Paternidade responsável

PATERNIDADE RESPONSÁVEL

ENUNCIADO: A constituição de nova família, por si só, não autoriza a redução da obrigação alimentar, em atenção ao princípio da paternidade responsável.

JUSTIFICATIVA: Considerando o disposto no art. 226, §7ª, da Constituição da Republica, que explicita o princípio da paternidade responsável, a mera constituição de nova família, com o nascimento de outros filhos, não serve de fundamento para a redução da obrigação alimentar, posto que cabe aos pais (mãe e pai) o controle familiar para sustentar toda sua prole. É certo que o genitor, sabendo que possui responsabilidades e deveres para com seu filho, deve ter um mínimo planejamento familiar para que não constitua outra família de forma irresponsável (e, as vezes, propositadamente) ao ponto de prejudicar o primeiro filho.

(Ap. Cív. n.º 640.752-3; 590.365-3; 631.620-7; 621.230-0; 633.656-5; 373.941-5)

REDUÇÃO DA PENSÃO ARBITRADA

ENUNCIADO: Havendo filhos de outro relacionamento e para que haja tratamento igualitário, é possível a redução da pensão arbitrada para atender as possibilidades do alimentante, observadas as necessidades materiais de cada filho.

JUSTIFICATIVA: Diante do princípio da igualdade entre os filhos, estampado no do art. 226, §6º, da Constituição da República, justificável a redução dos alimentos para se dar o tratamento mais igualitário possível, desde que observadas as necessidades de cada filho, pena de se causar uma injustiça ainda maior (igualdade aristotélica), pois certo que, v.g., um filho com  seis meses de idade, que sofre de intolerância a lactose, precisa de cuidados distintos (logo, com gastos diversos) de outro filho de 4 anos de idade, saudável, que por sua vez não pode ser comparado com outro filho que tenha 19 anos de idade e esteja cursando uma faculdade particular e tenha gastos com transporte, alimentação, materiais etc.

(Ag. Inst. n.º 411.896-1; 433.617-4; 434.282-5; Ap. Cív. n.º 407.367-6)

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

ENUNCIADO: A obrigação alimentar avoenga é subsidiária e complementar ao dever alimentar dos pais, diante da evidente impossibilidade ou insuficiência da prestação por estes, não deixando, contudo, de observar a possibilidade dos avós para tanto.

JUSTIFICATIVA: Diante do disposto no art. 1.696 do Código Civil, a obrigação alimentar deve incluir todos os ascendentes, porém, recaindo naqueles em grau mais próximo primeiramente e observando o que reza o art. 1694, §1º, do citado Codex, pena de se criar situações bizarras em que os avós percebem apenas um salário mínimo de aposentadoria, enquanto são obrigados a suportar alimentos em quantum muito próximo daquele valor. Vale dizer, a obrigação alimentar avoenga é excepcional, até mesmo diante do princípio da paternidade responsável.

(Ap. Cív n.º 674.539-5; 672.582-8; 669.400-6; 551.840-3; 511.093-2; Ag. Inst. n.º 474.595-9)

VALORES DE SUCUMBÊNCIA

ENUNCIADO: Procedente a ação de alimentos ou a revisional, porém em valor distinto daquele formulado no pedido inicial (para menos ou para mais, conforme o caso concreto), deve tão somente a parte requerida responder pelos valores de sucumbência, por se tratarem de pedidos estimativos.

JUSTIFICATIVA: O que determina a sucumbência é o acolhimento ou não do pedido em si. Na ação de alimentos o pedido se restringe a fixação da obrigação, na ação revisional a majoração ou redução da obrigação, ou seja, o não acolhimento do valor pretendido, porém, com procedência da demanda para fixar, majorar ou reduzir a obrigação implica na total procedência do pedido e consequente afastamento do ônus sucumbencial.

(Ap. Cív. n.º 457.728-4; 383.295-1)

VERBAS RESCISÓRIAS POSSUEM NATUREZA INDENIZATÓRIA

ENUNCIADO: As verbas rescisórias trabalhistas, ante a sua natureza indenizatória e não alimentar, não podem ser consideradas para compor a pensão alimentícia.

JUSTIFICATIVA: As verbas rescisórias possuem natureza indenizatória, uma vez que têm como objetivo assegurar por um tempo a sobrevivência do empregado diante de sua demissão, razão para ser vedada a incidência de alimentos sobre tais valores.

(Ap. Cív. n.º 655.390-6; 614.751-3; 386.762-9; 395.899-0; 171.721-1)

 

D E C I S Ã O  E M  D E S T A Q U E

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PRELIMINAR. PLEITO DE NULIDADE. SUPOSTA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ

DECISÃO: ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de Apelação e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação.

(TJPR – 11ª C.Cível – AC 0620851-5 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Desª Vilma Régia Ramos de Rezende – Unânime – J. 28.04.2010)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 620.851-5, DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS, ACIDENTES DO TRABALHO E PRECATÓRIAS CÍVEIS DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE: P. C. S.

RELATORA: DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PRELIMINAR. PLEITO DE NULIDADE. SUPOSTA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DIVERSO DAQUELE QUE COLHEU OS DEPOIMENTOS. POSSIBILIDADE NOS CASOS DO ART. 132 DO CPC. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. ART. 250, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. MÉRITO. PLEITO DE MUDANÇA DE PRENOME E SEXO JURÍDICO. TRANSEXUALISMO. PESSOA QUE NÃO SE SUBMETEU AO PROCEDIMENTO DE TRANSGENITALIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO POSSUI CONDIÇÕES FINANCEIRAS PARA TANTO E QUE O ESTADO DO PARANÁ NÃO POSSUI ESTRUTRA NEM PESSOAL PARA EFETUAR A CIRURGIA. INACOLHIMENTO. TRATAMENTO FORA DE DOMICÍLIO TFD. POSSIBILIDADE DE ENCAMINHAMENTO PARA OUTRO MUNICÍPIO OU ESTADO QUE OFEREÇA O TRATAMENTO. PORTARIA N.º 055/1999 DA SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. MUDANÇA DE NOME E SEXO QUE DEVE SE PAUTAR NO ESTADO PSICOLÓGICO, SOCIAL E MORFOLÓGICO DO INDIVÍDUO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO MÉDICO, MULTIDISCIPLINAR, DURANTE DOIS ANOS, NOS MOLDES DO ART. 4º DA RESOLUÇÃO N.° 1.652/2002 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E DE EFETIVAMENTE TER SE SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. 1. O juiz titular ou substituto que preside a audiência de instrução deve ser o mesmo que venha a proferir a sentença, salvo nos casos do art. 132 do Código de Processo Civil, sendo certo que ainda que não se enquadre em tal exceção, para que haja afronta ao princípio da identidade física do juiz, deve haver prova de ocorrência do prejuízo, nos termos do art. 250, parágrafo único, do mesmo Codex. 2. Não serve como fundamento a adução de impossibilidade de se submeter a procedimento cirúrgico, ante a falta de recursos ou ausência de estrutura e de pessoal nos estabelecimentos conveniados ao SUS no Estado do Paraná, uma vez que é oportunizado ao paciente o Tratamento Fora de Domicílio TFD, nos termos da Portaria n.º 055/1999 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, com disponibilização de ajuda de custo, transporte, hospedagem e alimentação pelo período do tratamento. 3. Para que haja a mudança de prenome e sexo jurídico, fundado em diagnóstico de transexualismo, se faz imprescindível acompanhamento médico, com avaliação de equipe multidisciplinar, por dois anos, nos moldes do art. 4º da Resolução n.º 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, devendo o pretendente ter se submetido ao respectivo procedimento de transgenitalização. 4. A mudança de nome e sexo, nos casos de diagnóstico de transexualismo, deve ser pautada na adequação da situação psicológica, social e morfológica da pessoa. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 620.851-5, oriundos da Vara de Registros Públicos, Acidentes do Trabalho e Precatórias Cíveis do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Apelante P. C. S..

I RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra a sentença (fls. 84/90), proferida nos autos de Ação de Retificação de Registros Públicos nº 226/2008, em trâmite perante a Vara de Registros Públicos, Acidentes do Trabalho e Precatórias Cíveis do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, proposta por P. C. S., que a julgou improcedente, ante a ausência dos requisitos autorizadores para a mudança de sexo no registro civil, entendendo que não há provas do preenchimento dos critérios para a realização de procedimento cirúrgico de transgenitalização, nos moldes da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.652/2002.

Opostos Embargos de Declaração por P. C. S. (fls. 92/93), estes restaram acolhidos para autorizar a inclusão do patronímico materno no nome do requerente (fls. 94) P. C. S. interpôs recurso de Apelação (fls. 97/107), aduzindo, preliminarmente, nulidade da sentença, uma vez que o magistrado que colheu as provas não foi o mesmo que julgou a causa.

No mérito sustenta, em síntese, que:

a) foi diagnosticada Disforia de Gênero (transexualismo), consoante laudo de fl. 20;

b) desde sua infância possui comportamento feminino, identificando-se hoje como pertencente a este gênero;

c) há anos segue com acompanhamento médico, sendo que com o diagnóstico (em 2001) lhe foi recomendado a intervenção cirúrgica, fazendo o uso, a partir de então, de medicamento hormonal;

d) é reconhecido pelo meio em que vive como Renata; o nome constante no registro de nascimento impinge-lhe um “sofrimento e contradição que a condição de transexual carrega”;

e) não realizou a cirurgia de redesignação sexual pois o custo é elevado e o Estado do Paraná não realiza pelo SUS, ante a ausência de profissionais para tanto;

f) o diagnóstico atestado no laudo de fls. 20 é resultado do encaminhamento do exame de cariótipo ao setor de Genética, após dois anos de análise;

g) “não se pode mais permitir que este indivíduo [cidadão transexual] continue tendo seus direitos cerceados e suas oportunidades reduzidas em razão de ser portador de uma condição médica da qual não tem culpa e que não escolheu para si” (fl. 104).

Recurso recebido no duplo efeito (fl. 126) e contra- arrazoado (fls. 127/127), momento em que o Ministério Público de primeiro grau se pronunciou no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso de apelação.

Em parecer ministerial (fls. 137/148), o douto Procurador de Justiça REINALDO ROBSON HONORATO SANTOS opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

II FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

II. 1 PRELIMINARES

Inicialmente, pugna o Apelante pelo reconhecimento de nulidade da decisão recorrida, ante suposta afronta ao princípio da identidade física do juiz, uma vez que o magistrado que colheu a prova testemunhal não foi o mesmo que julgou o feito.

Sem razão.

O art. 132 do Código de Processo Civil dispõe que:

“O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.” [grifamos] Assim, a regra é que o juiz titular ou substituto que preside a audiência de instrução seja o mesmo que venha a proferir a sentença. Contudo, tal regra não é absoluta, conforme se denota da segunda parte do dispositivo acima colacionado, admitindo-se exceções.

Ademais, ainda, exige-se para o reconhecimento da nulidade prova de prejuízo em decorrência dela, nos termos do art. 250, parágrafo único, do Código de Processo Civil:

“O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais.

Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.” [grifamos] Neste sentido, é entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REMOÇÃO DO JUIZ DA INSTRUÇÃO. SENTENÇA PROFERIDA POR OUTRO MAGISTRADO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ (ARTIGO 132 DO CPC). NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO NA PROLAÇÃO DO DECISÓRIO.

1. A remoção do Juiz da instrução para assumir, definitivamente, outra Vara, se enquadra entre as exceções admitidas pelo artigo 132 do CPC, de modo a possibilitar a prolação da sentença por outro magistrado.

2. Para que se configure a violação ao Princípio da Identidade Física do Juiz, a ensejar a nulidade da sentença, a parte recorrente deve veicular e demonstrar, em suas razões de recurso, de forma inequívoca, qual o prejuízo concreto que a prolação da sentença, por magistrado diverso daquele que instruiu o processo, ter- lhe-ia causado.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.” [grifamos] (AgRg no REsp 249.894/SC, da 3ª T do STJ, Rel. Des. Conv. do TJ/RS VASCO DELLA GIUSTINA in DJU de 01/12/2009)

“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. (…) SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DISTINTO DAQUELE QUE ACOMPANHOU OS ATOS INSTRUTÓRIOS. FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ (ART. 132 DO CPC). REGIME DE EXCEÇÃO/MUTIRÃO. POSSIBILIDADE. PREJUÍZO NÃO EVIDENCIADO. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO CONFIGURADA.

(…) 3. Na forma do art. 132 do Código de Processo Civil, o magistrado que concluir a audiência só não julgará a lide se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, caso em que a passará ao seu sucessor.

4. Sob esse enfoque, a Corte Especial deste Tribunal, por ocasião do julgamento do AgRg no Ag 624.779/RS, de relatoria do Min. Castro Filho, firmou entendimento no sentido de que o princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto, podendo o juiz titular ser substituído por seu sucessor nas hipóteses previstas no artigo 132 do Código de Processo Civil, entre as quais está incluída a expressão “afastado por qualquer outro motivo”, a partir da qual pode-se considerar o afastamento do magistrado em decorrência do regime de exceção/mutirão, que visa a agilização da prestação jurisdicional. Precedentes.

5. Além disso, a jurisprudência entende que a simples alegação de afronta ao referido dispositivo legal não tem o condão de acarretar a nulidade da sentença, porquanto imperioso ventilar qual o prejuízo efetivamente sofrido.

6. No caso em foco, verifica-se da leitura dos fundamentos do acórdão recorrido que, indubitavelmente, foram levados em consideração os elementos probatórios produzidos nos autos, dentre eles, documentos, prova testemunhal e pericial, de modo que, em assim sendo, não há como vislumbrar qualquer prejuízo ao recorrente. E, sem prejuízo, não há nulidade.

7. Com efeito, desde que não haja prejuízo para nenhuma das partes, consoante ocorre na espécie, o princípio do juiz natural pode ser flexibilizado, a fim de conferir efetividade ao Judiciário, como nas hipóteses de mutirões.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido.” [grifamos] (REsp 380.466/PR, da 1ª T. do STJ, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, in DJU de 22/10/2009)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. ART. 132 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. (…).

1. Segundo dicção do art. 132 do CPC, “o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor”.

2. No caso em tela, o magistrado que concluiu a instrução foi designado para trabalhar em outra Vara. Assim, não se configura ofensa ao dispositivo citado, tendo em vista que: a) a hipótese dos autos encaixa-se nas exceções previstas no diploma processual; b) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que não há falar em ofensa ao princípio da identidade física do juiz no caso de inexistir prejuízo para a parte e c) o recorrente não combateu o fundamento do aresto recorrido de que não foi demonstrada a ocorrência de prejuízo (Súmula 283/STF).

(…)

6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (REsp 885.673/MA, da 2ª T. do STJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, in DJU de 31/08/2009) Seguindo a mesma linha de raciocínio, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ORDINÁRIA DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO, DISSOLUÇÃO, PARTILHA DE BENS OU INDENIZAÇÃO C/C ALIMENTOS, GUARDA E VISITAS PROCEDÊNCIA. APELO DA AUTORA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ INOCORRÊNCIA (…) PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO (…) RECURSO DESPROVIDO.

1. O princípio da identidade física do juiz não se reveste de caráter absoluto, donde decorre que a nulidade em virtude da preterição dessa formalidade somente deve ser declarada se houver prova de prejuízo. E, tendo em vista que não foi produzida qualquer prova em audiência, inexiste prejuízo às partes que a sentença seja proferida por outro juiz.

(…)” [grifamos] (Ac. un. n.º 15.116, da 11ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 604.623-1, de Campo Largo, Rel. Des. LUÍS CARLOS XAVIER, in DJ de 12/01/2010) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS C/C LUCROS CESSANTES – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NÃO VIOLADO (…) APELAÇÃO DE EXPRESSO ADORNO LTDA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA – APELAÇÃO DA EMPRESA GLÓRIA DE TRANSPORTES LTDA CONHECIDA E NÃO PROVIDA.

1. `Não fere o princípio da identidade física do juiz quando o prolator da sentença for diverso daquele que presidiu a instrução processual, na hipótese de sucessão entre juízes em decorrência de movimentação em suas carreiras, pois caracterizada exceção à regra de vinculação estabelecida pelo artigo 132, do Código de Processo Civil’.

(Superior Tribunal de Justiça, REsp 721743, Rel. Nancy Andrighi, Julg. 19.09.06, Pub. DJU 02.10.06, p. 266). (…)” (Ac. un. n.º 18.348, da 9ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 464.942-5, de Curitiba, Rel. Des. FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR, in DJ de 16/11/2009)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO – NULIDADE DA SENTENÇA – ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ – INOCORRÊNCIA.

(…)

2. `O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, só ensejando nulidade do acórdão se importar em violação ao contraditório e à ampla defesa. Prejuízo dito indutivo não é suficiente para reconhecer violação ao art. 132 do CPC.’ (STJ, Recurso Especial nº 780.775/CE, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.9.2006).

3. Não tendo a sentença se embasado em prova colhida durante a audiência de instrução e julgamento, não há que se falar em ofensa ao princípio da identidade física do juiz.

4. Apelações desprovidas.” (Ac. un. n.º 14.249, da 7ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 520.608-2, de Paranavaí, Rel. Des. GUILHERME LUIZ GOMES, in DJ de 08/06/2009) Na presente testilha, observa-se que a inicial foi recebida pelo Juiz Substituto Rodrigo Domingos Peluso Junior em abril de 2008 (fl. 52), o qual designou audiência para a oitiva do Apelante e de suas testemunhas (fl. 56), audiência esta conduzida pelo Juiz Substituto Fernando Swain Ganem (fls. 60/64), restando o feito julgado pelo Juiz Substituto Rodrigo Domingos Peluso (fl. 90).

Em que pese não haja nos autos certidão alguma que justifique, fundada em uma das exceções do art. 132 do Código de Processo Civil, a troca dos magistrados, o Apelante não demonstrou a existência de prova inequívoca de ocorrência de prejuízo, até porque, o teor dos depoimentos colhidos (fls. 60/64) não se contrapõem à conclusão do Juízo singular quanto à inexistência de provas para o preenchimento dos critérios para a realização de procedimento cirúrgico de transgenitalismo, nos moldes da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.652/2002.

Desta forma, impossível o reconhecimento da nulidade aduzida.

II.2 MÉRITO

Cinge-se a delicada controvérsia na (im)possibilidade de retificação do registro civil para a mudança do prenome e sexo jurídico, por pessoa diagnosticada com disforia de gênero (transexualismo masculino primário) que, porém, não se submeteu a cirurgia de transgenitalismo.

Primeiramente, cumpre destacar que as alegações de que o Apelante não detém condições financeiras para a realização do procedimento cirúrgico correspondente, e que este não é realizado no Paraná, por falta de equipe médica especializada para tanto, não lhe socorre.

Conforme bem exposto pela parte, pela Resolução n.º 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, bem como pela Portaria GM/MS n.º 1.707/2008 e a Portaria n.º 457/2008 da Secretaria de Atenção à Saúde SAS/MS, restaram regulamentadas as diretrizes nacionais para o processo de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia como tratamento dos casos de transexualismo, com sua implementação em todas as unidades federadas.

Assim, é fato a possibilidade dos interessados em se submeterem ao processo de transgenitalismo, conforme se extrai do próprio sítio do Ministério da Saúde:

“Direitos dos Usuários do SUS Processo transexualizador Qualquer cidadão que procure o sistema de saúde público, apresentando a queixa de incompatibilidade entre o sexo anatômico e o sentimento de pertencimento ao sexo oposto ao do nascimento, tem o direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação.

A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde assegura o direito ao uso do nome social. O usuário pode indicar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do nome que consta no registro civil.

No caso de usuário que já esteja fazendo uso de hormônios sem acompanhamento médico, será realizado encaminhamento imediato ao médico endocrinologista.

1. Acompanhamento Terapêutico

O acompanhamento terapêutico consiste na promoção da saúde integral, com especial ênfase na re- inserção social. Compreende três dimensões: médica, psicológica e social.

O acompanhamento terapêutico não se restringe apenas ao diagnóstico ou à avaliação da pertinência da realização da cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo) ou intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários.

Ao usuário deve ser assegurada a liberdade para descobrir, com o amparo profissional, estratégias de promoção do seu bem-estar.

O processo psicoterapêutico resguarda ao transexual o direito às diferenças comportamentais e subjetivas.

O acompanhamento terapêutico médico- endocrinológico deve se pautar na perspectiva da redução de danos, em exames com periodicidade mínima semestral para acompanhamento dos efeitos do uso das medicações determinadas.

A assistente social deverá reconhecer a dinâmica relacional do usuário, a fim de promover estratégias de inserção social na família, no trabalho, nas instituições de ensino e nos demais espaços sociais prementes na vida do indivíduo transexual.

2. Transgenitalização

Intervenções médico-cirúrgicas devem atender aos critérios estipulados pela Resolução Nº 1.652/2002 do CFM, que determinam o prazo mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico como condição para a viabilização de cirurgia, bem como a maioridade e o diagnóstico de transexualismo.

Transcorridos os dois anos de acompanhamento terapêutico, caso o usuário seja diagnosticado transexual está apto a se submeter à cirurgia de transgenitalização, o que não significa que deva necessariamente se submeter a este recurso terapêutico.

A cirurgia de transgenitalização deve ser concebida como um dentre outros recursos terapêuticos dos quais dispõe o indivíduo transexual em seu processo transexualizador.

A escolha pela intervenção na genitália deve ser alcançada pelo usuário através do processo psicoterapêutico e social, requerendo: – Conhecimento acerca dos aspectos cirúrgicos; – Conhecimento dos resultados cirúrgicos em suas dimensões estética e funcional; – Consideração crítica das expectativas que acompanham a demanda de transgenitalização; – Consideração crítica das conseqüências estéticas e funcionais da intervenção cirúrgica experiência pessoal e relacional do indivíduo transexual; – Consideração crítica de outras alternativas necessárias para a melhoria da qualidade de vida, sobretudo no que se refere às relações sociais.

Os profissionais que compõe a equipe são responsáveis por incitar o questionamento da demanda transexual de transgenitalização, que deverá ter como conseqüência, no caso da opção pela intervenção cirúrgica, do consentimento livre e esclarecido do(a) usuário(a).

A cirurgia de transgenitalização para construção do pênis são experimentais e têm sua viabilização condicionada a protocolos de pesquisa em hospitais universitários. As demais cirurgias transexualizadoras para homens transexuais (histerectomia e mastectomia) não encontram essa restrição.

Em caso de internação médico-hospitalar, o(a) transexual será internado(a) na enfermaria em conformidade ao sexo com o qual se identifica socialmente, a despeito do nome que conste no registro civil.

3. Atenção continuada

O Processo Transexualizador no SUS apresenta situações que exigem a atenção continuada do usuário da saúde.

A hormonioterapia requer o uso contínuo de hormônios, por longos períodos de tempo, por isso, há necessidade da assistência endocrinológica continuada. Os exames devem ser realizados com intervalo máximo de um ano, a fim de reduzir danos por efeitos colaterais do uso da medicação, e para viabilizar diagnósticos precoces em relação a câncer e baixa densiometria ósseos.

A transgenitalização (cirurgia para mudança de sexo) implica na atenção pós-cirúrgica, que não restringe seu sentido à recuperação física do corpo cirurgiado, mas também à própria pesquisa dos efeitos da medida cirúrgica na qualidade de vida do(a) transexual cirurgiado(a).

O acompanhamento pós-cirúrgico deve se estender por pelo menos dois anos após a ocorrência do procedimento.

O tratamento psicológico e social se mantém como possibilidade a todo usuário que retorne ao SUS com demanda de psicoterapia ou de assistência social, mesmo havendo o paciente se desvinculado dos programas de atenção por tempo indeterminado.”

(Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?id

txt=34017&janela=1. Acessado em 18 mar. 2010)

Em paralelo, é certo que muitos municípios e estados ainda não possuem condições estruturais e de pessoal para atender tais exigências, o que não ocorre somente em relação a tal procedimento, mas também a tantos outros que possuem um alto grau de complexidade, tais como certos transplantes que envolvem apuradíssimas técnicas e aparelhagens de alto custo.

Em razão disso, há a possibilidade das pessoas fazerem uso do benefício de Tratamento Fora de Domicílio TFD, cuja base legal tem fundamento na Portaria n.º 055/1999 da SAS/MS, a qual possibilita que o município que não possui estrutura para tratar o paciente, o encaminhe a outro município ou estado, juntamente com acompanhante, caso necessário, para que seja feito o procedimento, disponibilizando ajuda de custo de transporte, hospedagem e alimentação, pelo período do tratamento:

“(…) Considerando a necessidade de garantir acesso de pacientes de um município a serviços assistenciais de outro município; Considerando a importância da operacionalização de redes assistenciais de complexidade diferenciada, e Considerando a Portaria SAS/MS/Nº 237, de 09 de dezembro de 1998, publicada no Diário Oficial n° 23 8-E, de 11 de dezembro de 1998, que define a extinção da Guia de Autorização de Pagamentos GAP, como instrumento para pagamento do Tratamento Fora do Domicílio TFD, resolve: Art. 1º – Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado.

§ 1º – O pagamento das despesas relativas ao deslocamento em TFD só será permitido quando esgotados todos os meios de tratamento no próprio município.

§ 2º – O TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS.

§ 3º – Fica vedada a autorização de TFD para acesso de pacientes a outro município para tratamentos que utilizem procedimentos assistenciais contidos no Piso da Atenção Básica PAB.

§ 4º- Fica vedado o pagamento de diárias a pacientes encaminhados por meio de TFD que permaneçam hospitalizados no município de referência.

§ 5º – Fica vedado o pagamento de TFD em deslocamentos menores do que 50 Km de distância e em regiões metropolitanas.

Art. 2º – O TFD só será autorizado quando houver garantia de atendimento no município de referência, com horário e data definido previamente.

Art. 3º – A referência de pacientes a serem atendidos pelo TFD deve ser explicitada na PPI de cada município.

Art. 4º – As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.

§ 1º A autorização de transporte aéreo para pacientes/acompanhantes será precedida de rigorosa análise dos gestores do SUS.

Art. 5º – Caberá as Secretarias de Estado da Saúde/SES propor às respectivas Comissões Intergestores Bipartite CIB a estratégia de gestão entendida como: definição de responsabilidades da SES e das SMS para a autorização do TFD; estratégia de utilização com o estabelecimento de critérios, rotinas e fluxos, de acordo com a realidade de cada região e definição dos recursos financeiros destinados ao TFD.

§ 1º A normatização acordada será sistematizada em Manual Estadual de TFD a ser aprovado pela CIB, no prazo de 90 dias, a partir da vigência desta portaria, e encaminhada, posteriormente, ao Departamento de Assistência e Serviços de Saúde/SAS/MS, para conhecimento.

Art. 6º – A solicitação de TFD deverá ser feita pelo médico assistente do paciente nas unidades assistenciais vinculadas ao SUS e autorizada por comissão nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual, que solicitará, se necessário, exames ou documentos que complementem a análise de cada caso.

Art. 7º – Será permitido o pagamento de despesas para deslocamento de acompanhante nos casos em que houver indicação médica, esclarecendo o porquê da impossibilidade do paciente se deslocar desacompanhado.

Art. 8º – Quando o paciente/acompanhante retornar ao município de origem no mesmo dia, serão autorizadas, apenas, passagem e ajuda de custo para alimentação.

Art. 9º – Em caso de óbito do usuário em Tratamento Fora do Domicílio, a Secretaria de Saúde do Estado/Município de origem se responsabilizará pelas despesas decorrentes.

(…)” (Portaria/SAS/Nº 055 de 24 de fevereiro de 1999. Disponível em:

http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port99/PT– 055.html. Acessado em: 18 mar. 2010)

Partindo-se desta breve consideração, passa-se a análise das demais questões fundamentais que envolvem o pleito do Apelante.

Atualmente, não há questionamentos a se fazer quanto à possibilidade da mudança do prenome e sexo jurídico, no registro civil, em pessoas transexuais que realizaram a cirurgia de neocolpovulvoplastia, conforme a recente e brilhante decisão do Superior Tribunal de Justiça, de lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI, a qual esgotou a discussão acerca do tema:

” DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSEXUAL SUBMETIDO À CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESIGNATIVO DE SEXO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Sob a perspectiva dos princípios da Bioética de beneficência, autonomia e justiça , a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual.

A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade.

A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano.

Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto.

Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana.

A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo.

Conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente.

Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido.

Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73.

Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância.

O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar.

Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna.

De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido.” [grifamos] (REsp nº 1.008.398/SP, da 3ª T. do STJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJe de 18/11/2009)

Outrossim, segue a jurisprudência nacional:

“APELAÇÃO – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – TRANSEXUAL QUE SE SUBMETEU À CIRURGIA DE ADEQUAÇÃO AO SEXO FEMININO – OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – HARMONIZAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS COM A SEGURANÇA JURÍDICA E A VERDADE REGISTRARIA – MODIFICAÇÃO DE NOME E SEXO QUE, NO ENTANTO DEVEM SER PROCESSADAS PELA VIA DA AVERBAÇÃO, PARA QUE SE PRESERVE A CONTINUIDADE DO REGISTRO CIVIL E OS DIREITOS DE TERCEIRO – RECURSO PROVIDO.” [grifamos] (Ap. Cív. n.º 994.08.045777-8, de Guarulhos, da 3ª CC do TJSP, Rel. Des. EGIDIO GIACOIA, in DJ de 12/03/2010)

“DIREITO CIVIL. TRANSEXUAL. MUDANÇA DO `SEXO REGISTRAL’. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NECESSIDADE DE QUE DO REGISTRO DE NASCIMENTO CONSTE QUE AS MUDANÇAS DE PRENOME E DO SEXO FORAM DETERMINADAS POR DECISÃO JUDICIAL. PROVIMENTO DO RECURSO.” (Ap. Cív. n.º 0066812-72.2007.8.19.0002, de Niterói, da 2ª CC do TJRJ, Des. Rel. ALEXANDRE CAMARA, in DJ de 01/03/2010)

“APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NOME E SEXO. É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome em virtude da realização da cirurgia de redesignação sexual.

Vedação de extração de certidões referentes à situação anterior do requerente, sob pena de discriminação. RECURSO IMPROVIDO.” [grifamos] (Ap. Cív. n.º 70028694479, de Guaíaba, da 8ª CC do TJRS, Rel. Des. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, in DJ de 02/06/2009)

“RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – TRANSEXUAL – CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO JÁ REALIZADA – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – MUDANÇA DE NOME – NECESSIDADE PARA EVITAR SITUAÇÕES VEXATÓRIAS – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE GENÉRICO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA À INTEGRAÇÃO DO TRANSEXUAL.

– A força normativa da constituição deve ser vista como veículo para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, que inclui o direito à mínima interferência estatal nas questões íntimas e que estão estritamente vinculadas e conectadas aos direitos da personalidade.

– Na presente ação de retificação não se pode desprezar o fato de que o autor, transexual, já realizou cirurgia de transgenitalização para mudança de sexo e que a retificação de seu nome evitar-lhe-á constrangimentos e situações vexatórias.

– Não se deve negar ao portador de disforia do gênero, em evidente afronta ao texto da lei fundamental, o seu direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de seu nascimento.

V.V.” [grifamos] (Ap. Cív. n.º 1.0024.05.778220-3/001-1, de Belo Horizonte, da 7ª CC do TJMG, Des. Rel. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS, in DJ de 07/04/2009)

No mesmo sentido, já se manifestou esta Corte:

“APELAÇÃO CÍVEL – RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE REGISTRO CIVIL – MUDANÇA DE NOME E SEXO – TRANSEXUAL – POSSIBILIDADE – REALIZAÇÃO DE CIRURGIA ABLATIVA DANDO CONFORMIDADE DO ESTADO PSICOLÓGICO AO NOVO SEXO COMO MEIO CURATIVO DE DOENÇA DIAGNOSTICADA – APLICAÇÃO DO PRINCÍCIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IDENTIDADA SEXUAL – RELEITURA DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS AO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL – MUTABILIDADE DO NOME – ALTERAÇÃO PARA CONSTAR ALCUNHA – POSSIBILIDADE – PROTEÇÃO ALBERGADA PELO NOVO CÓDIGO CIVIL – APELO PROVIDO.

`A mudança de nome, em razão da realização de cirurgia de transgenitalização, adequando o estado psicológico ao seu novo sexo, no caso de transsexuais, é possível pelo ordenamento jurídico pátrio, como corolário interpretativo a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do respeito à identidade sexual do indivíduo, trazendo com isso, releitura hodierna aos dispositivos normativos insertos na Lei de Registros Públicos, evitando a exposição dos mesmos à situações de chacota social diante da desconformidade entre seus documentos pessoais e a nova condição morfológico-social.'” [grifamos] (Ac. un. n.º 6.097, da 12ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 350.969-5, de Curitiba, Des. Rel. RAFAEL AUGUSTO CASSETARI, in DJ de 20/07/2007)

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E REGISTRO PÚBLICO – APELAÇÃO – RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO DO NOME E DO SEXO – TRANSEXUALISMO MASCULINO – CIRURGIA TERAPÊUTICA PARA ADEQUAÇÃO DA IDENTIDADE SEXUAL MORFOLÓGICA À PSICOLÓGICA – VERDADE REAL – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO -AUSÊNCIA DE PREVISÃO ESPECÍFICA NAS NORMAS REGISTRAIS PARA A ALTERAÇÃO – INTEGRAÇÃO DO SISTEMA – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 4º e 5º E 126 DO CPC – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE VEDAM A DISCRIMINAÇÃO EVITANDO QUE O SUJEITO DE DIREITO FIQUE EXPOSTO AO RIDÍCULO E À MARGEM DA SOCIEDADE – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 55, PARÁGRAFO ÚNICO, 58 E 109 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – DEFINIÇÃO DA IDENTIDADE SEXUADA NÃO SE ESGOTA NA ANÁLISE DE ASPECTOS BIOLÓGICOS- SOMÁTICOS – SENTENÇA MANTIDA EM PARTE – FALTA DE INTERESSE DE AGIR, NOS PEDIDOS DE BAIXA DO CERTIFICADO DE RESERVISTA E ALTERAÇÃO DE DOCUMENTOS PESSOAIS – DESNECESSIDADE DA INTERVENÇÃO DA JURISDIÇÃO -RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

1. A transexualidade é considerada atualmente pela psiquiatria como um Transtorno de Identidade Sexual (CID X), síndorme ou um padrão de comportamento que está associado a um sofrimento psíquico, ou a um risco aumentado de sofrimento mental. Pode-se supor que o transexualismo torna o indivíduo mais susceptível a um adoecimento mental e quando fica esclarecido o diagnóstico de transexualismo primário, atualmente é recomendada a cirurgia de reatribuição sexual.

2. Embora usualmente o sexo do indivíduo seja dado basicamente pelo exame do estado físico da genitália, igualmente como é feito em outros animais (macho ou fêmea), contrariamente, o procedimento do reconhecimento do sexo do indivíduo é determinado por vários processos genéticos: exame cromossômico, de fato, é um indicador de definição sexual;a avaliação hormonal, bem como o exame das características físicas da pessoa, pelas genitálias, coadjuvam a pesquisa, mas são indicações pouco precisas. O critério bio-psíquico não é utilizado, principalmente porque as certidões de nascimento são realizadas, quando as pessoas são recém-nascidas, o que obvia qualquer análise mais profunda acerca de seu comportamento psicológico.

3. Embora o registro civil de nascimento, quanto á determinação do sexo, seja realizado apenas à vista da genitália, que não é, como visto, um critério seguro, não podem suas normas vedar ao conhecimento científico a determinação do sexo, através de um complexo psicossomático, onde os fatores sociais são de alta relevância.

4. Quando existir lacuna na lei, o juiz deve buscar solução buscando amparo nos princípios, na analogia e nos costumes, conforme determina o artigo 126 do Código de Processo Civil, considerando que o ordenamento jurídico é uma estrutura complexa, constituída de regras, e, também, de valores e de princípios, vale dizer, de categorias axiológicas e deontológicas, que formam uma totalidade de partes entre si ordenadas e vinculadas, à feição das notas musicais.

5. Existe a possibilidade de se alterar o registro do sexo de alguém, desde que tal alteração sirva para retificar um equívoco, atendendo à verdade real, vale dizer, no Brasil, somente se admite a retificação do registro do sexo quando esta retificação destina-se a retratar a realidade.

6. Com a alteração do sexo para feminino não se estará inserindo no registro civil um fato inverídico, vez que o autor pensa como mulher, comporta-se na sociedade como mulher e possui aparência externa de mulher, devendo-se ressaltar que a noção de sexo não é puramente biológico- somática, mas também psicossocial, devendo-se atentar para o fato de que não foi a cirurgia de mudança de sexo que transformou o Apelante em uma pessoa do sexo feminino, esta apenas ajustou a aparência externa ao sentimento de ser. ” [grifamos] (Ac. un. n.º 4.390, da 7ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 168.241-3, de Jacarezinho, Des. Rel. MÁRIO HELTON JORGE, in DJ de 08/07/2005)

“APELAÇÃO CÍVEL REGISTRO PÚBLICO RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO TRANSEXUAL OPERADO PRETENSA ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO POSSIBILIDADE JURÍDICA CIRCUNSTÂNCIA QUE EXPÕE O REQUERENTE AO RIDÍCULO – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 55, PARÁGRAFO ÚNICO, 58 E 109 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DEFINIÇÃO SEXUAL QUE NÃO SE ESGOTA NA ANÁLISE DE ASPECTOS BIOLÓGICOS-SOMÁTICOS SENTENÇA REFORMADA RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.

1) O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registral e compatível com o sexo masculino.

2) Com a alteração do sexo para feminino não se estará inserindo no registro civil um fato inverídico, vez que o autor pensa como mulher, comporta-se na sociedade como mulher e possui aparência externa de mulher, devendo-se ressaltar que a noção de sexo não é puramente biológico- somática, mas também psicossocial, devendo-se atentar para o fato de que não foi a cirurgia de mudança de sexo que transformou o Apelante em uma pessoa do sexo feminino, esta apenas ajustou a aparência externa do autor ao que sempre sentiu ser.” (Ac. un. n.º 3.031, da 7ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 147.425-9, de Goioerê, Des. Rel. MÁRIO RAU, in DJ de 20/09/2004) Assim, observa-se que tal posicionamento é dominante no cenário nacional, apresentando-se os julgados em sentido contrário como decisões isoladas da realidade jurisprudencial e, por óbvio, dissonantes do atual cenário social, o qual exige a constitucionalização de todo o ordenamento jurídico, não servindo como fundamento a mera inexistência de legislação específica a autorizar a troca de nome e sexo jurídico de pessoas transexuais.

Contudo, o presente caso difere daqueles, uma vez que o Apelante ainda não se submeteu à avaliação de equipe multidisciplinar, com dois anos de acompanhamento, nos termos do art. 4º da Resolução n.° 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, não realizando, por evidente, o respectivo procedimento cirúrgico.

É certo que não é a cirurgia que concederá ao indivíduo a condição de transexual, pois esta deriva, em verdade, da existência de um “desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e ou autoextermínio” (Considerando da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.652/2002). Entretanto, a mudança do nome e do sexo jurídico não pode se limitar a condição de transexual, “pura e simplesmente”, ou seja, tão somente o aspecto psicológico da pessoa, deve se ater, ainda, às demais condições morfológicas do indivíduo.

Em outras palavras, da mesma forma que apenas a morfologia, ou seja, a análise da aparência física dos órgãos genitais, por si só, não basta para a confirmação do gênero da pessoa, o estado psicológico de transexual, em que a pessoa se vê como pertencente a gênero diverso daquele que biologicamente aparenta, por si só também não autoriza a confirmação do gênero.

No presente caso, os documentos de fls. 19/20, demonstram a passagem do Apelante por avaliação psicossexual, com seu acompanhamento por profissional da saúde especializada na área, a qual diagnosticou o “Transexualismo Masculino Primário, código 3025 CID”, diagnóstico este corroborado pelas fotos de fls. 50/51 e depoimentos de fls. 61/64, os quais demonstram claramente a identificação do Apelante com o gênero oposto àquele constante do registro civil, bem como o reconhecimento como tal pela sociedade.

Todavia, ainda que aquele diagnóstico (fl. 20) ateste a condição de transexual, tão somente isto não basta, eis que, em uma análise mais cautelosa, a qual deve, obrigatoriamente, circundar a mudança de nome e sexo registral, é essencial que a pessoa se submeta a um rigoroso acompanhamento médico, multidisciplinar, que tem condição de confirmar, com a maior convicção e segurança, o seu estado psicológico permanente de identidade sexual, suficiente a recomendar o procedimento de transgenitalismo.

Além disso, na concepção desta relatora, morfologicamente o recorrente ainda não deixou, plenamente, de se caracterizar como integrante do sexo masculino, aspecto este que só se dará com a sua respectiva sujeição ao acompanhamento médico, por equipe médica multidisciplinar médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social , por dois anos, que o autorize, nos termos da Resolução n.° 1.652/2002 do Conselho Feral de Medicina, a se submeter ao referido procedimento cirúrgico e, ainda, que este seja efetivamente realizado no caso, “cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo” (art. 1º da mencionada Resolução).

Resumindo, a mudança dos dados do registro civil (prenome e sexo jurídico), ainda que o Apelante apresente formas preponderantemente femininas e assim seja reconhecido pela sociedade, apenas poderá ser deferida a pleiteada troca com a constatação da efetiva existência de acompanhamento médico, nos exatos termos do art. 4º da Resolução n.° 1.652/200 2 do Conselho Feral de Medicina, bem como pela efetiva sujeição do Apelante ao correspondente procedimento cirúrgico, também nos moldes desta Resolução, a fim de adequar a sua situação psicológica, social e de preponderância feminina caracterizadora, com sua morfologia e, posteriormente, modificando seu nome e sexo jurídico.

A confirmar tal posicionamento, além das diversas jurisprudências já expostas, as quais tomam como requisito a ocorrência da cirurgia, cumpre destacar o seguinte julgado, que, mutatis mutandis, representa este mesmo entendimento:

“REGISTRO CIVIL ASSENTO DE NASCIMENTO ALTERAÇÃO PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DE NOME E ALTERAÇÃO DE SEXO NO REGISTRO CIVIL C.C AUTORIZAÇÃO PARA CIRURGIA DE REATNBUIÇÃO SEXUAL INVIABILIDADE TRANSEXUALISMO QUE RECLAMA TRATAMENTO MÉDICO QUE SÓ PELO ESPECIALISTA PODE SER DELIBERADO ADMISSIBILIDADE DA CIRURGIA DE TRANSGEMTAFÍZAÇÃO MEDIANTE DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO E AVALIAÇÃO POR EQUIPE MULTIDISCIPLMAR, POR PELO MENOS DURANTE DOIS ANOS (CFM, RESOLUÇÃO 1 652/02). APELANTE INSCRITO E EM FILA DE ESPERA PARA O TRATAMENTO, QUE DEVE SER DEFINIDO PELA EQUIPE MULTIDISCIPLMAR, INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, POR SE TRATAR DE PROCEDIMENTO MÉDICO, COMPETINDO AO MÉDICO A DEFINIÇÃO DA OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA RECORRENTE QUE, POR ORA, É PESSOA DO SEXO MASCULINO ALTERAÇÃO NO REGISTRO CIVIL QUE PODERÁ SER TRATADA OPORTUNAMENTE APÓS RESOLVIDA, NO ÂMBITO MÉDICO, A QUESTÃO DE TRANSEXUALIDADE APELO DESPROVIDO” [grifamos] (Ap. Cív. n.º 417.413-4/5-00, de Dos Córregos, da 10ª CC do TJSP, Rel. Des. CARVALHO VIANA, in DJ de 07/11/2007) De seu inteiro teor, é de se extrair o seguinte trecho:

“O apelante se apresenta como transexual, (…), uma doença, que reclama tratamento médico, e que só pelo especialista médico pode ser deliberado Por isso é que o Conselho Federal de Medicina fez editar a mencionada Resolução CFM n° 1 652/2002, autorizando a cirurgia de transgenitalizaçâo do tipo neocolpovulvoplastia, que é a pretensão do apelante, desde que haja o diagnóstico específico, e a avaliação por equipe multidisciplinar, pelo menos durante dois anos.

Ora, o próprio apelante afirma que já está inscrito e em fila de espera para o tratamento, o que deve ser definido pela equipe multidisciplinar (…).

Com essa decisão, a questão dos dados do registro civil ficam superados. Por ora, o apelante é pessoa do sexo masculino, embora, ao que tudo indica, se apresente, fisicamente, com formas predominantemente femininas Resolvida no âmbito médico a questão da transexualidade, oportunamente se poderá tratar de alterações no Registro Civil.” [grifamos] Seguindo a linha de raciocínio ora exposta, manifestou-se o d. Procurador de Justiça REINALDO ROBSON HONORATO SANTOS:

“(…) não se pode ignorar que o apelante ainda não se submeteu à cirurgia de mudança de sexo, fato que possui relevância para a apreciação do pleito ora sob julgamento.

Atente-se ter sido juntada tão somente uma declaração médica, de fl. 19, na qual resta consignado que se trata de caso de transexualismo. O laudo psicológico de fl. 20, muito embora conclua que o recorrente apresenta disforia de gênero, recomendando a cirurgia de redesignação sexual e hormonioterapia, não se revelaria como prova suficientemente apta a autorizar a realização da cirurgia segundo os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina. Aponte-se que não há indicação do período da avaliação, que deve ser de dois anos, nem que foi ela efetuada pela equipe multidisciplinar exigida pela mencionada Resolução.” (fl. 146) Assim, por tais motivos, é de se indeferir o pleito recursal, mantendo a decisão a quo por seus próprios fundamentos.

III DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de Apelação e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora o Desembargador AUGUSTO LOPES CORTES e o Juiz Convocado ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR.

Curitiba, 28 de abril de 2010.

Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA RTR

 

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