O tempo nunca avisa quando vai mudar de direção e assim também é a lida. Às vezes, basta uma fresta, uma brisa ao abrir a janela antes do amanhecer para tudo tomar outro rumo. E é curioso como – mesmo sem garantias, seguimos. A intempestividade é um alento ao campo secreto do que dá sabor aos nossos dias. Não haveria encanto sem o desconhecido. Tampouco recomeço sem queda. Jamais haveria poesia sem a pequena desordem do cotidiano.
Gosto de pensar que a vida se revela nos ínterins. É puro intervalo. No primeiro acorde de nota ainda solta que a vitrola desbanca, meio que arranhando o LP carregado de história. Em uma música querida que preenche a casa a ensinar o corpo a respirar devagar. No ruído que sempre diz: “Vai passar, tudo passa. Aguarda e confia”.
Talvez porque viver seja isso: um eterno escutar o mundo. Sentir a areia fria da manhã a penetrar por entre os dedos dos pés muito mais do que os grãos. Caminhar na beira da mesma praia apenas para observar o mar a repetir as mesmas ondas em movimentos diversos. Pois o coração aprende também na dubiedade, nessa constância mutável. Há algo profundamente sábio na repetição da natureza. Tudo que se repete – nunca se repete de modo igual.
A vida, mesmo quando desmorona – é fértil. Muda, transmuta. E ainda bem! Das quedas mais profundas nascem reconstruções que apenas a delicadeza do tempo é capaz de entender. A gente é capaz de juntar os cacos, ajeitar o que é possível e seguir um passo após o outro até perceber as novas flores que brotaram exatamente no caminho onde doeu até sangrar. Não é curioso?
Escutar o mundo… Jamais deixar de escutar o mundo… Saber que o cheiro de chuva chega bem antes das nuvens se abrirem no céu. Com olhos de ternura, amar as tempestades que tiram tudo do lugar e ao partirem deixam apenas o que inebria. Terra molhada pronta para o plantio. Petricor que clama por um novo capítulo enquanto a umidade fascinante atravessa o ar e os sentidos todos.
Nos detalhes moram as pequenezas do que me reorganiza um inteiro… (Será que acontece contigo também?) No “eu te amo” espontâneo escapando a qualquer instante da boca dos filhos (tão simples e absoluto a me remontar cotidianamente), na magia dessa escrita – meu abrigo de palavras (que não me deixam esquecer quem sou). Nem da riqueza dos abraços que curam em silêncio como se costurassem as carnes que a estrada rasgou. Não deixam escapar da memória o colo que acolhe sem tantas perguntas, o carinho que mesmo distante – oferece – sem pedir nada em troca. Me transformam em lar – território sagrado onde a alma pode ser.
A vida… Ela é bonita demais! Às vezes, quando está bem difícil. Até quando em dor – aprendemos a enxergar o verbo. Da gentileza da rotina à luz que atravessa a rua, das imagens do teu céu, do café que perfuma a manhã aos risos que surgem sem motivo. Cada dia traz em si uma pequena beleza somente vista com olhos de descanso. É preciso desacelerar para encontrar. Não é possível controlar a vida. Mas dançar devagar ao som de uma música tocada na mesma velha toada, olhos fechados e corpo embalado pelo ritmo – pode ser um bom caminho.
Ser sempre ginkgo biloba. Permanecer de pé na mais bela resiliência silenciosa. Sem alarde, ser permanência. Mostrando para a vida que seguir sendo e florescendo (frágil e forte ao mesmo tempo) na maravilha de estar viva apesar de (e do que fizeram de mim) ainda é o dom mais bonito que pode existir. Seguir maravilhada na esperança do amor pelo caminho…
Todo dia quando olho para o quintal – cada folha que cai e balança com o vento é um convite para deixar ir o que não me cabe – confiando que a vida sempre oferece uma nova estação. O que tenho são instantes miúdos. Juntos, constroem essa existência. E é de uma vastidão saber que dentro da imprevisibilidade do tempo – este olhar de calma tem bastado para viver em paz e felicidade plena em uma reedificação diária. O que desejo ainda é profundo. Tem tanta vida para viver lá fora!
