Exibição de Documentos e o Esgotamento da Via Administrativa

 

Comumente utilizado como defesa pelas empresas de telefonia nas demandas que envolvem a participação financeira nas suas respectivas ações, o esgotamento da via administrativa para a exibição dos documentos que a demonstrem, no Tribunal de Justiça do Paraná, não se apresenta como requisito de procedibilidade, senão vejamos.

PROPOSIÇÃO: Há interesse processual no pedido de exibição dos documentos que comprovam a participação financeira nas ações da empresa de telefonia, pois desnecessário o esgotamento da via administrativa, em respeito ao direito fundamental à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário.

JUSTIFICATIVA: Em que pese o disposto na Súmula nº 389 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece ser indispensável a comprovação do pagamento do custo do serviço como requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos, este Tribunal de Justiça possui entendimento majoritário de que é desnecessário o prévio pleito administrativo.

(TJPR – Ap. Cív. 712.895-4; 694.034-1; 735.370-0)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Neste sentido, julgou a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, na Apelação Cível n.º 712.895-4, publicada em 11/01/2011:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 712.895-4, DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE CAMBÉ

APELANTE: BRASIL TELECOM S/A.

APELADO: J. B. C.

RELATORA: DESª. ÂNGELA KHURY MUNHOZ DA ROCHA

MEDIDA CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS JULGADA PROCEDENTE. DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS SOLICITADOS. PRELIMINAR DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. MÉRITO. RADIOGRAFIA RECONHECIDA COMO DOCUMENTO. POSSIBILIDADE. ÔNUS SUCUMBÊNCIA. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ação cautelar de exibição de documentos não exige o esgotamento da via administrativa como condição da ação, sob pena de comprometer o direito fundamental à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário de alegada lesão de direito subjetivo. O autor tem interesse na exibição dos documentos, a fim de conferir a quantidade de ações que lhe foram subscritas no contrato de participação financeira, conforme pacífico entendimento jurisprudencial. 2. A radiografia anexada (informações societárias) à contestação é suficiente ao fim pretendido pelo autor, visto reconhecida por esta Colenda Câmara como hábil à propositura da ação proposta, eis que na mesma constam as informações necessárias para tanto. 3. Considerando que os apelados decaíram de parte mínima do pedido, nos termos do § único do art. 21 do CPC, a parte ré deve arcar com a integralidade das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 712.895-4, da Vara Cível da Comarca de Cambe, em que é apelante BRASIL TELECOM S/A e apelado J. B. C.

I – RELATÓRIO

Tratam os autos de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 71/77, prolatada pela digna juíza de direito da vara cível da comarca de Cambé, que julgou procedente, nos autos de ação cautelar nº 833/2008, o pedido de exibição de documentos interposto por J. B. C., em face de BRASIL TELECOM S/A, determinando em relação a esta que no prazo de 05 (cinco) dias, a partir da publicação do decisum, junte cópia dos documentos relativos aos contratos de participação financeira firmado com a empresa TELEPAR, sucedida pela ora apelante, bem como os demais documentos descritos na peça inicial (fls. 17/18), e que estão em seu poder, sob pena de busca e apreensão nos moldes do artigo 362 do Código de Processo Civil e configuração de eventual crime de desobediência por parte de seu representante legal ou quem estiver exercendo suas funções. De outro lado, condenou a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono do autor, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), nos termos do artigo 20, § 3º, letras “a” a “c”, do Código de Processo Civil, devidamente corrigidos até o efetivo pagamento. Em conseqüência, julgou extinto o feito com resolução de mérito, ante os fundamentos no artigo 269, inciso I, do citado diploma legal.

A Brasil Telecom S/A, em suas razões recursais de fls. 93/100, almejando a reforma do decisum sustenta: a) em preliminar, carência de ação por falta de interesse de agir, vez que o apelado, embora tenha requerido administrativamente a documentação (fls. 23/25), deixou de observar a necessidade do pagamento da taxa administrativa, em desacordo com a lei dos recursos repetitivos e consoante já assentou o Superior Tribunal de Justiça: b) no mérito, entende que as radiografias apresentadas podem ser reconhecidas como documentos hábeis a satisfazer a pretensão do recorrido, vez que contêm todas as informações necessárias à eventual propositura da ação principal.

A apelação interposta foi recebida tão somente em seu efeito devolutivo, por força do disposto no inciso IV do artigo 520 do Código de Processo Civil, conforme se constata às fls. 107.

O autor, em suas contrarrazões recursais (fls. 110/119), após rebater os argumentos da apelante, requer seja negado provimento ao recurso, sendo a sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Da decisão que recebeu o recurso apenas em seu efeito devolutivo foi interposto agravo de instrumento (fls. 121/130), cujo seguimento foi rejeitado por este egrégio Tribunal de Justiça (fls. 134/137).

Não consta do procedimento a interposição de agravo retido (certidão de fl. 139).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

O autor de acordo com o constante da inicial (autos 833/2008), possui contratação com a empresa TELEPAR, junto à qual adquiriu linha telefônica.

Aduziu, resumidamente, o requerente que quando da aquisição da linha telefônica junto à referida empresa, foi lhe posto como condição a contratação de participação financeira em investimento no serviço telefônico em integralização compulsória de ações emitidas com o fito de arrecadar dinheiro para investimentos no setor.

Com a presente ação cautelar pretende tomar ciência dos parâmetros desta contratação, com a exibição dos documentos demonstrando sua participação no negócio contratual com a empresa hoje sucedida pela Brasil Telecom S/A.

Recebo o recurso de apelação interposto, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade, assim os intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer).

É de ser desacolhida a prejudicial de falta de interesse de agir, já que demonstrado que o autor/apelado requereu administrativamente a documentação, conforme o aviso de recebimento acostado às fl. 29,

inexistindo, por outro lado, comprovação da exigência pela apelante do pagamento de taxa administrativa para atendimento da solicitação. Acerca de referida taxa, houve inclusive pedido de informação por parte do autor, quando solicitou a entrega dos documentos (fl. 24).

A título de esclarecimento, ad cautelam, sob pena de serem violados os direitos fundamentais consignados na Carta Magna (art. 5º, XXXV), esta Relatora entende inaplicável a Súmula 389 do Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 389 – A comprovação do pagamento do custo do serviço referente ao fornecimento de certidão de assentamento constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição em face da sociedade anônima”.

“Art. 5º – XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Em tal direção, a jurisprudência:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. OMISSÃO QUANTO A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. INAPLICÁVEL A SÚMULA 389 DO STJ. DIREITO FUNDAMENTAL CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 5º, XXXV). DESNECESSIDADE. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS”. (TJPR – 6ª Cciv. – Embargos de Declaração nº 654971-7/01, Relatora Convocada Ana Lúcia Lourenço, em 11/05/2010, grifei).

De outro lado, tem-se que a exibição de documentos não exige o esgotamento da via administrativa como condição da ação (art. 267, inc. VI, do CPC), sob pena de comprometer o direito à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV). Como analisado por Fredie Jr.

“A única imposição de esgotamento de vias extrajudiciais é em relação às questões desportivas. E só. Não se admite mais a chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado” (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, ed. Jus Podium, 2007, p. 80).

De tal forma, o autor tem interesse na exibição dos documentos não apresentados ainda pela apelante, a fim de conferir a quantidade de ações que lhe foram subscritas no contrato de participação financeira, conforme precedente jurisprudencial:

“Apelação Cível. Cautelar de exibição de documentos. Brasil Telecom S/A. Interesse processual. O autor tem interesse na exibição de documentos, já que pretende conferir a quantidade de ações que lhe foram subscritas pela ré por ocasião dos contratos de participação financeira. Preliminar afastada (…) Apelação conhecida em parte, e, na parte conhecida desprovida” (TJRS – 5ª Câmara, apelação 700185563924, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 07/03/2007).

No mesmo sentido, esta Câmara vem decidindo: apelação cível nº 434495-2, Rel. Des. Renato Braga Bettega, j. 19/02/2008; apelação cível nº 444773-4, Rel. Des. Prestes Mattar, j. 22/01/2008, dentre outros julgados.

A BRASILTELECOM S/A argüi, também, que a radiografia apresentada (fls. 41) pode ser reconhecida como documento hábil à pretensão da parte.

Aqui lhe assiste razão.

O autor solicitou cópia do contrato de participação financeira, registro de inscrição, anotação ou averbação do número das suas ações subscritas, registro de entrada e prestação de capital realizado na empresa demandada, registro das mutações operadas pela alienação ou transferência das ações e extrato de movimentação acionária, com resumo do valor pago, a data do pagamento e a data da subscrição e tudo mais que em seu poder estiver.

Ao suceder a Telepar, a Brasil Telecom S/A assumiu a responsabilidade por todas as relações obrigacionais contraídas por aquela companhia, não sendo razoável afirmar que não tenha todas essas informações, pois também lhe interessam. É seu dever guardá-los enquanto subsistir o prazo para o exercício da pretensão de exibição dos mesmos.

No entanto, considerando que esta Câmara reconhece a radiografia do contrato como hábil à propositura da ação principal futura, eis que presentes as informações necessárias para tanto, a obrigação da apelante já se esgota aqui com a apresentação desta, pois embora não seja tudo o que o autor pediu, é suficiente para reconhecer o direito às ações adicionais e reparação de danos, ressalvada a possibilidade da obtenção dos demais documentos na demanda principal.

Nos autos consta a radiografia do contrato de J. B. C. (fl. 41).

Assim, em relação ao mérito, cabe razão à Brasil Telecom S/A, posto ter apresentado a radiografia do contrato necessária para que o autor possa ingressar em juízo com a ação principal.

Em tal sentido, a jurisprudência:

“CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE RECEBIMENTO DO PEDIDO FORMAL ADMINISTRATIVO E INEXIGÊNCIA, POR PARTE DA EMPRESA RÉ, DE PAGAMENTO DOS CUSTOS CORRESPONDENTES À EMISSÃO DOS DOCUMENTOS SOCIETÁRIOS. PREFACIAL AFASTADA. “RADIOGRAFIA DO CONTRATO’. DOCUMENTO QUE AFASTA A OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DOS DEMAIS DOCUMENTOS SOCIETÁRIOS. (…) RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Com a exibição da radiografia do(s) contrato(s) de participação financeira em serviço de telefonia, da qual constam, em regra, o número do telefone, a quantidade e espécie de ações em nome do (a) titular, o valor patrimonial do título e a data da capitalização, a empresa requerida satisfaria os objetivos almejados pelo autor, cabendo ao Magistrado, em fase de liquidação do processo de conhecimento, se entender necessário, determinar a juntada de outros documentos que forem imprescindíveis ao desfecho da lide (Apelação Cível n. 2009.004902-3, de Urussanga, Rel. Des. Ricardo Fontes, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 16/04/2009)”.

(TJSC – Apelação Cível n. 2009.024662-7, de Navegantes, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 05/10/2009, grifei).

Considerando que o apelado decaiu de parte mínima do pedido, nos termos do parágrafo único do artigo 21 do Código de Processo Civil, a apelante deve arcar com a integralidade das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios.

Destarte, o recurso de apelação deve ser parcialmente provido, a fim de ser reconhecida a radiografia apresentada como hábil à proposição da ação principal, mantendo-se o ônus da sucumbência.

III – DISPOSITIVO

ACORDAM os Integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por UNANIMIDADE de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso interposto pela Brasil Telecom S/A.

O julgamento foi presidido pela Excelentíssima Senhora Doutora Desembargadora ÂNGELA KHURY MUNHOZ DA ROCHA e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desembargador JURANDYR REIS JUNIOR e a Excelentíssima Senhora Juíza Substituta em 2º Grau SANDRA BAUERMANN.

Curitiba, 14 de dezembro de 2010.

DESª. ÂNGELA KHURY MUNHOZ DA ROCHA

RELATORA

 

Voltar ao topo