Os desterrados

Bons ventos para o cinema paranaense sopram da Suíça. Com direção dos curitibanos Calixto Hakim e Rodrigo Henrique, roteiro do guarapuavano Paulo Esteche e produção da suíça Katharina Beck, no cantão de Schaffhausen, a 40 minutos de Zurique, está sendo rodado Suíços brasileiros – uma história esquecida.

O filme é baseado no livro Suíços em Joinville o duplo desterro, do historiador catarinense Dilney Cunha. A obra conta a saga dos imigrantes suíços que chegaram a Joinville em meados do século 19. Fome, miséria, desemprego, opressão política faziam parte do cotidiano dessas famílias, a maioria absoluta oriunda do cantão Schaffhausen, no norte da Suíça. Formada por pequenos agricultores e artesãos empobrecidos pela grave crise que então assolava a Europa, aquela brava gente foi enviada para Joinville, em 1850, com a missão de “branquear” o Brasil e substituir a mão-de-obra escrava pelos imigrantes europeus no império de Dom Pedro II.

O pano de fundo do filme é o drama dos Meyer, uma família de agricultores que foi obrigada a deixar suas terras devido a uma praga que dizimou as plantações de batata e, principalmente, pelo desestímulo à economia primária com o surgimento da Revolução Industrial. A miséria se instalou em diversos cantões da Suíça, levando a população a uma situação de desespero, até o momento em que é atraída pela proposta de emigrar para o Brasil, sob a promessa de encontrar um “novo eldorado”.

Embora não se proponha a debater as relações Brasil-Alemanha-Suíça no século 19, o enredo contém elementos que acabam por decifrar as negociações entre o príncipe de Joinville, o senador hamburguês Christian Matthias Schröder, dono da “Sociedade Colonizadora de Hamburgo”, e o imperador brasileiro Dom Pedro II.

Os sets de filmagem se tornaram uma atração em Schleitheim, conta o roteirista Paulo Esteche, jornalista de Guarapuava: “Muitos dos figurantes são do povoado e os atores, de Schaffhausen. O cenário é formado por casarões e ruas centenárias do tranquilo vilarejo, habitado por pessoas que sobrevivem de atividades ligadas à agricultura, sobressaindo parreiras de uva e pequenas vinícolas. A cidade é rodeada de colinas verdejantes. O alto padrão suíço de hoje em nada lembra a crise de 1850, mas as recordações estão devidamente conservadas em documentos, figurinos e na memória dos depoentes que participam das gravações e cujas declarações, entremeadas à representação dos atores, dão ao filme o caráter de docudrama, com duração de mais ou menos 1 hora e 10 minutos”.

Segundo ele, “a produção se tornou viável com apoio do governo de Schaffhausen, que bancou os gastos na Suíça, e da empresa aérea Swiss Airlines. O trecho mais longo, porém, será gravado no Brasil. Com larga experiência em vídeo e cinema na Europa, a produtora Júpiter Filmes conseguiu aprovação pela Lei Roaunet, de incentivo à cultura no Brasil, mas ainda depende de patrocinadores para fechar totalmente a parte brasileira. Haverá filmagens em alto-mar, demonstrando a agonia dos imigrantes na viagem de navio, onde ocorreram mortes, e a montagem de uma cidade cenográfica em Joinville. A “Família Meyer” (quatro atores) será trazida para que o drama, iniciado na Suíça, tenha sua finalização na Colônia Dona Francisca. Aqui, além da perda de suas tradições e costumes, os colonos suíços, acostumados ao rigor do frio europeu, vão enfrentar o calor e a umidade intensos da região. As terras encharcadas onde foram assentados não eram suficientemente férteis. Nas vendas, montadas pela Sociedade Colonizadora, deparam-se com preços superfaturados e a cada dia ficam mais endividados”.

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Nesses tempos xenófobos, o “docudrama” vem da Suíça em boa hora. No século 19, a imigração foi um crime que os europeus ainda não reconhecem: a intolerância deles com a população empobrecida (queriam se livrar de seus miseráveis), e ainda como os colonos caíram no “conto do vigário”, foram ludibriados, já que nenhuma das principais promessas foi cumprida.