A Emenda Constitucional N.º 66/10 e o fim da culpa

                       Dando continuidade aos comentários anteriores a respeito da Emenda Constitucional n.º 66, que excluiu a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, outra discussão, relevante, vem à tona: a importância da averiguação da culpa quando do fim do relacionamento.

            A doutrina e a jurisprudência já vinham mitigando há tempos a questão da averiguação da culpa, para, por exemplo, fixar alimentos ao cônjuge culpado. Tal discussão parece-nos, se encerrou com a supracitada Emenda Constitucional, juntamente com a separação, sacramentando o posicionamento até então adotado majoritariamente pelos juristas.

PROPOSIÇÃO: Irrelevante a averiguação de culpa para fins de divórcio e alimentos.

JUSTIFICATIVA: Na atual composição da sociedade brasileira e da família contemporânea: plural, igualitária, eudemonista, despatrimonializada, com autonomia das reflexões conjugais e paterno-filiais (democratizante) e deshierarquizada, a consideração do princípio da culpa não se revela mais possível, pois certo que não cabe ao Estado-Juiz adentrar na vida intima das pessoas. O fim do casamento ou da união estável tem como causa a ruptura da affectio maritalis, e não a culpa individualizada a uma determinada pessoa, até porque, impossível averiguá-la, já que decorre da comunhão de diversos fatores que não podem ser elencados de forma objetiva. Vale salientar, a busca da culpa pelo fim do relacionamento apenas fomenta o litígio no decorrer da demanda, consistindo o processo judicial em verdadeiro estimulo à litigância, o que não se pode admitir diante do verdadeiro fim do Poder Judiciário: a paz social. O mesmo raciocínio se aplica aos alimentos, pois sua fixação deve ter apenas como base o binômio necessidade/possibilidade. Ademais, com a Emenda Constitucional n.º 66, o fim da importância da culpa é devidamente levantado pelo texto constitucional, refletindo, diretamente, na legislação infra-constitucional.

Ver Enunciado n.º 254 do Centro de Estudos Judiciários (Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal):

254 –Art. 1.573: Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) – que caracteriza hipótese de “outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum” – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.

Acerca do tema, são as autorizadas palavras de RODRIGO DA CUNHA PEREIRA:

O Judiciário é o lugar onde as partes depositam seus restos, o resto do amor e de uma conjugalidade que deixa sempre de que alguém foi enganado, traído. Como paixão arrefeceu e o amor obscureceu, o ‘meu bem’ transforma-se em ‘meus bens’. E aí um longo e tenebroso processo judicial irá dizer que é o culpado da separação. Enquanto isso, não se separam. O litígio, aliás, é uma forma de não se separarem pois enquanto dura o litígio a relação continua. Já que não podem se relacionar pelo amor, relacionam-se pela relação prazerosa da dor.

(…)

A mais significativa evolução, que se processa hoje no mundo, em matéria de divórcio, é o abandono do princípio da culpa (Verschuldensprinzip) em favor do princípio da deterioração factual (Zerrüttungsprinzip) (…) não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível. (…)

(…)

Coma evolução do conhecimento, as transformações da família, e a revelação por Freud da existência do sujeito inconsciente, as motivações do desenlace conjugal não podem mais ser consideradas apenas na objetividade enumerada pelos textos normativos. Assim, não podemos ficar estacionados nas concepções dos ordenamentos jurídicos germano-românicos, cuja codificação é tradução de concepções filosóficas e morais já ultrapassadas. E são exatamente essas concepções que autorizam a permanência desses princípios.

Para que nos aproximemos do ideal de Justiça de liberdade e libertação dos sujeitos, acertando o passo com a contemporaneidade, faz-se mister repensar e redirecionar o estigmatizante princípio da culpa em nosso ordenamento jurídico, para estancá-lo como já o fez a Alemanha.

No momento em que o casamento perde sua preponderância de núcleo econômico e de reprodução, para ser o espaço de realização e troca de afeto e amor, não faz mais sentido encontrar um culpado pelo seu termo final.

(…)” (A culpa no deslance conjugal. in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; e LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord) Repertório de Doutrina sobre Direito de Família: Aspectos Constitucionais, Civis e Processuais. Vol. IV, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 326/338)

Em publicação mais recente, o mencionado doutrinador complementa:

A discussão da culpa estava prevista no processo de separação, que é justamente o que se pretende abolir com a nova lei. Se o novo texto retirou de seu corpo a expressão ‘separação judicial’, como mantê-la na legislação infraconstitucional? É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a hermenêutica constitucional tem que ser colocada em prática, e isso compreende em suas contextualizações política e histórica. Assim, estão revogados os artigos do Código Civil que tratam da questão da separação. Outro devem ser lidos, desconsiderando-se a expressão ‘separação judicial’

(Liberdade, ainda que tardia. Boletim IBDFRAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. n.º 64, ano 10, set./out., 2010, p. 4)

Ainda, sobre o tema, é o entendimento de CAETANO LAGRASTA:

Na concessão e fixação dos alimentos é de meridiana clareza que o alimentado, desde que necessite dos mesmos e disponha o alimentante de recursos, independentemente de qualquer discussão sobre a culpa, a eles fará jus. Ressalve-se que nos casos de indignidade (parágrafo único, do art. 1708 do CC) ao credor será garantido o mínimo à sobrevivência ou deverá ser fixado de forma transitória e por período certo. A decisão deve observar os princípios da solidariedade e sobrevivência, enquanto que a extinção da responsabilidade do devedor não poderá prescindir de apurar-se a indignidade, conforme preleciona Fonseca (2010) ou características pessoais do alimentado, tais como, maioridade, capacidade de exercer atividade profissional, moléstia incapacitante, etc.

A culpa será objeto de discussão apenas quando se referir a ato ilícito, doloso ou culposo, onde a presença de nexo de causalidade garantirá o ressarcimento, na esfera cível. O litígio entre duas pessoas, que não possuem vínculo de qualquer espécie, não passa de uma discussão entre dois particulares, alheios à tutela das Varas de Família.

Não é a indignidade que, com exclusividade, põe fim ao relacionamento, mas, ao pensionamento, implicando na interposição de ação de extinção e sem estar atrelada à fiscalização da vida sexual do alimentado, tanto assim que a doutrina excluiu ao Código Civil a expressão “mulher desonesta”, prevista no art. 1744, III do CC. Desta forma, a indignidade deve ser analisada sob aspecto ético e não moral – subjetivo.

(Divórcio: O Fim da Separação e da Culpa. IBDFRAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Publicado em 26/10/2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=690. Acessado em 22/11/2010)

(Ap. Cív. n.º 723.799-4; 671.063-4; 622.422-2; 467.902-3; 637.971-3; 537.104-0; 425.809-7)

Em sentido diverso: SALLES, Gladys Maluf Chamma Amaral. A PEC do divórcio e a discussão da culpa. IBDFRAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Publicado em 09/07/2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=624. Acessado em 22/11/2010; TARTUCE, Flávio. Debate – A PEC do Divórcio e a Culpa: Possibilidade. IBDFRAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Publicado em 10/02/2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=579. Acessado em 22/11/2010.


DECISÃO EM DESTAQUE


Tabelião ou Tabelionato?

 

Legitimidade processual

 

para figurar como parte

            Nas demandas que buscam discutir a prestação dos serviços concernentes aos registros públicos, observa-se a dificuldade que os litigantes possuem para definir a responsabilidade pelos serviços prestados por cartórios não oficializados.

            Tal dificuldade permeia toda a comunidade jurídica, não sendo pacífico o entendimento sobre o tema.

            O julgado a seguir esboça o entendimento majoritário, afastando a responsabilidade do Tabelionato, como órgão que é, e direcionando a legitimidade passiva ao Tabelião, nos moldes do art. 22 da Lei n.º 8.935/94 e 38 da Lei n.º 9.492/97.

 

APELAÇÃO CÍVEL N.º 721.965-0, DA VARA CÍVEL E ANEXOS DO FORO REGIONAL DE COLOMBO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE:        ANDRÉA DA COSTA MACEDO

APELADOS:        LUÍS CARLOS DIAS E OUTRa

RELATORA:       DESª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE

  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA C/C CANCELAMENTO DE REGISTRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PEDIDO DE CONHECIMENTO DE SUPOSTO AGRAVO RETIDO. INEXISTÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO. PLEITO INDENIZATÓRIO CONTRA O TABELIONATO. CARTÓRIO NÃO-OFICIALIZADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA E DE UNIVERSALIZAÇÃO DE BENS. INCLUSÃO DA TABELIÃ NO POLO PASSIVO APENAS QUANDO DA SENTENÇA QUE A CONDENOU. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INVERSÃO DOS VALROES DE SUCUMBÊNCIA.

1.      O Tabelionato não pode figurar como parte, uma vez que não possui personalidade jurídica, nem mesmo universalização de bens para se apresentar como pessoa formal, tal qual aquelas elencadas no art. 12 do Código de Processo Civil.

2.      Embora a tabeliã seja legítima para ocupar o pólo passivo da ação, sua inclusão apenas quando da sentença, ex officio, não se atentando aos princípios da ampla defesa e do contraditório, implica em cerceamento de defesa e consequente nulidade do processo.

RECURSO PROVIDO.

  VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 721.965-0, oriundos da Vara Cível e Anexos do Foro Regional de Colombo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Apelante ANDRÉA DA COSTA MACEDO e como Apelados LUÍS CARLOS DIAS E OUTRa.

  

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença (fls. 213/217-v), proferida nos autos de Ação Declaratória de Nulidade de Escritura c/c Cancelamento de Registro e Indenização por Dano Moral nº 2.097/2007, originária da Vara Cível e Anexos do Foro Regional de Colombo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, proposta por LUÍS CARLOS DIAS E OUTRa em face de ART ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA – ME e TABELIONATO MACEDO – 12ª OFÍCIO DE NOTAS, que a julgou procedente, condenando ANDRÉA DA COSTA MACEDO ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) devidamente corrigido e acrescido de juros moratórios. Por fim, condenou-a ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

Opostos Embargos de Declaração por ANDRÉA DA COSTA MACEDO (fls. 227/228), julgados improcedentes (fls. 233/233-v).

ANDRÉA DA COSTA MACEDO interpôs o presente Recurso de Apelação (fls. 236/246), reiterando, inicialmente, os pedidos de suposto Agravo Retido interposto contra decisão que indeferiu o pedido de configurar como assistente nos autos.

Ainda em sede de preliminares, alegou que:

a)    deve ser declarada a nulidade da sentença posto que a ação foi proposta contra o Tabelionato, enquanto que a sentença a inseriu no pólo passivo de forma a cercear sua defesa;

b)   deve ser arquivado o feito ou retornar a origem para sua citação e apresentação de defesa;

c)    é parte ilegítima devendo recair a condenação unicamente sobre o 12º Tabelionato de Notas.

No mérito, requer a reforma da sentença, alegando, em suma, que:

a)    há controvérsia acerca da falsificação dos documentos, eis que não confirmou sua existência;

b)   não há provas da falsificação dos documentos;

c)    inexiste culpa por parte da serventia, posto que agiram nos moldes de seus deveres;

d)   a ART ENGENHARIA E COMERCIO LTDA. contribuiu para a suposta fraude;

e)    inexiste prejuízo a fundar a indenização.

Recurso recebido no duplo efeito (fls. 251) e não contra-arrazoado (fls. 252).

O douto Procurador de Justiça AMÉRICO MACHADO DA LUZ NETO se manifestou no sentido de conhecer e negar provimento à apelação interposta (fls. 263/277).

É o relatório.

  

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.


II. DO AGRAVO RETIDO

Preliminarmente, busca a Apelante a apreciação de suposto Agravo Retido apresentado contra decisão que não acolheu o pedido para aceitá-la como Assistente (fls. 178/188).

Em detida análise dos autos, depreende-se que não foi interposto Agravo Retido, até porque logo após a petição a que se refere a insurgência, sobreveio a sentença de fls.213/217-v, razão pela qual não se conhece dos pontos levantados acerca da alegada interposição de recurso.

 

II.2 DO CERCEAMENTO DE DEFESA E ILEGITIMIDADE PASSIVA

Ainda em sede de preliminares, aduz a Apelante que houve cerceamento de defesa, eis que a ação foi proposta contra o 12º Tabelionato de Notas de Curitiba, enquanto que a sentença a condenou pessoalmente.

É de se acolher a tese recursal.

Acerca da responsabilidade civil por danos causados por notários e registradores, há duas posições que permeiam a doutrina e jurisprudência, todas partindo do disposto nos arts. 37, § 6º, e 236, ambos da Constituição da República:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(…).

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

(…).

A primeira corrente jurídica afirma que o Tabelionato é parte legítima a figurar no pólo passivo em causa de reparação civil por se assemelhar à pessoa formal, diante do disposto no art. 12 do Código Civil, que elenca, de forma não taxativa, entes não dotados de personalidade jurídica, mas que podem ser partes no processo.

Já a segunda, adotada atualmente de forma dominante pela Corte Superior, afirma que o Tabelionato não possui personalidade jurídica, pois sequer possui bens, muito menos direitos e deveres, os quais, em verdade, se apresentam na figura do tabelião (agente público), que é quem administra o órgão notarial, paga alugueis, encargos trabalhistas, maquinários, etc.

Em outras palavras, o Tabelionato, órgão que é, não detém sequer uma universalização de bens a suportar eventual ônus indenizatório que lhe fosse eventualmente imposto.

Tal corrente é a que se julga ser a mais adequada, até porque, se houvesse a possibilidade de demandar contra o Tabelionato, havendo a mudança do agente público responsável, o patrimônio de seu sucessor é que acabaria arcando com os valores indenizatórios a que foi eventualmente condenado o órgão notarial, o que é inadmissível, frente à responsabilidade pessoal do tabelião, nos termos dos arts. 22 da Lei n.º 8.935/94 e 38 da Lei n.º 9.492/97

Neste sentido, são os julgados mais recentes do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO ESPECIAL – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – TABELIONATO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 22 DA LEI N. 8.935/94 – LEI DOS CARTÓRIOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIONATO – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – AUSÊNCIA –  RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O art. 22 da Lei n. 8.935/94 não prevê que os tabelionatos, comumente denominados “Cartórios”, responderão por eventuais danos que os titulares e seus prepostos causarem a terceiros.

2. O cartório extrajudicial não detém personalidade jurídica e, portanto, deverá ser representado em juízo pelo respectivo titular.

3. A possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 do Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 911151/DF, da 3ª T., do STJ, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, in DJU de 06/08/2010)

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia.

No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva.

Recurso conhecido e provido.

(REsp 545613/MG, da 4ª T., do STJ, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, in DJU de 29/06/2007)

Deste último, cumpre destacar trecho do voto do Relator:

(…) a Lei n. 8.935⁄94, que regula os serviços notariais e de registro, limita-se a dispor sobre a responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, não reconhecendo qualquer personalidade jurídica para os cartórios, in verbis:

‘Art. 3°. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

(…)

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurando aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.’

Assim, a responsabilidade dos titulares é pessoal, em função da delegação dos serviços que é feita em seu nome, mediante aprovação em concurso público. Ao contrário do afirmado pelo v. acórdão atacado, o cartório não detém personalidade jurídica, mas resume-se à localização, onde o tabelião executa seu munus público.

(…)

De fato, as pessoas formais amparadas no art. 12 do Código de Processo Civil constituem, no mínimo, uma universalização de bens, como o espólio e as heranças jacente e vacante. No caso, o cartório não possui qualquer direito, dever ou bem capaz de ensejar a ocorrência de personalidade judiciária.

A teor do art. 21 da Lei n. 8.935⁄94, “o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal”. Dessa forma, tanto as relações laborais (art. 20 da mencionada Lei), como os equipamentos e mesmo o aluguel do cartório são arcados diretamente pelo tabelião, que assume todas as obrigações e direitos pessoalmente.

Ao titular do tabelionato pertencem todos os bens ali existentes, que não são transmitidos no caso de extinção da delegação, como esclarece Roberto J. Pugliese:

‘Perdendo o cargo, v.g., por aposentadoria, demissão, exoneração, morte etc., os móveis e utensílios utilizados pelo tabelião, nas instalações do cartório devem ser adquiridos ou indenizados pelo novo titular que o suceder. Os documentos arquivados, os livros em uso ou já terminados e demais papéis do ofício, permanecem em uso no cartório pelo novo titular. Esses objetos não pertencem mais ao notário outrossim ao poder público.’ (Direito Notarial Brasileiro. São Paulo: Universitária de Direito, 1989. p. 56).

(…)

Somente os documentos do cartório são transmitidos ao sucessor, que inclusive deve providenciar adequados instalação, investimentos e funcionários custeando tudo pessoalmente, como ensina Walter Ceneviva: ‘O custeio corresponde às despesas operacionais e de manutenção dos serviços. Cabe ao serventuário custear os gastos envolvidos com os serviços, isto é, suportá-los por sua própria conta.’ (Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 112-3).

Registre-se que, tratando-se de delegação por concurso público, toda titularidade na serventia é originária, não podendo ser adquirida ou transferida por qualquer forma. Por conseqüência, não há sucessão na responsabilidade tributária (art. 133 do Código Tributário Nacional), nem na trabalhista (art. 448 da Consolidação das Leis do Trabalho).

Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços.

Do contrário, a legitimidade dos cartórios apenas estenderia a responsabilidade para os tabeliães sucessores para atos pretéritos, porquanto somente eles teriam patrimônio para arcar com os resultados da demanda. Esses sucessores, entretanto, não adquiriram fundo de comércio ou foram transferidos em todos os direitos e obrigações, mas apenas assumiram delegação diretamente efetuada pelo Poder Público, estando infensos aos prejuízos ou lucros auferidos pelo seu antecessor.

Logo, a legitimidade passiva para responder pela má prestação de serviços notariais, é apenas do tabelião responsável à época do incidente, que reconheceu indevidamente a firma falsa, e do Estado, que responde objetivamente.

(…).

Neste mesmo sentido, são os seguintes julgados dos Tribunais pátrios:

AÇÃO DESCONSTITUTIVA DE PROTESTO CAMBIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO.

O Tabelionato não possui personalidade jurídica, carecendo, por conseguinte, de legitimidade para figurar no pólo passivo da presente ação, mediante a qual se postula a desconstituição de protesto levado a termo pelo titular da serventia. Precedentes deste Tribunal de Justiça.

APELO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

(Ap. Cív. nº 70039690706, da 16ª CC do TJRS, Rel. Des. PAULO SÉRGIO SCARPARO, in DJ de 07/01/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL, TÍTULOS E DOCUMENTOS. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM CONFIGURADA. O CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL NÃO DETÉM PERSONALIDADE JURÍDICA OU JUDICIÁRIA, SENDO A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO TITULAR DA SERVENTIA PARA ESTAR EM JUÍZO. DECISÃO QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO.

(Ac. un. n.º 33.848, da  4ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.º 471.132-0, de Foz do Iguaçu, Rel.ª Des.ª MARIA APARECIDO BLANCO DE LIMA, in DJ de 04/05/2009)

AÇÃO INDENIZAÇÃO – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – CARTÓRIO – AUSENCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA OU JUDICIÁRIA – REPOSABILIDADE IMPUTADA APENAS AO TITULAR DA SERVENTIA – CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – PROCURAÇÃO FALSA – INSTRUMENTO PÚBLICO LAVRADO SEM ASSINATURA DA OUTORGANTE – DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS.

Remetendo-se à Lei nº 8.935/94, que disciplina os serviços notariais e de registro, é possível inferir que o referido diploma legal limita-se a dispor acerca da responsabilidade civil e criminal dos titulares das serventias, não reconhecendo qualquer personalidade jurídica aos cartórios. Da mesma forma, a Lei 6.015/73, que regula os registros públicos, ao tratar da responsabilidade pelos atos nela disciplinados, imputa-os apenas aos titulares das serventias. Resulta do exposto que a legislação pátria não confere aos cartórios qualquer personalidade jurídica ou capacidade judiciária, não sendo eles, pois, sujeitos de direitos ou obrigações, cabendo aos titulares dos serviços notariais a responsabilidade pelos atos praticados pelos seus prepostos. Sendo o oficial de registro e notário titular de atividade delegada do poder público, estará ele sujeito ao preceito constante do art. 37, § 6º, da CR/88, respondendo objetivamente pelos atos de seus prepostos. O titular do tabelionato, ao lavrar instrumento de mandato sem a verificação de seus pressupostos formais, incorreu em manifesta ilegalidade, impondo-se o reconhecimento da presença do nexo de causalidade entre seus atos e os danos suportados pelo apelado.

(Ap. Cív. n.º 387508-30.2007.8.13.0024, da 17ª CC, do TJMG, Rel. Des. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA, in DJ de 17/04/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE AFASTOU DO PÓLO PASSIVO OS REQUERIDOS – CARTÓRIO DE PROTESTO E TABELIONATO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO CAMBIAL CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO – RESPONSABILIDADE CIVIL – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – CHEQUE PRESCRITO – POSSIBILIDADE EM TESE DO PROTESTO DESDE QUE NÃO CARACTERIZADO ABUSO DE DIREITO

O tabelião de protesto de títulos e não o cartório de protesto – que não é pessoa jurídica – é civilmente responsável por todos os prejuízos que causar, por culpa ou dolo, por si ou por seus prepostos, devendo, pois ocupar o pólo passivo da demanda indenizatória. Inteligência das leis 8.935/94 e 9.494/97.

(Ac. un. n.º 10.137, da 7ª CC do TJPR, no Ag. de Inst. n.º 427.641-3, de Curitiba, Rel. Juiz Conv. JOÃO DOMINGOS KUSTER PUPPI, in DJ de 04/04/2008)

Partindo de tais considerações, denota-se ser impossível a propositura da presente demanda contra o 12º TABELIONADO DE OFÍCIO DE NOTAS, o que, por si só, é motivo para sua extinção nos moldes do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Em paralelo, embora a condenação tenha sido direcionada à pessoa que efetivamente deveria ocupar o pólo passivo da ação, ou seja, a Tabeliã, ora Apelante, em momento algum foi procedida sua citação, nem mesmo inclusa na lide oficialmente, sendo que assim ocorreu, de ofício, apenas quando da sentença, não observando o Juízo singular os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Em outras palavras, o processo encontra-se eivado de nulidade (salvo no que tange ao acordo pactuado entre a parte Autora – Apelado – e ART ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA.), uma vez que proposto contra órgão ilegítimo para ocupar o pólo passivo e em razão de ter sido proferida sentença contra pessoa que em momento algum foi inclusa no pólo passivo e teve oportunidade de exercer a ampla defesa e contraditório, seja a requerimento da parte ou por determinação do Juízo.

Salienta-se, a Apelante se manifestou nos autos em nome do Tabelionato e não como Tabeliã, motivo pelo qual houve cerceamento de defesa.

Logo, seja pela ilegitimidade do Tabelionato ocupar o pólo passivo, seja pela condenação da Apelante não ter observado os princípios constitucionais, quando inclusa no pólo passivo em momento inoportuno, deve a decisão a quo ser cassada e o processo extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil.

 

II.3 DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Diante do acolhimento do recurso em questão e extinção do feito sem resolução de mérito, necessária a inversão do ônus de sucumbência.

Assim, condenam-se os Apelados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), diante da complexidade da demanda, tempo despendido e zelo do patrono, nos moldes do art. 20, §3º, alíneas “a”, “b” e “c”, do Código de Processo Civil.

 

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, condenando os Apelados ao pagamento dos valores de sucumbência, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora o Desembargador AUGUSTO LOPES CORTES e RUY MUGGIATI.

Curitiba, 06 de abril de 2011.

Vilma Régia Ramos de Rezende

DESEMBARGADORA RELATORA

RTR

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