NOTA: ★★★★☆
Ao longo dos últimos anos, o Superman nos cinemas se transformou em uma figura carregada por sombras. Sob o comando de Zack Snyder, que assumiu a responsabilidade de contar suas histórias a partir de 2013, com O Homem de Aço, o herói ganhou contornos épicos e religiosos, mas também melancólicos e, na maioria das vezes, com um viés depressivo, deprimido e deprimente. Sua presença em tela parecia pesar mais do que inspirar.
No que ficou conhecido como Snyderverse, o Superman era uma entidade distante, atormentada pela responsabilidade de basicamente existir – uma espécie de semideus em conflito com sua própria presença na Terra. Já neste Superman, de James Gunn, o homem por trás dos Guardiões da Galáxia e da melhor versão do Esquadrão Suicida, temos uma guinada radical. Gunn tira o herói da escuridão e o banha em luz. Literal e metaforicamente.
Gunn, que entra oficialmente no comando criativo do novo universo cinematográfico da DC, entrega um filme solar, exuberante e otimista. Mas mais do que isso: entrega um filme humano. O Superman interpretado por David Corenswet não quer ser adorado, nem tem tempo para a dor existencial dos deuses. Ele quer pertencer. E é justamente esse desejo de conexão que norteia toda a narrativa. Seu herói se insere num mundo caótico e atual, no qual as fake news moldam a realidade, em que conflitos geopolíticos ganham contornos de espetáculo midiático – onde até mesmo um símbolo de bondade pode ser reconfigurado como ameaça.
O filme estabelece com clareza o dilema central: qual é o papel do herói no século 21? James Gunn não foge dessa pergunta. Seu Superman, apesar de superpoderoso, ainda se pergunta qual é o limite de sua ação. Ele luta por justiça, mas não apenas contra alienígenas e robôs gigantes. Ele enfrenta, também, os jogos de poder entre nações, os genocídios ignorados pela mídia, e a complacência de uma elite que lucra com a miséria. Ao fazer isso, é julgado, cancelado, distorcido. Um reflexo preciso de nossa era.
Ainda assim, e ao contrário da abordagem supostamente adulta de Zack Snyder – algo que até funciona no Batman, por exemplo -, Gunn nos apresenta um Superman que não tem medo de ser fantasioso. Seu herói pode muito bem dividir a cena com um cachorro superpoderoso, socar um kaiju que solta fogo pelas ventas, enfrentar supervilões excêntricos ou lidar com conspirações envolvendo magnatas da tecnologia e exércitos de macaquinhos digitando hashtags difamatórias. E isso não diminui sua proximidade. Pelo contrário: o torna mais acessível, mais verdadeiro, por mais paradoxal que isso possa parecer.
Isso porque o filme consegue, ao mesmo tempo, ser repleto de ação quase ininterrupta e, ainda assim, oferecer momentos autênticos de reflexão. Cada sequência de combate – e são muitas – tem um sentido narrativo claro. Não há aqui a ação pela ação, tampouco o tédio das lutas coreografadas como interlúdio. Gunn sabe exatamente como utilizar o dinamismo da câmera e a paleta de cores vibrantes para criar um ritmo que mantém o espectador em estado de encantamento. Mesmo quando a trama se torna rocambolesca, com direito até a buracos negros e zoológicos espaciais, tudo parece fazer sentido dentro desse universo que mistura o aventuresco e o absurdo com naturalidade.
Essa proximidade também se reflete nas escolhas afetivas do diretor. Embora James Gunn não se apoie na nostalgia gratuita, algo que poderia ser uma muleta tão evidente quanto compreensível, há piscadelas evidentes – e muito bem-vindas – para os fãs de longa data. Do Superman de Richard Donner aos ecos de Smallville e da série Superman & Lois, o filme conversa com obras que sempre tentaram aproximar o herói do cotidiano, tratando-o não como um ícone inatingível, mas como alguém que carrega os dilemas do mundo nos ombros, não porque são sua sina, mas porque ele acredita, assim como outro herói aracnídeo, que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. A diferença aqui é que Gunn não tenta emular essas obras. Ele dialoga com elas, reconhece suas virtudes e as reinventa para um público contemporâneo – e mesmo o uso do tema musical de John Williams é feito de forma sutil, uma lembrança de que nosso herói simpático ainda é o mesmo.
O fan service, portanto, está presente, mas nunca como forma de sustentação. Está nas entrelinhas, nos gestos, nas cores, na ingenuidade que ressurge como valor. É um filme feito por alguém que admira profundamente o personagem, e que tenta traduzi-lo para um novo tempo sem trair sua essência. A missão de Gunn parece clara: reconstruir o mito do Superman a partir de sua simplicidade – do filho de uma família de fazendeiros do Kansas que, mesmo com superpoderes, ainda acredita na bondade como escolha.
David Corenswet abraça esse ideal com firmeza. Seu Superman é vulnerável, empático e repleto de dúvidas. Ele apanha – e muito – ao longo do filme. Mas cada queda serve para ensiná-lo algo sobre os humanos e, principalmente, sobre si mesmo. Rachel Brosnahan, como Lois Lane, traz força e carisma à tela, mesmo que o filme não faça a menor ideia como utilizá-la em seu terceiro ato. A relação entre os dois é carregada de química e calor emocional, se é que você me entende. Pena que o Clark Kent tenha tão pouco tempo de cena – sua segunda persona deve aparecer por cerca de 10 minutos apenas, se muito. A ausência do repórter atrapalha um pouco a construção da dualidade clássica do personagem, mas é algo compreensível frente ao desenrolar constante dos conflitos da narrativa – ainda assim, há espaço para momentos tocantes como a conversa dele com o pai.
Nicholas Hoult, por sua vez, entrega um Lex Luthor magnético. Seu vilão é um reflexo distorcido da sociedade atual: poderoso, vaidoso, manipulador (com aquela saudosa sanha imobiliária que a gente conhece), e profundamente ressentido diante daquilo que não pode controlar – a virtude alheia. É ele quem levanta a grande pergunta do filme: será mesmo possível continuar sendo bom num mundo que recompensa a maldade? O Superman responde não com discursos, mas com ações – ainda que essas ações o coloquem em rota de colisão até mesmo com o país no qual ele vive e que acredita que ele é seu representante.
O restante do elenco de apoio é vasto, talvez até demais. Gunn, conhecido por equilibrar muitos personagens em tela, aqui parece se perder um pouco. A Gangue da Justiça, por exemplo surge mais como uma promessa de expansão do universo do que como parte orgânica da história, com exceção do Sr. Incrível, que consegue mais tempo de tela e se torna bastante relevante para o andamento da história. Há participações interessantes, mas poucas marcantes. Um alívio cômico, no entanto, rouba a cena: o cãozinho Krypto. Com suas entradas pontuais e carisma canino, ele resgata o espírito mais leve dos quadrinhos dos anos 1950 e 1960, reforçando a proposta fantasiosa da narrativa.
Felizmente, Superman não se rende ao vício da continuidade infinita que assola, por exemplo, os filmes do MCU. Não há pós-créditos prometendo um multiverso, nem ganchos que dependem do próximo filme para fazer sentido. É uma história fechada, com começo, meio e fim – ainda que uma ótima participação especial nos minutos finais seja altamente promissora. E isso, por si só, já é uma vitória no cenário atual, no qual muitos longas se resumem a peças de um quebra-cabeça corporativo.
James Gunn constrói mais do que um blockbuster eficiente. É uma declaração de princípios. Superman se posiciona como um antídoto ao cinismo, um respiro num tempo de ironia e desesperança. É colorido, sim. É exagerado, também. Mas é, acima de tudo, honesto. E é essa honestidade – que vem do diretor, do elenco, do olhar apaixonado por um herói atemporal – que torna o filme tão poderoso.
Ao final, o que fica é a sensação de que estamos diante de um Superman que não quer ser adorado – quer compreender e ser compreendido. Ele não paira sobre nós como um deus julgador. Ele caminha entre nós, tropeça, sofre, apanha – e aprende. E nesse processo, nos convida a acreditar que talvez ainda haja espaço para gentileza, coragem e compaixão no mundo.
Se este é o começo de uma nova era para a DC, ela começa com brilho, com coragem e com um coração enorme no centro do peito. Talvez seja justamente disso que este mundo precise agora: não de um salvador, mas de um símbolo. E o Superman de James Gunn, imperfeito como nós, parece entender isso melhor do que ninguém.
Superman (2025)
- Classificação: 14 anos
- Duração: 129 min
- Direção e Roteiro : James Gunn
- Elenco: David Corenswet , Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Nathan Fillion, Isabela Merced, Edi Gathegi
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