Em tempos de redes sociais, literatura policial se renova com ‘pegada pop’

Quando a literatura policial apareceu, ela era pouco mais que um subgênero – até com má-reputação. Os anos fizeram bem ao estilo, que já faz parte do hall da alta literatura e está entre os mais vendidos em muitos países. Em tempos de redes sociais e informações descartáveis, o famoso ‘quem matou?’ de Agatha Christie (1890 – 1976), Conan Doyle (1859 – 1930) e Poe (1809 – 1849) ainda fascina muita gente. Novos nomes da literatura policial povoam as livrarias – físicas e virtuais – aos borbotões, existindo até uma seção especial para os fãs de Holmes, Maigret e Dupin.

No Paraná temos o jornalista e escritor Edilson Pereira, responsável por renovar o folhetim policial com o detetive Lindomar Stenzel. O escritor maringaense Marcos Peres venceu os prêmios Sesc e São Paulo com O Evangelho segundo Hitler (Record), thriller que coloca um duplo de Borges ao lado do führer nazista. Entre os best-sellers nacionais está o carioca Raphael Montes, autor do recém-lançado O Vilarejo (Suma das Letras).

Para a jornalista e escritora Ana Paula Laux, o novo fôlego na narrativa policial não é mistério. “Hoje em dia, há diferentes modos de contar uma história investigativa. Com o progresso da tecnologia e a própria globalização, os temas são mais complexos e os romances policiais abordam também questões importantes para a sociedade, como a violência nos centros urbanos, a ineficiência da polícia e a pedofilia”, comentou Ana Paula, que também é editora do site literaturapolicial.com.

A necessidade de um enigma, um assassinato a ser resolvido ainda existe, mas seus desdobramentos e possibilidades vão além. Raphael Montes vê a literatura policial como um espelho da natureza do Homem. “Ela sempre cumpriu a função de mostrar o ladro negro do ser humano, de mostrar como somos todos violentos e como a violência surge em nós”, refletiu.

Esse prisma, segundo o escritor, explica as ramificações do gênero, que vê surgir desdobramentos como o thriller psicológico, o thriller médico, policial romântico e, claro, o romance de espionagem, que chegou ao mainstream com Ian Fleming (1908 – 1964) e o Agente 007 (Alfaguara).

Elementos

Engana-se quem acha que o romance policial precisa estar atado à violência. O crime, ou o indício de um crime, é inevitável, ainda que o mistério por si só – como fator isolado de curiosidade – já não sustenta mais uma obra. “Interessa mais a psicologia do criminoso, o que está por trás do crime”, afirma Montes. O escritor comentou ainda que é importante levar ao livro uma “pegada pop” com o ritmo da vida contemporânea.

Ana Paula Laux concorda com que o gênero passou por mudanças e que as metamorfoses funcionam como uma adaptação da literatura aos novos tempos. “A literatura policial atual é uma literatura rica em vertentes, mas que ainda respeita alguns elementos narrativos primários, como a presença de um crime ou crimes, a de um culpado e de alguém para investigar esse crime”.

O sucesso do sueco Stieg Larsson (1954 – 2004) e sua série Millenium (Companhia das Letras) estão aqui para provar que a pirâmide ‘crime, criminoso e investigação’ funciona muito bem em qualquer contexto social e hi,stórico. Harlen Coben, Tess Gerritsen e James Patterson, considerado o autor mais lucrativo dos últimos anos, completam a lista.

Ana Paula Laux: preconceito é culpa 
tradicionalismo. Foto: Divulgação/Paulo Henrique Wolf

Fenômeno alemão

O escritor alemão Ferdinand Von Schirach se transformou em um fenômeno com Crimes (Record), livro que vendeu 400 mil cópias na terra de Thomas Mann (1855 – 1975). Os contos fazem parte do universo do próprio autor, que trabalhou durante anos como advogado criminalista. Os casos são impressionantes e sua capacidade de argumentação nos tribunais – que não raras vezes livrou assassinos confessos da prisão – mais ainda.

O sucesso deu a Von Schirach o passaporte para que escrevesse Culpa (Record), igualmente rocambolesco e impressionante.

Entretenimento

A resistência por parte de acadêmicos e estudiosos ainda carrega certo preconceito. Não basta nomes como Jorge Luis Borges (1899 – 1986), Roberto Bolaño (1953 – 2003), Adolfo Bioy Casares (1914 – 1999) e Umberto Eco terem mergulhado no universo de crimes e mistérios. Bolãno como seu Monsieur Pain (Companhia das Letras) emulou o romance policial e o conto “Jim” é uma espécie de conto noir. Borges e Bioy Casares criaram o heterônimo Bustos Domecq só para se dedicarem ao gênero.

Raphael Montes coloca em xeque a ideia de que a literatura policial, assim outros gêneros, é simples entretenimento. “Para mim a boa literatura é aquela que entretém ao mesmo tempo que permite outras camadas de leitura. Na academia, muitos ainda torcem o nariz para a literatura policial”, disse.

Na visão de Laux, que escreveu o e-book Os Maiores detetives do mundo, os textos policiais ainda sofrem com a posição tradicionalista imposta pelos intelectuais e críticos, mas que não conseguem matar as boas histórias que são capazes de sair do papel.

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