Alteração do Regime de Bens

 

            Dentre as grandes alterações trazidas pelo Código Civil de 2002, destacamos esta semana a possibilidade de modificação do regime de bens, prevista no art. 1.693, §2º, do citado Codex, que acabou, portanto, com o princípio da imutabilidade antes exaltado pelo Código Civil de 1916.

            Ainda que se trate de uma discussão cujo entendimento se revele dominante na doutrina e jurisprudência, não raro dúvidas surgem sobre a possibilidade de alteração do regime de bens referentes aos matrimônios contraídos quando da vigência do antigo Código Civil de 1916.

            Como se verá a seguir, nos parece claro que as disposições transitórias da lei civil atual não têm o condão de impedir a possibilidade de modificação do regime nestes casos. Vejamos.

PROPOSIÇÃO: Possível a alteração do regime de bens, inclusive daqueles referentes a matrimônios contraídos na vigência do Código Civil de 1916, devidamente motivada e observados os direitos de terceiros, gerando efeito ex nunc.

JUSTIFICATIVA: O art. 1.639, §2º, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de alteração do regime de bens desde que requerido ao Poder Judiciário, por ambos os cônjuges, atentando-se aos direitos de terceiros. Segundo parcela dominante da doutrina (posição também adotada pelo STJ), possível ainda a alteração do regime nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916, em nome do princípio da igualdade e considerando que se trata de norma de aplicação imediata, nos termos do art. 2.035 do Código Civil, não podendo, por certo, gerar efeitos ex tunc, seja em nome de interesse de terceiros, seja pela irretroatividade genérica das leis (no que se refere à retroatividade para situação da vigência do antigo Código Civil), disposta no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição da República. O tema é objeto dos Enunciados n.º 113, 260 e 262 do CEJ: “É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade“; “A alteração do regime de bens prevista no §2° do art. 1.639 do Código Civil também é permitida nos casamentos realizados na vigência da legislação anterior“; “A obrigatoriedade da separação de bens nas hipóteses previstas nos incs. I e III do art. 1.641 do Código Civil não impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs.“.

(TJPR – Ap. Cív. 433.443-4; 422.868-4; 364.317-0; 351.745-9; STJ – Resp. 821.807-PR; 730.546-MG)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Acerca do tema, o Tribunal de Justiça do Paraná discutiu intensamente, o que se depreende do acórdão abaixo transcrito, publicado em 25 de julho de 2008:

 

Apelação Cível nº 433443-4, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – 2ª Vara de Família

Apelantes:            J. M. P. T. G. E OUTRO

RELATOR:              Des. JOSÉ CICHOCKI NETO

 

Apelação Cível – direito de Família – Alteração de Regime de Bens – motivação – POssibilidade – MATRIMÔNIO CONTRAÍDO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, na vigência do código civil de 1916 – parágrafo 2º do art. 1.639 do novo Código civil – resguardo ao direito de terceiros – obediência aos requisitos formais – apelação provida – sentença reformada.

É perfeitamente possível a alteração do regime de casamento, mesmo que tenha sido celebrado na vigência do revogado Código Civil de 1916.

A alteração do regime de bens derivado de sentença judicial possui efeitos ex nunc, estando resguardados os direitos de terceiros, que não são afetados pela disposição de vontade das partes.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 433443-4, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – 2ª Vara de Família, em que são Apelantes J. M. P. T. G. E OUTRO.

I – Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto contra a r. decisão de fls. 61/64, proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara de Família do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos autos de Alteração de Regime de Bens sob nº 2777/06, que julgou improcedente o pedido de modificação de comunhão parcial para separação total visando preservar o princípio da segurança jurídica em atenção ao art. 1639, §2º, do Código Civil de 2002.

Inconformados recorreram os apelantes às fls. 69/77, alegando, em síntese, que são casados desde 26/07/1980, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, sob o regime de comunhão parcial de bens e pretendem a alteração para separação total de bens, motivados por interesse de preservação de patrimônio empresarial e individual de cada cônjuge. Aduzem que o MMº juiz da causa não levou em conta alguns elementos essenciais que possibilitam a requerida alteração de regime de bens, atentando-se apenas para a hipótese de salvaguardar eventuais direitos de terceiros, com base na manifestação do Ministério Público Estadual e invocando o princípio da segurança jurídica. Destacam ainda que a lei delimitou a ressalva aos direitos de terceiros como limite ao direito de alteração do regime de bens, mas que o legislador utilizou o verbo ressalvar, e não resguardar, assegurar, ou salvaguardar tendo a intenção de apenas observar os direitos de terceiros, ou seja, prevenir que credores repentinamente surpreendam-se com a insolvência de um dos cônjuges-apelantes. Também sem mais delongas, asseguram que foi dada publicidade devida ao pleito resguardando qualquer direito de terceiros.

Em às fls. 82/88, há manifestação do Ministério Público de primeira instância para que o recurso seja conhecido e provido no mérito, para o fim de ser autorizada a alteração do regime de bens, com efeitos ex nunc e ressalvados direitos de terceiros, com a respectiva averbação no assento de casamento.

Em às fls. 99/104, há manifestação do Procurador de Justiça para que seja desprovido o recurso afirmando que, diante da análise das certidões às fls. 32/34 e 36/38, constata-se a existência de ações judiciais contra o casal que podem vir a afetar direito de terceiros. E de que a publicidade formal foi suprida, porém, é possível concluir que o mero cumprimento dessa formalidade não possibilitou a real ciência deste pleito pelos credores.

É a breve exposição.

II – Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

III – Objetiva-se com o presente recurso de apelação a modificação de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara de Família do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que julgou improcedente o pedido de alteração do regime de bens do casal.

Pretendem os requerentes a alteração do regime de comunhão parcial de bens para o de separação de bens.

Sob a égide da legislação civil revogada, o regime de bens era imutável e irrevogável (art. 231, CCB) e, portanto, não poderia ser alterado pela vontade dos cônjuges. Mas o novo Código Civil, sob o influxo das novas disposições que cuidam do direito matrimonial, afastou expressamente, no §2º do artigo 1.639, a regra da imutabilidade do regime de bens, como se vê:

“É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Possibilitada, portanto, a alteração do regime de bens com relação a casamentos celebrados tanto antes como depois da vigência do novo Código Civil, desde que o pedido seja de ambos os cônjuges, motivado, ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelo casal para tal pedido.

Observa-se, nos autos, que a alteração está sendo pleiteada judicialmente, com evidente consenso dos cônjuges, que postularam a modificação e recorreram da decisão. Assim, não há apenas a convergência das vontades de J. e T., como há inequívoca vantagem para ambos. A motivação para o pedido é relevante, ou seja, as partes referem a necessidade da alteração do regime matrimonial com o propósito manifesto de melhor satisfazer seus interesses e para evitar transtornos futuros capazes de afetar a própria convivência comum do casal.

Nesse sentido, cita-se jurisprudência:

“ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS É POSSÍVEL JURIDICAMENTE, CONSOANTE ESTABELECE O ART. 1.639, §2º, DO NCCB E AS RAZÕES POSTAS PELAS PARTES EVIDENCIAM A CONVENIÊNCIA PARA ELES, TRAZENDO PARA AMBOS VANTAGEM DE CARÁTER ECONÔMICO E PATRIMONIAL, CONSTITUINDO O PEDIDO MOTIVADO DE QUE TRATA A LEI. 2. A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS PODE SER PROMOVIDA A QUALQUER TEMPO, DE REGRA COM EFEITO EX TUNC, RESSALVADOS DIREITOS DE TERCEIROS, INEXISTINDO QUALQUER OBSTÁCULO LEGAL À ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DE CASAMENTOS ANTERIORES À VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 2.039, DO NCCB. RECURSO PROVIDO” (TJRS, 7ª C.Cível, ApCível 70009419813, Relator  Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, decisão unânime, public. 27/11/2004).

“APELAÇÃO. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. VIABILIDADE.VIÁVEL A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DOS CASAMENTOS CELEBRADOS NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.PREENCHIDAS AS CONDIÇÕES PARA, NO CASO CONCRETO, PERMITIR AOS APELANTES QUE ALTEREM O REGIME DE BENS PELO QUAL CASARAM. DERAM PROVIMENTO” (TJRS, 8ª C.Cível, ApCível 70012999900, Relator  Des. Rui Portanova, decisão unânime, public. 05/10/2006).

“APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. POSSIBILIDADE. RESSALVADOS EVENTUAIS DIREITOS DE TERCEIROS, A VONTADE DAS PARTES É SUFICIENTE PARA POSSIBILITAR A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS ADOTADO POR OCASIÃO DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. DERAM PROVIMENTO” (TJRS, 8ª C.Cível, ApCível 70020520466, Relator  Des. Rui Portanova, decisão unânime, public. 29/11/2007).

Com relação ao resguardo do direito de terceiros, a alteração do regime de bens, devido ao próprio caráter constitutivo da sentença, possui efeitos ex nunc, começando a viger somente a partir do trânsito em julgado da decisão. Resguarda-se, assim, eventuais prejuízos a terceiros derivados dessa alteração, vez que quanto às dívidas anteriores (vide relação às fls. 32-38) tem-se como forma de prevenção a responsabilidade dos requerentes como se ainda estivessem sob a égide do regime anterior, da comunhão parcial de bens.

Esse o sentido da disposição legal que prevê que a alteração do regime matrimonial não possui o condão de lesar direito de terceiros.

Portanto, não existe motivo ponderável para o desacolhimento do pedido. Aliás, o desacolhimento da pretensão certamente conduziria os recorrentes a outra solução prática, ou seja, bastaria que formulassem a separação judicial e passassem a conviver em união estável, apenas fazendo um contrato escrito estabelecendo a incomunicabilidade do patrimônio.

IV – Por tais fundamentos, não havendo qualquer razão para impedir os recorrentes de redefinirem o regime de bens, ainda mais quando claramente busca o casal estabelecer o regime que melhor atende aos seus interesses, e ressalvados direitos de terceiros, voto pelo provimento do recurso, para julgar procedente o pedido de modificação do regime de bens das partes conferindo ao presente pedido efeito ex nunc e, com a respectiva averbação no assento de casamento.

V – DECISÃO:

Diante do exposto, acordam os Desembargadores integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente o recurso de apelação de acordo com o voto e sua fundamentação.

Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator o Excelentíssimo Senhor Desembargador IVAN BORTOLETO, Presidente e Revisor, e o Excelentíssimo Juiz Convocado D’ARTAGNAN SERPA SÁ.

Curitiba, 09 de julho de 2008.

 

Des. JOSÉ CICHOCKI NETO

Relator

 

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