dantem_2210706.jpgO governador Roberto Requião e o escritor Jamil Snege eram mais que amigos. Eram quase irmãos. Em 1982, com José Richa e Saul Raiz disputando o governo, Requião estreava nas urnas como candidato a deputado estadual, quando Snege escreveu uma crônica de consolo ao velho companheiro, publicada no suplemento de variedades Fim de Semana ? sexta-feira, 22 de outubro ?, do qual eu era editor, ao lado de Maí Nascimento e Aramis Millarch. Encartado neste O Estado do Paraná, o tablóide era um luxo. Toda semana vinha com uma longa e descontraída entrevista. Na edição daquele Fim de Semana, por exemplo, o entrevistado era o livreiro comunista Aristides Vinholes, o imaginário candidato a governador de Jamil Snege. Miran, Solda, Pancho e Swain assinavam os cartuns. Na contra-capa, Paulo Leminski se revezava com Snege. Faziam companhia a Sérgio Mercer, o Barão de Tibagi da página de crítica gastronômica.

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Agora nos palanques da reeleição, Roberto Requião já não é mais ? por supuesto – aquele fogoso quarentão que estreava nas urnas. Mas o texto de Jamil Snege, com o mesmo título acima, ainda continua jovem e viçoso.

– Me esqueci que existe sexo.

Quem me diz isso, a voz entrecortada de suspiros, é um amigo candidato cujo nome omito para não comprometer sua campanha.

Tranqüilizo-o:

– Bobagem, Roberto Requião, isso passa.

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Ele continua, olhar de vaca vendo trem passar.

– Desde o dia da convenção não bato mais o ponto.

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– Não faz tanto tempo assim ? intervenho, na tentativa de consolá-lo.

– Tenho pena da Nega, coitadinha ? ele retorna, um tremor afetuoso na voz.

– Ela compreenderá. A política tem dessas coisas.

– Mas aí é demais ? ele se levanta e caminha em direção ao WC, pára, desiste e volta a sentar-se.

– Veja o Richa e o Saul ? insisto, ? você acha que eles estão comparecendo regularmente?

Seu olhar acende-se de repente, um lampejo de vida na testa vincada:

– Será?

– Claro. E o Ney Braga? E o Alvaro Dias? O Norton Macedo? O Alencar Furtado? Pode crer, furtaram-se todos.

– Você acha? ? seus olhinhos brilham comovidos.

– Tenho informações seguras.

– Mas eu é desde a convenção, aquele domingo no Atlético…

– Eles também. Dizem que quem perde tempo com sexo depois da convenção não se elege.

– Quem falou isso? ? ele volta a me encarar duro.

Procuro ganhar tempo para formular uma resposta convincente.

– Hã? Acho que foi o Lula. É ? bato na testa, ? foi o Lula, durante uma reunião de sindicato.

– Que sindicato?

– Sei lá, acho que o sindicato lá dos metalúrgicos.

Ele fica por um momento pensativo. Súbito, explode numa risada:

– Quer dizer que o Saul e o Richa só trepam em palanque?

– E olhe lá. Tem cara que nem no palanque trepa.

– E a mulherada em casa?

– É aquilo que você sabe. Mau humor, berros, beliscão nas crianças, bronca na empregada…

Ele volta a ficar pensativo:

– A Nega está assim (suspiro).

– Converse com ela. Explique que ninguém é bom de voto e de cama ao mesmo tempo.

– Ela concorda. Mas agora começou a ler Capricho.

– Você não leu as memórias de Jânio? Dona Eloá lia Grande Hotel.

– Qual é o pior?

– O quê?

– Grande Hotel ou Capricho?

– Acho que Grande Hotel. Capricho é mais politizada.

– E o Edésio Passos?

– O que tem o Edésio?

– Viu como ele está ficando barrigudo?

– Pois é. Retenção hormonal. O Vilela também. Até o Edson Sá está com uma barriguinha.

– Nessas alturas, o campeão deve ser o Anibal Curi.

– Tá eleito.

Ele volta a ficar pensativo, um vinco fundo na testa.

– E eu, será que estou eleito?

– Depende. Que dia foi a convenção?

– 18 de julho.

– 18 de julho para 15 de novembro são, deixa eu ver, 120 dias.

– Acha que é pouco?

– Não sei, não. Acho que você devia ter parado antes.

– A Nega me chutava.

– Chutava, mas você ganhava. Afinal, o que é melhor: o sexo ou o poder?

– O poder, claro ? ele ri, sacudindo alegremente o pó dos comícios.

Concordamos: com o poder você pode f… o povo inteiro.