A multa do art. 475-J e as execuções provisórias

 

           Inquestionável que dentre os assuntos discutidos na fase de execução, a aplicação da multa de 10% do art. 475-J é o que gera maiores discussões.

         A referida multa funciona como forma de coerção do devedor ao pagamento, acompanhando a lógica processual nacional de máxima efetividade da execução. Contudo, há certas limitações que restringem a sua incidência, tal como no caso das execuções provisórias.

PROPOSIÇÃO: A multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil não incide nas execuções provisórias.

JUSTIFICATIVA: Embora reze o art. 475-O que se aplica à execução provisória, no que couber, aquilo que regula a definitiva, impossível a incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil naquela fase, posto que constitui óbice ao direito de recorrer, sendo cabível a partir do trânsito em julgado, diante de sua natureza condenatória.

Neste sentido, é a doutrina de HUMBERTO THEODORO JUNIOR:

A multa em questão é própria da execução definitiva, pelo que pressupõe sentença transitada em julgado. Durante o recurso sem efeito suspensivo, é possível a execução provisória, como faculdade do credor, mas inexiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa pelo atraso naquele cumprimento.

Convém lembrar que o direito de recorrer integra a garantia de devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LV), pelo que o litigante não poderá ser multado por se utilizar, adequadamente e sem abuso, desse remédio processual legítimo. (…) Dessa maneira, há na própria sistemática do direito processual uma inviabilidade de punir-se o devedor por não cumprir a sentença contra a qual interpôs regular recurso.

A execução provisória é mera faculdade do credor, que haverá de exercitá-la, segundo suas conveniências pessoais e sempre por sua conta e risco (art. 475-O, inciso I).

Ha quem defenda a aplicação da multa na execução provisória sob o argumento de que ela teria a função de impedir o uso protelatório do recurso, já que sem ela o executado teria um meio fácil e econômico de impedir a ultimação do processo executivo. Observe-se, no entanto, que a multa do art. 475-J não tem caráter repressivo de litigância de má-fé. Sua função é de mera remuneração moratória (…)

(Curso de Processo Civil. Processo de Execução e cumprimento de sentença, Processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 53)

(TJPR: Ap. Cív. 769.416-6; 721.826-8; 702.185-0; 691.900-8; 690.321-3; STJ: REsp. 1209422/SP; EDcl no Ag. 1122725/SP; AgRG no Ag 993399/RS)

  

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Seguindo esta linha de raciocínio, a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná proferiu o seguinte acórdão publicado em 14/01/2011:

Agravo de Instrumento nº 721.826-8 – 1ª Vara Cível – Ponta Grossa/PR

Relator : Desembargador Jurandyr Souza Jr.

Agravante : Banco Itaú S.A.

Agravado : Espólio de Galeno Barros.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. AGRAVO. ESPÉCIE POR INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA SENTENÇA. INTIMAÇÃO DAS PARTES DA BAIXA DOS AUTOS. IMPULSO OFICIAL. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PENDÊNCIA DE RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. 1. Cumprimento provisório da sentença. A intimação das partes sobre a baixa dos autos, com as diretrizes da próxima fase processual, caracteriza impulso oficial do magistrado. 2. Multa do art. 475-J. Ainda que a execução provisória se realize, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, na dicção do art. 475-O, caput do CPC, é inaplicável a multa do art. 475-J, endereçada exclusivamente à execução definitiva, haja vista que se exige, no último caso, o trânsito em julgado do pronunciamento condenatório. Precedentes STJ. Recurso parcialmente provido.

Vistos e examinados estes autos de Agravo de Instrumento nº 721.826-8, e relatado e discutido o recurso em que é agravante Banco Itaú S.A. e agravado Espólio de Galeno Barros, partes qualificadas nos autos. ACORDAM os Desembargadores integrantes da eg. Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, para que seja excluída a multa do art. 475-J do CPC, mantida, no mais, a decisão recorrida; observados os fundamentos do voto do Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Hamilton Mussi Corrêa (Presidente sem voto), Luiz Carlos Gabardo e Jucimar Novochadlo.

Curitiba, 15 de dezembro de 2010.

Jurandyr Souza Jr.

Desembargador Relator

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo, na espécie por instrumento, interposto em face da decisão interlocutória de fl. 251-TJ, complementada pela decisão de fls. 263/264-TJ, proferidas em “ação de cobrança” – autuada sob nº 822/2008, as quais intimaram as partes sobre a baixa dos autos e determinaram a intimação do autor para requerer o cumprimento da sentença e a intimação do réu para, em quinze dias, cumprir a condenação imposta, sob pena de incidência da multa de 10% prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil.

Inconformado, insurge-se o réu, requerendo a reforma das decisões, afirmando que: a) a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil não se aplica ao caso dos autos, porque não houve trânsito em julgado, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça; e b) ainda não houve requerimento de execução provisória pelo autor e não é possível sua deflagração de ofício pelo magistrado.

Ao final, requereu a concessão de efeito suspensivo e o provimento do recurso.

O recurso foi recebido com efeito suspensivo (fl. 270).

O juízo agravado prestou as informações solicitadas (fl. 281).

O agravado apresentou resposta ao recurso, afirmando que: a) apresentou pedido de execução provisória em 20/09/2010, e b) entende não ser cabível, no caso, a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil, antes do transito em julgado da decisão condenatória (fls. 277/279).

É o conciso relatório.

VOTO

1. Presentes os requisitos e pressupostos de admissibilidade, inerentes à espécie, conheço o recurso.

Cumprimento provisório da sentença.

2. O cumprimento provisório da sentença, de fato, não se inicia ex officio, é necessário que haja pedido expresso do credor, nos termos do artigo 475-O, I e § 3º do Código de Processo Civil.

Analisando-se a decisão agravada, observa-se que o magistrado não determinou o início da execução provisória, apenas determinou a intimação “da parte vencedora, para que requeira o cumprimento do julgado, em trinta dias”, alertando-a sobre eventual arquivamento e custas de desarquivamento. Trata-se apenas de impulso oficial do magistrado (artigo 262, do Código de Processo Civil).

Ademais, o exame desta parcela do recurso encontra-se prejudicada, já que o agravado formulou pedido de execução provisória, como afirmou na resposta (fls. 278/279).

Multa do art. 475-J, CPC.

3. Pretende o agravante a reforma da decisão que determinou a intimação do devedor para o pagamento do débito no prazo de 15 dias, sob pena de incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação.

3.1. Alega a inexistência do trânsito em julgado da sentença, em razão da pendência de julgamento do agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça (Ag nº 1.317.857/PR, rel. Min. João Otávio de Noronha, fl. 262), e que, em se tratando de execução provisória, impossível a incidência de multa do art. 475-J, CPC.

4. Compulsando os autos, denota-se que a execução fundamenta- se na sentença de fls. 98/112-TJ, mantida por este relator (fls. 162/168-TJ). Em face desta decisão, ingressou o recorrente com recurso de agravo (fls. 172/183-TJ) e embargos de declaração (fls. 193/196-TJ), os quais foram rejeitados (fls. 188/189-TJ e 201/202-TJ), e após, com recurso especial, o qual teve seu seguimento negado (fls. 245/247).

Em virtude da negativa de seguimento, interpôs ainda o agravante Agravo de instrumento perante o C. Superior Tribunal de Justiça, o qual se encontra concluso, aguardando decisão (fl. 262).

5. Dispõe o art. 475-I, §1º, do Código de Processo Civil que é “definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”.

5.1. No caso, diante da pendência de julgamento do Agravo de Instrumento perante o STJ, tem-se que a decisão objeto do cumprimento de sentença ainda não transitou em julgado, razão pela qual, nos termos do art. 475-I, §1º do Código de Processo Civil, a execução da sentença é provisória e não definitiva.

E, por se tratar de execução provisória, impossível a incidência da multa do art. 475-J, CPC, ante a incompatibilidade de institutos.

6. Ainda que a execução provisória se realize, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, na dicção do art. 475-O, caput do CPC, é inaplicável a multa do art. 475-J do CPC, endereçada exclusivamente à execução definitiva, haja vista que se exige, no último caso, o trânsito em julgado do pronunciamento condenatório.

7. Vale destacar, que a execução provisória não tem por escopo o pagamento da dívida, mas a antecipação dos atos executivos, a fim de garantir o resultado útil da execução. Nesta modalidade de execução, o devedor não realiza o pagamento da dívida, mas apenas a garante.

Com efeito, compelir o litigante a efetuar o pagamento sob pena de multa, quando ainda pendente de julgamento o seu recurso, implica em obrigá- lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer, nos termos do art. 503, parágrafo único, do Código de Processo Civil, tornando inadmissível o recurso.

7.1. Sobre a questão, já se pronunciaram doutrina1 e jurisprudência: – REsp 1100658/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21/05/2009; – REsp 979922/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 12/04/2010; – REsp 1100658/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21/05/2009.

7.2. A controvérsia, inclusive, tem sido decidida monocraticamente no C. STJ, conforme se observa das seguintes decisões: – Ag. 993.399, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe 11/09/2009; – MC 015.910, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, DJe 01/09/2009; – REsp 1.126.748, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 28/08/2009.

7.3. O eg. Tribunal de Justiça do Paraná segue a mesma trilha: – AI 620.387-0, 10ª C.Cível, Rel. Juiz Subst. 2º G. Vitor Roberto Silva, j. 15.04.2010. – AI 616.995-3, 15ª C.Cível, Rel. Des. Luiz Carlos Gabardo, pub. 28.09.2009.

8. Por tais razões, merece reforma a r. decisão neste capítulo, a fim de que seja excluída a imposição da multa do art. 475-J, CPC.

Em conclusão, conheço e dou parcial provimento ao recurso.

É o voto que proponho.

1 Fredie Didier Jr. e Daniele Andrade. Execução provisória e a multa do art. 475-J. In: Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006, p. 205.

 

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