Quarteto Fantástico: Primeiros Passos – o renascimento da primeira família da Marvel no cinema

NOTA: ★★★★

Se há um grupo de heróis que nunca conseguiu brilhar de verdade no cinema, esse é o Quarteto Fantástico. Na prática, a melhor versão já feita do grupo está no filme Os Incríveis, de Brad Bird, obra-prima que conseguiu estabelecer como poucas a dinâmica de uma equipe tão singular.

E olha que já foram tentadas diferentes abordagens, diferentes tons, mas a sensação sempre foi de que algo estava faltando. O quarteto, que nos quadrinhos tem um peso imenso por ser a primeira família da Marvel, parecia não encontrar seu espaço nas telas. E é justamente por isso que Quarteto Fantástico: Primeiros Passos chama tanta atenção: não apenas pelo filme em si, mas pelo que ele representa em uma longa e conturbada trajetória.

Vale lembrar: a primeira versão cinematográfica do quarteto veio em 1994, produzida por Roger Corman. O filme, que jamais iria estrear nos cinemas, ficou conhecido como uma produção quase clandestina, feita apenas para manter os direitos dos personagens. Depois, em 2005, veio a adaptação dirigida por Tim Story, com Ioan Gruffudd, Jessica Alba, Chris Evans e Michael Chiklis nos papéis principais. O longa fez algum sucesso comercial, mas foi considerado raso, mais preocupado com efeitos e piadinhas do que com emoção. A sequência de 2007, Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, trouxe o vilão Galactus, mas em uma versão decepcionante, que reduzia o devorador de mundos a uma nuvem sem forma definida.

Em 2015, Josh Trank – que havia chocado o mundo com o espetacular Poder Sem Limites – tentou revitalizar a franquia com um tom mais sombrio. O resultado foi um dos maiores fracassos de super-heróis da década: uma produção marcada por problemas nos bastidores, edição constrangedora e personagens sem carisma. Esse histórico pesava como uma sombra enorme sobre qualquer tentativa futura. Ou seja: Primeiros Passos não precisava ser perfeito, mas precisava mostrar que o Quarteto tinha pelo menos fôlego para o cinema.

E, de certo modo, o filme acerta ao não repetir o passado. Em vez de apostar em uma origem longa e detalhada, ele já apresenta o grupo como figuras estabelecidas, verdadeiros ícones populares, celebridades, em sua realidade alternativa. Essa decisão, por mais arriscada que pareça, dá frescor à narrativa. O público não precisa passar por tudo de novo, não precisa assistir pela quarta vez ao acidente espacial que lhes deu poderes. A história começa com eles já reconhecidos e admirados – e isso muda completamente a dinâmica.

Outro aspecto que chama atenção é a escolha estética. Ao ambientar a trama em uma espécie de anos 1960 retrô-futurista, o filme cria uma identidade visual única, um misto de Os Jetsons com, novamente, Os Incríveis. O espectador mergulha em uma época de vestidos rodados, eletrodomésticos antigos e carros voadores. É como se a produção tivesse aprendido com os erros das versões anteriores e decidisse investir não apenas nos personagens, mas também na criação de um universo ao redor deles que fosse charmoso e memorável. Essa ambientação é reforçada por efeitos visuais que, embora modestos no retrato dos poderes individuais, brilham quando aplicados em cenários e sequências grandiosas, em especial um belíssimo confronto próximo a um buraco negro.

O elenco é um ponto alto. Vanessa Kirby dá profundidade a Sue Storm, que aqui não é apenas uma coadjuvante bonita, mas a cola que mantém o grupo unido. Mais do que isso: pela primeira vez no cinema, a Mulher Invisível é retratada como a mais poderosa do grupo – algo que os quadrinhos já estabeleciam há muito tempo – e não apenas a mulher que fica invisível para fins cômicos.

Joseph Quinn traz humor e energia ao Tocha Humana, afastando-o da versão bon vivant estabelecida por Chris Evans nos filmes anteriores, e Ebon Moss-Bachrach entrega um Ben Grimm que conquista o público pelo carisma, ainda que a parte mais dramática de sua condição merecesse mais destaque. Pedro Pascal, por sua vez, encarna Reed Richards com a competência de sempre, mas é ofuscado pelo brilho da parceira de cena.

Se compararmos com os filmes anteriores, fica evidente a diferença de abordagem. Lá atrás, o foco estava no espetáculo raso, em efeitos que envelheceram mal e em um roteiro sem muita ousadia. Aqui, mesmo com algumas falhas, como a pressa em certos momentos – a origem dos heróis e suas primeiras aventuras vira um clipe de 5 minutos – ou a conclusão genérica e com excesso de conveniências, existe uma tentativa clara de construir personalidade, de oferecer ao espectador algo além do básico. O filme pode não ser revolucionário, mas tem alma, e isso já o coloca acima das versões passadas.

Sobre os poderes, há escolhas curiosas: o Coisa é retratado quase como um espelho dos traços clássicos de Jack Kirby, muito próximo dos quadrinhos originais. Já a elasticidade de Reed Richards continua sendo um desafio para o cinema – um efeito até hoje difícil de convencer plenamente, ainda que aqui apareça em momentos pontuais. O Tocha Humana e o Surfista Prateado ganham efeitos apenas eficientes, sem grandes ousadias, mas usados de forma inteligente dentro da narrativa. É no todo que os visuais realmente impressionam, mais pelo contexto do que pela pirotecnia.

Outro ponto que merece ser citado é a relação entre o Quarteto e a agora Surfista Prateada, feita pela ótima Julia Garner. Sua presença dá sentido ao medo coletivo diante de Galactus, cuja representação visual é absolutamente brilhante. Porém, justamente por isso, é uma pena que sua ameaça não seja proporcional à sua magnitude. Algumas soluções rápidas e rasteiras diminuem a grandiosidade de um vilão que deveria ser implacável e aterrorizante.

Do ponto de vista da Marvel, Primeiros Passos representa uma abertura de portas. Depois de tantos anos de críticas à mesmice do estúdio, esse filme traz a sensação de novidade, mesmo que com ressalvas. É de se esperar que em produções futuras haja espaço para desenvolver melhor os personagens, para dar mais densidade ao drama de Ben Grimm como uma criatura de pedra, para explorar a genialidade de Reed Richards e, principalmente, para consolidar Sue Storm como protagonista. É como se estivéssemos vendo as peças sendo colocadas no tabuleiro para algo maior.

No fim das contas, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos não é o melhor filme da Marvel, mas é talvez o mais importante do grupo até hoje. Ele olha para trás, aprende com os erros, e aponta para um futuro possível. Para quem acompanhou todas as tentativas anteriores, assistir a este longa é quase como ver uma família finalmente encontrar seu lugar. E isso, por si só, já é motivo para comemorar.


🎬 QUARTETO FANTÁSTICO: PRIMEIROS PASSOS
Direção: Matt Shakman
Elenco: Pedro Pascal (Reed Richards / Senhor Fantástico), Vanessa Kirby (Susan Storm / Mulher Invisível), Joseph Quinn (Johnny Storm / Tocha Humana), Ebon Moss-Bachrach (Ben Grimm / O Coisa)
Gênero: Aventura / Fantasia
Duração: 1h50
Lançamento: 2025


Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo
O conteúdo do comentário é de responsabilidade do autor da mensagem. Ao comentar na Tribuna você aceita automaticamente as Política de Privacidade e Termos de Uso da Tribuna e da Plataforma Facebook. Os usuários também podem denunciar comentários que desrespeitem os termos de uso usando as ferramentas da plataforma Facebook.