NOTA: ★★
Desde 2013, o universo Invocação do Mal construiu um império dentro do cinema de horror contemporâneo. Criado por James Wan, o primeiro filme apresentou um terror elegante, centrado mais na tensão e na atmosfera do que nos sustos fáceis, que eram sim, abundantes, mas absolutamente precisos. Era o retorno de um medo clássico, quase artesanal, guiado por direção precisa, ótimas atuações e um senso de mistério que parecia resgatar o espírito dos filmes de terror dos anos 1970. Invocação do Mal 2 manteve o padrão e consolidou Patrick Wilson e Vera Farmiga como o casal Warren – caçadores de demônios e espíritos malignos com carisma e profundidade emocional.
Mas o sucesso, como quase sempre, cobra seu preço. A partir daí, James Wan passou a atuar apenas como produtor, delegando a direção a outros nomes e expandindo o universo com derivados como Annabelle, A Freira e A Maldição da Chorona. Foi também aí que o encanto começou a se desfazer. O terror sofisticado deu lugar à repetição mecânica de fórmulas: portas rangendo, bonecos sorrateiros, vultos passando ao fundo, pessoas sendo puxadas para trás e sustos cronometrados com precisão matemática. Tudo muito barulhento, mas sem o menor impacto emocional.

É nesse contexto de desgaste que chega Invocação do Mal 4: O Último Ritual, novamente dirigido por Michael Chaves – o mesmo responsável por A Maldição da Chorona (2019) e Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (2021). E o resultado, infelizmente, confirma o que os fãs mais atentos já suspeitavam: a franquia se tornou uma sombra de si mesma. O filme tenta funcionar como a grande despedida dos Warren, mas o que se vê é um festival de clichês embalado por um roteiro confuso e um diretor incapaz de lidar com a multiplicidade de personagens e temas que o próprio filme propõe.
O enredo se divide entre o amadurecimento de Judy Warren (Mia Tomlinson), agora adulta e prestes a se casar, e o caso da família Smurl, que sofre com fenômenos paranormais cada vez mais violentos em sua casa na Pensilvânia. O problema é que o roteiro trata o drama dessa família de forma absolutamente rasteira: há cenas grotescas – como uma das filhas vomitando sangue e pedaços de vidro – que simplesmente não causam reação digna nos personagens. Ninguém pensa em sair da casa, ninguém demonstra verdadeiro pavor. Tudo é tratado com uma naturalidade absurda, como se as possessões e flutuações fossem parte da rotina doméstica.

Enquanto isso, do lado dos Warren, passamos quase meia hora assistindo a algo que se aproxima de uma sitcom familiar, com o namorado tentando pedir a mão de Judy em casamento e momentos quase fofos entre os três. Por mais que seja compreensível a demora para que essas duas linhas narrativas se encontrem, isso jamais soa orgânico ou funcional: na prática, passamos o filme inteiro sem conhecer direito os Smurl ou o quanto o drama está afetando sua família.
A direção de Chaves amplifica o caos. No terceiro ato, a trama perde completamente a coerência, com personagens que aparecem e desaparecem sem muita explicação – sem contar a extrema dificuldade em equilibrar as duas linhas narrativas que o filme estabelece. O diretor não consegue organizar a mise-en-scène nem construir tensão entre tantos elementos soltos. Em determinado momento, Lorraine passa a ser perseguida por um fantasma empunhando um machado até que, de repente, ela descobre que todos os espíritos estão atrás de sua filha. O roteiro simplesmente joga essa revelação sem qualquer lógica narrativa ou investigação. É o tipo de resolução mágica que expõe o cansaço criativo de um universo que já não sabe mais para onde ir.
Do ponto de vista estético, O Último Ritual é o ápice da repetição: tudo é escuro, úmido e previsível. Os sustos soam coreografados, a trilha sonora parece saída de um banco genérico e a atmosfera é inexistente. O que antes era um terror construído na sutileza, agora é puro ruído. Sem conseguir manter o ritmo de forma eficiente, Chaves vai levando o filme em temperatura tão morna que quando percebemos, o filme já está acabando e nem tivermos tempo de nos preocupar com qualquer um daqueles personagens. O clímax chega a ser constrangedor: a grande batalha espiritual se resume a tirar um espelho amaldiçoado de dentro de uma casa, uma metáfora involuntária da superficialidade que a série atingiu.

O filme reforça de forma quase piegas a ideia de que o amor da família é mais forte, um artifício anticlimático para qualquer obra de terror – que já não funcionou em Poltergeist 2 e aqui menos ainda. Para coroar esse festival de horrores, a conclusão ainda traz o casamento da filha dos Warren, quando diversos ex-possuídos dos filmes anteriores resolvem aparecer, como se o universo inteiro quisesse se despedir em uma atmosfera festiva de tudo o que aconteceu ao longo dos últimos 12 anos. É um encerramento desprovido de qualquer senso de ironia ou ambiguidade, transformando o horror em pura autoparódia.
Como se não bastasse, o filme insiste em santificar os Warren, ignorando as inúmeras polêmicas que colocam em dúvida a veracidade de seus casos e a forma como o casal transformou o sobrenatural em um lucrativo espetáculo de fama e fortuna. Ao retratá-los como mártires do amor e da fé, O Último Ritual abandona qualquer nuance e entrega ao público uma versão higienizada de seus protagonistas.
Invocação do Mal 4 não chega a ser o desastre absoluto de seu antecessor, mas é um filme vazio – um amontoado de sustos previsíveis e dramas familiares genéricos. A franquia que um dia redefiniu o horror contemporâneo agora se despede sem força, sem mistério e, principalmente, sem medo. A sensação é de que o verdadeiro terror ficou lá atrás, nos tempos em que James Wan ainda sabia que o silêncio, e não o grito, é o som mais assustador do cinema.
No fim, O Último Ritual faz jus ao título: é o último exorcismo de uma saga que já perdeu sua alma há muito tempo.
💀 E você, ainda sente medo com a franquia Invocação do Mal ou acha que o demônio já se cansou de aparecer? Deixe seu comentário e compartilhe sua visão sobre o futuro (ou o fim) desse universo que marcou o terror moderno.
🎬 INVOCAÇÃO DO MAL 4 – O ÚLTIMO RITUAL
Direção: Michael Chavez
Elenco: Patrick Wilson, Vera Farmiga, Mia Tomlinson
Gênero: Horror
Duração: 2h15
Lançamento: 2025
