cumprimento pode resultar em ofensa ao melhor interesse da criança e do adolescente.

            Dentre tais imposições, destaca-se a indispensável observância da ordem cronológica dos inscritos à adoção, cuja disciplina não é absoluta, podendo ser relativizada nos casos do art. 50, §13º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou ainda em outros casos em que a mitigação desta regra melhor atenda ao interesse da criança e do adolescente. A fundamentação para tal mitigação deve constar expressamente da decisão que a ordena, pena de nulidade.  

O julgado que trazemos nesta oportunidade trata de caso em que o Juízo singular deixou de fundamentar sua decisão no que tange à flexibilização da ordem cronológica dos adotantes, implicando na nulidade da decisão a quo.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 703.592-9, DA SEGUNDA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E ADOÇÃO DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE:        MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

INTERESSADO: C. E. M.

RELATORA:       DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA. ADOÇÃO. DECISÃO QUE ESCOLHE TRÊS PROCESSOS HABILITADOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE. VIOLAÇÃO À ORDEM CRONOLÓGICA. ART. 197-E DA LEI Nº 8.069/90. MEDIDA EXCEPCIONAL.

É nula a sentença que escolhe três processos habilitados, violando a ordem cronológica dos inscritos à adoção, quando não expõe os motivos para a flexibilização.

RECURSO PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 703.592-9, oriundos da Segunda Vara da Infância e da Juventude e Adoção do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e como Interessado C. E. M.

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença (fls. 85/87) proferida nos autos de Ação de Colocação em Família Substituta nº 2008.001175-8, originária da Segunda Vara da Infância e da Juventude e Adoção do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que indicou “os habilitados nos autos n. 2009.000196-0, como 1ª opção; nos autos n. 2007.000580-0, como 2ª opção; e nos autos n. 2007.000757-3, como 3ª opção (fls. 87) para a adoção de C. E. M.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ pretende a reforma da decisão, sustentando que (fls. 88/94):

a) por ordem verbal do juízo houve limitação dos casais habilitados, pois restringiu para somente aqueles que já tinham um filho, sem expor qualquer fundamento;

b) houve violação à ordem cronológica de habilitação, pois o juízo convocou o postulante mais moderno, também sem fundamentação, violando o art. 197-E, § 1º, da Lei nº 8.069/90;

c) o caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses excepcionais que autorizam a violação da ordem cronológica;

d) há vários outros casais habilitados que são mais antigos na lista de espera para a adoção que a primeira opção indicada na sentença;

e) a primeira opção indicada pelo juízo se trata de casal estrangeiro, o que ofende a legislação, tendo em vista a proibição de adoção por família estrangeira quando existente família nacional.

O recurso não foi conhecido em Primeiro Grau, por entender a Magistrada a quo que a natureza da decisão é interlocutória (fls. 95/96).

Em atenção ao disposto no art. 198, VII, da Lei nº 8.069/90, a sentença foi mantida pela Juíza em Primeiro Grau (fls. 124/128).

O Agravo de Instrumento foi provido para ordenar o recebimento da Apelação nos efeitos devolutivo e suspensivo (fls. 135/141).

A Promotora de Justiça Designada LUCIANA LINERO opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 163/185).

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Limita-se a controvérsia à análise da legalidade da decisão que indicou três opções para adoção de C. E. M., pelos seguintes fundamentos:

“[…] a convocação pela ordem cronológica de habilitação preceituada pelo artigo 197-E não possui caráter absoluto e comporta abrandamentos, desde que seja necessário para garantir que prevaleça o melhor interesse da criança ou adolescente e que a adoção lhe traga reais vantagens. […]

Em síntese, a regra é a observação da ordem cronológica no momento da indicação do interessado habilitado à adoção, porém haverá exceções que deverão ser vistas caso a caso, a fim de que a aplicação estrita desta ordem não afronte o melhor interesse da criança ou adolescente a ser adotado. O próprio § 1º do artigo 197-E ressalva que a sequência cronológica poderá deixar de ser observada quando comprovado ser esta a “melhor solução no interesse do adotando”. […]

3. Posto isto, em análise criteriosa do cadastro de pessoas habilitadas à adoção e das características específicas do infante, no caso, a indicação recai em pretendentes que demonstram melhor compatibilidade com o menor e sua perfeita adaptação familiar. Denotam-se as reais vantagens que podem advir para o adotando, sendo que a indicação dos postulantes não revela de qualquer modo incompatibilidade com a natureza da media, acentuando-se que se busca a efetivação do direito à convivência familiar, ainda que em família substituta, de modo a garantir o respeito aos direitos fundamentais da criança C. E. M., alvo destes autos, motivos pelos quais indico os habilitados nos autos n. 2009.000196-0, como 1ª opção; nos autos n. 2007.000580-0, como 2ª opção; e nos autos n. 2007.000757-3, como 3ª opção.(fls. 87)

A decisão padece de nulidade, pois não expôs os motivos para a violação da ordem cronológica dos inscritos para a adoção, consoante prevê o art. 197-E da Lei nº 8.069/90:

“Art. 197-E  Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  

§ 1o  A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)   (grifo não constante no original)

§ 2o A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009

Embora seja possível a flexibilização do § 1º do art. 197-E do Estatuto da Criança e do Adolescente, admitindo-se a violação da ordem cronológica não somente nos casos previstos no § 13 do art. 50 da lei em análise, indispensável a fundamentação da decisão, pena de nulidade.

E no caso não há qualquer exposição dos motivos que levaram a Magistrada a romper a ordem cronológica e indicar como primeira opção postulantes mais novos na lista. As alegações da julgadora no sentido de que a ordem não é absoluta e de que devem ser analisados em primeiro lugar os interesses do adotando não são suficientes para embasar a decisão que preteriu a ordem de convocação.

Para flexibilizar a ordem cronológica dos inscritos à adoção, frise-se, indispensável a exposição dos motivos que levaram o convencimento do julgador a adotar a medida excepcional, requisito inexistente na sentença.

Essa nulidade é de fácil constatação, vez que a magistrada se resumiu a expor que a ordem não é absoluta e a final da decisão indicou três opções. Repita-se, não há qualquer fundamento na sentença a respeito das razões que levou a julgadora a indicar os autos de habilitação constantes da decisão, razão para ser manifesta a sua nulidade, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.

Deve ser acolhido, portanto, o parecer do Ministério Público, que opinou pelo reconhecimento da nulidade da decisão, nos seguintes termos:

“Se o casal indicado como a primeira opção de fato apresentasse uma condição ‘privilegiada’ em relação aos demais habilitados à adoção, que justificasse sua preferência em relação àqueles, tal deveria ter sido concretamente justificado pela decisão de fls. 85-87, o que como visto, em momento algum ocorreu, nem mesmo na oportunidade das informações, revelando-se, assim, nulidade insanável na referida decisão, nulidade esta, que diante de sua natureza absoluta, pode ser reconhecida, inclusive de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição.” (fls. 168)

Por outro lado, a interpretação conferida ao Estatuto da Criança e do Adolescente pelo Apelante a respeito da adoção por família estrangeira está equivocada, tendo em vista que o art. 51 dispõe que “considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil” e segundo sua própria afirmação o casal indicado como primeira opção reside no país (fls. 92). Não há base, portanto, para a sustentada desigualdade, confrontante com o art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Dessa forma, voto pelo provimento do recurso para declarar a nulidade da sentença, por ausência de fundamentação, com fulcro no art. 93, IX, da Constituição Federal, devendo outra ser proferida com a declinação dos motivos para a escolha das opções para a adoção do Interessado.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e DAR-LHE PROVIMENTO, para declarar a nulidade da sentença, por ausência de fundamentação, com fulcro no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora os Desembargadores AUGUSTO LOPES CORTES e RUY MUGGIATI.     

Curitiba, 01 de dezembro de 2010.

 Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA                 km

 

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