O cozinheiro que morreu duas vezes

Curitiba perdeu um de seus gostinhos. O gostinho de um dos seus sanduíches mais característicos, que ao lado do saudoso hambúrguer do Tipiti-Dog, agora só pode ser degustado, no sabor original, em algum cantinho da memória. Não posso dizer que fui amigo do agora lendário Waldo X-Picanha – o criador do sanduíche mais famoso da cidade. Famoso para o bem e para o mal. Posso dizer que dele sempre fui freguês – freguês inclusive no sentido de admirador à distância.

Na última vez que nos vimos foi no Supermercado Festval da Praça 29 de março, quando ele veio me agradecer emocionado por eu ter republicado aqui neste espaço uma crônica com a intenção de esclarecer e informar aos leitores mais jovens quem era o Waldo que emprestava o nome a uma lanchonete envolvida no tráfico de drogas.

Escrevi então na edição de 2 de outubro de 2014: “Waldo Vaz, o inventor do X-Picanha, poucos conhecem – e quem não o conhece também não sabe o que está perdendo. Paranaense de Santo Antônio da Platina, começou sua vida em Curitiba como chapeiro de lanchonete. Sendo a chapa pequena demais para o seu próprio gosto, abriu sua própria chapa na Rua Cruz Machado. Na quase esquina com a Cabral, a nova chapa era quase do tamanho da casa, quase uma garagem. Sucesso chama sucesso e o sucesso do novo sanduíche fez com que ao lado do Waldo X-Picanha um outro sucesso se estabelecesse: o bar do Saul Trumpet. A melhor música e o melhor sanduíche da cidade fizeram daquela quadra da Cruz Machado a referência boêmia de Curitiba”.

“Sabia que jabuticaba só existe no Brasil e X-Picanha só existia em Curitiba? A criação gastronômica ganhou notoriedade, foi imitada no Brasil inteiro, atravessou fronteiras e o autor também foi correr o mundo: depois de uma temporada na Europa (longe dos credores, ao que dizem), Waldo retornou ao Brasil para fechar o acanhado endereço da Cruz Machado e abrir um outro na esquina da Saldanha Marinho com a Fernando Moreira, o Saldanha Moreira.

Recentemente Waldo abriu mais dois restaurantes, ambos na região do Bigorrilho”.

Foi no último de seus restaurantes que Waldo morreu duas vezes. Na primeira vez ele morreu de arrependimento, ao se envolver numa série de negócios nebulosos e jogar no lixo dos recicláveis sua crescente rede de lanchonetes. E agora morreu em plena cozinha, provavelmente por ter infringido a Regra do P.

Do abecedário da noite, para cada letra Waldo tem uma história – como nos contou no restaurante Saldanha Moreira, em torno do seu “Bacalhau na Frigideira”, preparado especialmente para a degustação do crítico gastronômico Luiz Augusto Xavier. 

Da sua cartilha de vida, das mais atribuladas, tinha uma curiosa norma de conduta, tanto nos negócios quanto na convivência: era a regra do P. De A a Z, ele explicava por que a letra P merece o devido respeito e, quando se deparava com uma palavra que iniciava com a letra P, ele abotoava o paletó e não media reverências.

A começar pelo P do Pai que está no céu e aquele de quem muito recorda: o P de Palmada no P de Piá.Ouça o P do Papa, o P do Padre, o P do Pastor. E se afaste do P de Promotor, do P de Processo e, principalmente, do P de Polícia. É P de Pau, é P de Pedra, é P de Pão, é P de Picanha, esta é a regra do P do Waldo X-Picanha e, para bom entendedor do que pode ter sucedido, fica aqui o P de ponto final de uma crônica ainda inacabada.