Negatória de paternidade

 

            Não raro, pais registrais buscam o Poder Judiciário para sanar eventuais dúvidas acerca da paternidade assumida.

            Em certos casos, por meio de ação negatória de paternidade, alegam que, quando do registro, já tinham dúvida em relação à paternidade, mas aceitaram, de livre e espontânea vontade, assumi-la.

            Nestes casos, tanto as cortes superiores como o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná têm negado provimento aos pedidos, considerando tratar-se de pedido juridicamente impossível.

            Estes os fundamentos jurídicos destas decisões:

  

PROPOSIÇÃO: A mera dúvida acerca da paternidade, sobretudo existindo o reconhecimento livre e espontâneo de filho, não autoriza o pai registral a intentar ação negatória de paternidade.

  

JUSTIFICATIVA: O art. 1064 do Código Civil dispõe que ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. Não apontada qualquer nulidade ou vício de consentimento no registro de nascimento do filho, o pedido torna-se juridicamente impossível.

(TJRS – Ap. Cív. nº 70018181039; 70025574062; 70016059602; 70015436348; STJ – REsp nº 1.067.438/RS; 1.150.529/MG; TJPR – Ap. Cív. n.º 700.089-5)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Consolidando o entendimento acima descrito, destacamos a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, publicada em 16 de dezembro de 2010:

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 700.089-5, DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE RIO NEGRO

APELANTE: H. S. P.

APELADO:   H. H. R. P.

RELATORA: DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ALEGAÇÃO DE MERA DÚVIDA A RESPEITO DA PATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE ERRO OU FALSIDADE DO REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO RECONHECIDO DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE. CARÊNCIA DA AÇÃO MANIFESTA.

1.   A existência de mera dúvida acerca da paternidade, mormente havendo reconhecimento livre e espontâneo de filho, não autoriza o pai registral a ingressar com ação negatória de paternidade, conclusão que se extrai do art. 1609 do Código Civil.

2.   Não apontada qualquer nulidade ou vício de consentimento no registro de nascimento do filho, o pedido é juridicamente impossível, não restando outra alternativa senão o indeferimento da petição inicial.

RECURSO DESPROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 700.089-5, oriundos da Vara Única da Comarca de Rio Negro, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Apelante H. S. P. e como Apelado H. H. R. P.

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra a sentença (fls. 15/17), proferida nos autos de Ação Negatória de Paternidade n.º 1.711/2010, em trâmite perante a Vara Única da Comarca de Rio Negro, proposta por H. S. P. em face de H. H. R. P., que a julgou extinta, pela impossibilidade jurídica do pedido, entendendo que a simples dúvida quanto à paternidade não legitima a propositura da ação. Pela sucumbência, condenou o Autor ao pagamento de custas processuais, que restaram suspensas por força do art. 12 da Lei nº 1.060/50.

H. S. P. interpôs o presente recurso de Apelação (fls. 22/25), alegando, em suma, que:

a)    seu direito de acesso à justiça foi cerceado, pois ao descobrir que a genitora do Apelado manteve relações sexuais com terceira pessoa no período da concepção, intenta saber a verdadeira paternidade da prole;

b)   há vício no ato jurídico do registro de nascimento, eis que foi induzido a erro na medida em que a genitora do Apelado omitiu o fato de ter tido relação íntima com outro;

c)    “não pode ser negado o acesso a justiça, nem a verdade, eis que segue na contramão do verdadeiro termo Justiça.” (fls. 24).

Recurso recebido em seu efeito duplo efeito e em juízo de retratação a decisão foi mantida (fls. 26).

A douta representante do Ministério Público de Primeiro Grau, Promotora de Justiça GEORGIA TAUIL NOBRE opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 28/31). No mesmo sentido seguiu o parecer do Procurador Geral de Justiça MILTON JOSÉ FURTADO (fls. 40/45).

É o relatório.

  

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ingressou o ora Apelante com ação negatória de paternidade, argumentando que possui dúvidas quanto à paternidade do Apelado. A sentença, por sua vez, indeferiu a petição inicial, ante a impossibilidade jurídica do pedido.

É de se manter a decisão recorrida.

De fato, a simples dúvida quanto à paternidade livremente reconhecida não legitima a propositura da ação negatória de paternidade, especialmente mais de 20 (vinte) anos após o nascimento do filho e reconhecimento da paternidade (fls. 10).

Ademais, nos termos do art. 1064 do Código Civil, ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

No caso em análise, inexiste qualquer afirmação de erro ou falsidade no registro de nascimento do Apelado, sendo certo que a alegação de que “sempre deteve dúvida acerca da paternidade (…), (…) advinda do fato de existir suposta relação da genitora do Requerido com terceira pessoa na época da concepção (…) (fls. 02), sem qualquer embasamento em um dos defeitos do ato jurídico, não autoriza a propositura da demanda negatória.

Cumpre ainda trazer à baila o disposto no art. 1069 do Código Civil que preceitua:

“O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável (…).”

Disso se constata que mera dúvida não autoriza que o pai registral, que livre e espontaneamente reconheceu o filho, venha a juízo questionar a paternidade.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL já julgou inúmeros casos semelhantes, dentre os quais se destaca:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

Dúvida ou desconfiança quanto à paternidade não é causa que legitime a ação negatória de paternidade. Não apontada nulidade ou vício de consentimento no registro de nascimento da ré, o pedido é juridicamente impossível. Ademais, ao referir também o autor que procedeu ao registro de nascimento da ré espontaneamente, mas que ela não é sua filha porque sua genitora já estava grávida quando do início do relacionamento com ele, evidencia-se a adoção à brasileira, a qual também torna juridicamente impossível o pedido contido na negatória de paternidade. Precedentes. Sentença que extinguiu o feito, com base no art. 267, IV, do CPC, mantida. Apelação desprovida.”

(Ap. Cív. nº 70018181039, da 8ª CC do TJRS, de Lajeado, Rel. Des. JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, in DJ de 10/07/2009)

“NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO-DEMONSTRADO.

1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB).

2. Não sendo apontada a existência de qualquer vício de consentimento no registro de nascimento da filha menor, mostra-se hígido o assento civil.

3. A mera dúvida sobre a paternidade dos filhos de sua ex-companheira, gerada e nascida na constância da vida marital, não justifica a propositura da ação negatória de paternidade, mormente quando o registro foi feito de forma livre e espontânea.

4. Descabe cogitar da existência ou não do liame biológico quando é inequívoca a relação de paternidade socioafetiva. Recurso desprovido.”

(Ap. Cív. nº 70025574062, da 7ª CC do TJRS, de Lajeado, Rel. Des. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, in DJ de 12/02/2009)

“APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ADEQUAÇÃO.

É inepta a inicial de ação de investigação de paternidade que não vem embasada em alegação de vício na manifestação da vontade ou em eventual irregularidade no registro, mas apenas em dúvida do pai quanto a paternidade. NEGARAM PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA).”

(Ap. Cív. nº 70016059602, da 8ª CC do TJRS, de Lajeado, Rel. Des. RUI PORTANOVA, in DJ de 30/11/2006)

“FAMÍLIA. INDENIZAÇÃO, DANOS MORAIS E MATERIAIS. NEGATIVA DE PATERNIDADE. DESCABIMENTO. PROPOSIÇÃO DE AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CONSTITUINDO PROCEDIMENTO COMUM NO JUDICIÁRIO, DECORRENTE DO DIREITO CONSAGRADO DE ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO DE PETIÇÃO, ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE, CUJO TRÂMITE SE DÁ POR SEGREDO DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICANDO QUE O APELADO TENHA AGIDO DE MÁ-FÉ AO PROPOR A AÇÃO, APENAS SE UTILIZANDO DA VIA JUDICIAL PARA ELUCIDAR DÚVIDA QUANTO À PATERNIDADE, MOTIVADA PELA ATITUDE DA EX-COMPANHEIRA. AÇÃO IMPROCEDENTE, SENTENÇA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.”

(Ap. Cív. nº 70015436348, da 8ª CC do TJRS, de Montenegro, Rel. Des. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, in DJ de Julgado em 17/07/2006)

 

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA também teve a oportunidade de analisar a questão, cuja decisão é citada na imensa maioria de seus julgados que tratam do assunto:

“Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Interesse maior da criança. Vício de consentimento. Ausência de alegação. Mera dúvida acerca do vínculo biológico. Exame de DNA não realizado. Cerceamento de defesa não caracterizado.

O ajuizar de uma ação negatória de paternidade com o intuito de dissipar dúvida sobre a existência de vínculo biológico, restando inequívoco nos autos, conforme demonstrado no acórdão impugnado, que o pai sempre suspeitou a respeito da ausência de tal identidade e, mesmo assim, registrou, de forma voluntária e consciente, a criança como sua filha, coloca por terra qualquer possibilidade de se alegar a existência de vício de consentimento, o que indiscutivelmente acarreta a carência da ação, sendo irreprochável a extinção do processo, sem resolução do mérito.

Se a causa de pedir da negatória de paternidade repousa em mera dúvida acerca do vínculo biológico, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, por carência da ação.

Uma mera dúvida, curiosidade vil, desconfiança que certamente vem em detrimento da criança, pode bater às portas do Judiciário? Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, consciente no momento do reconhecimento voluntário da paternidade, leva para o universo do infante os conflitos que devem permanecer hermeticamente adstritos ao mundo adulto. Devem, pois, os laços afetivos entre pais e filhos permanecer incólumes, ainda que os outrora existentes entre os adultos envolvidos hajam soçobrado.

É soberano o juiz em seu livre convencimento motivado ao examinar a necessidade da realização de provas requeridas pelas partes, desde que atento às circunstâncias do caso concreto e à imprescindível salvaguarda do contraditório.

Considerada a versão dos fatos tal como descrita no acórdão impugnado, imutável em sede de recurso especial, mantém-se o quanto decidido pelo Tribunal de origem, insuscetível de reforma o julgado.

A não demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.

Recurso especial não provido.

(REsp nº 1.067.438/RS, da 3ª T. do STJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJe de 20/05/2009)

Cita-se ainda a seguinte decisão monocrática:

“(…)

Não merece acolhida a irresignação, pois, conforme precedente desta Corte, “O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto”.

(…)

No mesmo diapasão, observe-se:

REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE VIA ESCRITURA PÚBLICA. INTENÇÃO LIVRE E CONSCIENTE. ASSENTO DE NASCIMENTO DE FILHO NÃO BIOLÓGICO. RETIFICAÇÃO PRETENDIDA POR FILHA DO DE CUJUS. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATO DE REGISTRO DA FILIAÇÃO. REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ARTS. 1.609 E 1.610 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Estabelecendo o art. 1.604 do Código Civil que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro”, a tipificação das exceções previstas no citado dispositivo verificar-se-ia somente se perfeitamente demonstrado qualquer dos vícios de consentimento, que, porventura,  teria  incorrido  a  pessoa  na  declaração  do assento de nascimento, em especial quando induzido a engano ao proceder o registro da criança. 2. Não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza. 3. “O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil” (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007). 4. O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica -, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil. 5. Recurso especial provido. (REsp 709.608/MS, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2009, DJe 23/11/2009)

3. Diante do exposto, com fundamento no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso especial.”

(REsp nº 1.150.529/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 08/06/2010)

Por tais motivos, a manutenção da decisão de primeiro grau em sua totalidade e pelos seus próprios fundamentos é medida que se impõe.

 

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora o Desembargador RUY MUGGIATI e o Juiz substituto de 2º grau ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR.

Curitiba, 01 de dezembro de 2010.

 

 Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA

  

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