Alimentos que contêm frutas só no rótulo

Vivemos a era em que o culto a uma alimentação saudável é muito valorizado. O mercado de verduras e, principalmente de água mineral, iogurtes, gelatinas e frutas aumentou muito nos últimos anos. Mas nem sempre foi assim. Até a metade do século passado, o Brasil como país tipicamente agrícola, mantinha entre sua população, o hábito da alimentação baseada no que vinha diretamente da roça e da horta própria de fundo de quintal, produtos com características marcantemente naturais.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial esse panorama mudou e chegaram em grande número ao mercado os produtos industrializados. Podemos citar três fatores principais que atuaram concomitantemente e, dessa forma, contribuíram decisivamente para esta alteração. Em síntese, foram: – a) o significativo incremento no processo de urbanização que transformou as cidades a ponto de torná-las grandes aglomerados nos quais aos poucos começaram a desaparecer as roças e as hortas, distanciando as pessoas dos alimentos naturais que antes elas produziam; – b) a chegada ao mercado de uma gama cada vez maior de alimentos industrializados, os quais amparados em intensa publicidade passaram a ingressar nos hábitos alimentares da população; – c) e, por último, a vida agitada, de tempo escasso, que fez as pessoas passarem a se valer desses produtos industrializados e de fast food para se alimentar, muitas vezes sem ter de voltar para casa. Confirmando o tradicional pêndulo da história, entretanto, o final do século passado trouxe a notícia da comprovação dos danos à saúde que esse tipo de alimentação pode causar. A partir daí, aqueles que contam com o necessário poder aquisitivo (pobre come o que pode e não o que quer!) passaram novamente a valorizar a alimentação mais natural. O problema é que as empresas que atuam nesse segmento, ao buscarem garantir suas fatias de mercado, passaram a tentar iludir o consumidor com promessas de alimentos naturais que, quando corretamente examinados, possuem enorme quantidade de produtos químicos. Atentas ao incremento até do verdadeiro modismo de adotar uma alimentação mais saudável (consubstanciada em frutas, iogurtes, cereais, gelatinas), fizeram de tudo para não deixar de aproveitar o filão de mercado tão promissor. Entretanto, proliferou a oferta de produtos artificiais que se misturam aos poucos naturais que existem. Desde então, as gôndolas e prateleiras dos supermercados, podendo se citar como exemplo à dos sucos, se encheram de belas imagens que as fazem parecer lindos pomares, mas só nas coloridas fotos das frutas com aparência saudável nos rótulos dos produtos, muitas vezes completamente artificiais. Ou seja, existe apenas a semelhança com alimento saudável, enquanto o produto é, basicamente, uma mistura de muitos elementos químicos que a publicidade busca ocultar para fazer parecer natural. Nos rótulos as empresas mascaram a real composição do produto que fornecem, se valendo na rotulagem e publicidade, da escolha propositada de imagens muito bem produzidas e de palavras como néctar, polpa ou concentrado ou, ainda, frases evasivas como ?contém suco da fruta…? ou ?com muito mais fruta?, formas de confundir o consumidor menos atento ou com conhecimento restrito quanto ao que isto realmente significa.

A propósito deste problema, recentemente a Revista do Idec (n.º 99, de maio de 2006) noticiou que na Espanha a Coag organização de agricultores e pecuaristas está pressionando o governo a tomar medidas contra essa prática, pois a publicidade baseada em belas fotos não correspondentes ao conteúdo pode enganar aos consumidores. Essa forma de apresentação publicitária tentar atribuir impressão irreal ao produto, no sentido dele conter as propriedades naturais da fruta, o que na verdade não acontece. Ao invés de pedaços da fruta surgem os elementos artificiais que a substituem com aparência e gosto mais atraentes, e até a custo menor. Acontece que essa técnica de fabrico e estratégia de comercialização pode gerar no consumidor a impressão de que o produto, por suas propriedades, é apto a ser usado como substitutivo da fruta natural, cujo consumo lhe tenha, por exemplo, sido objeto de recomendação médica. Outro exemplo significativo é possível encontrar na pesquisa feita no Reino Unido, quando ficou constatado que a maioria dos milkshakes de morango, contém 59 ingredientes, mas nenhum pedacinho de fruta. Ou seja: tem-se produto que ao invés de beneficiar vai prejudicar a saúde do consumidor. E o que é mais grave no plano geral: grande parte desses produtos que induzem a esse tipo de ilusão, se destina ao consumo por crianças e adolescentes, sensivelmente mais vulneráveis a enganos provocados por imagens não condizentes com o conteúdo do produto. No Brasil a legislação, em especial a Lei n.º 8.918/94 que trata da matéria não é muito precisa e nem muito exigente quanto a essa questão.

A conclusão a que se chega, então, é que diante da impossibilidade da maioria da população ter acesso a produtos completamente naturais (o que na vida moderna está cada vez mais raro), cabe às autoridades tomar providências. Considerando o dever de promover ações governamentais no sentido de proteger efetivamente o consumidor (art. 4.º, II, do Código de Defesa do Consumidor), já é hora de se estabelecer uma legislação específica prevendo as quantidades mínimas de fruta (ou outro produto natural) para que a empresa possa veicular um rótulo ou publicidade utilizando apelos chamativos com palavras como ?natural? ou ?saudável?. Enquanto tal não é efetivado, uma maior fiscalização poderia impor aos fornecedores, o cumprimento do dever de informar completa e corretamente (ou seja, de forma adequada) sobre a composição dos produtos, incluindo as quantidades de seus ingredientes; tudo considerando que se trata de direito básico assegurado em lei para todos os consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.