NOTA: ★★

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Quando o nome de Jordan Peele aparece nos créditos de um filme, o público automaticamente espera algo grande. Desde Corra! (2017), o diretor e produtor se tornou um dos principais articuladores do terror social contemporâneo – um cineasta capaz de transformar as tensões raciais e a culpa branca em matéria-prima para o horror. Suas produções, mesmo quando não dirigidas por ele, carregam essa marca: o olhar crítico sobre o lugar do corpo negro dentro da sociedade americana e as iolências, explícitas ou simbólicas, que o cercam. É por isso que GOAT, dirigido por Justin Tipping e produzido por Peele, chega com tanto peso. O problema é que, dessa vez, a promessa não se cumpre.

Aqui acompanhamos Cameron Cade (Tyriq Withers), um jovem quarterback que vê sua carreira ameaçada por uma espécie de atentado bem esquisito. Em busca de redenção, ele aceita o convite de seu ídolo, Isaiah White (Marlon Wayans), para treinar em um centro isolado no deserto. A partir daí, o filme mergulha em um ambiente de culto, disciplina e loucura – um retrato sombrio da masculinidade tóxica e da obsessão pelo sucesso, que fazem do esporte uma máquina de moer corpos e identidades. É um tema que dialoga com o universo de Peele, especialmente com sua crítica ao modo como o sistema transforma homens negros em símbolos e produtos, enquanto lhes nega a humanidade.

A proposta, porém, se perde na execução. A montagem, que tenta criar uma atmosfera de sonho e pesadelo, acaba tornando tudo apenas confuso. O diretor aposta em simbolismos religiosos e visuais – o deserto como espaço de provação, o protagonista como figura messiânica, referências à Última Ceia -, mas nada disso se sustenta com sutileza. O resultado é um filme que acredita ser mais profundo do que realmente é.

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Quem realmente chama a atenção é Marlon Wayans. Longe das comédias que marcaram sua carreira, ele entrega uma atuação contida e ameaçadora, que cresce em silêncios e olhares. Há algo de incômodo em sua presença – um misto de carisma e perigo, como se cada gesto escondesse uma intenção maior. Wayans incorpora com força o arquétipo do veterano que treina o novato para ser seu sucessor, mas que, ao mesmo tempo, luta para não ser engolido pelo próprio esquecimento.

Essa dinâmica, em mãos mais seguras, poderia render um conflito poderoso: o embate entre o mestre que teme ser superado e o discípulo que carrega o fardo de substituir o ídolo. No entanto, o filme aborda essa tensão de forma quase amadora, sem nuances nem progressão dramática. Quando o roteiro finalmente parece prestes a explorar a relação de poder e espelhamento entre os dois, simplesmente recua – desperdiçando a oportunidade de construir o verdadeiro coração trágico da história.

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Já Tyriq Withers, no papel principal, pouco transmite da transformação interior que a trama exige – e isso enfraquece o impacto emocional da jornada. Cameron Cade é um personagem que deveria expressar uma tensão constante entre a ambição e o colapso, entre o desejo de redenção e a perda completa de identidade. No entanto, Withers parece atravessar o filme em um estado de neutralidade emocional, reagindo a acontecimentos extremos com a mesma apatia de quem assiste a um treino comum. Mesmo nas cenas em que o roteiro tenta mergulhar em sua culpa, dor ou confusão mental, o ator permanece em superfície, incapaz de dar corpo à espiral psicológica que o personagem exige. É uma escolha que poderia funcionar se o filme quisesse de fato retratar a anestesia emocional de um atleta destruído por um sistema desumano – mas, do jeito que é conduzido, soa apenas como falta de intensidade e direção.

No fim, GOAT é um projeto que parece carregar o peso de ser um filme de Jordan Peele sem ter, de fato, o pulso criativo dele. Falta o controle narrativo que faz de suas obras algo mais que metáforas sociais – falta o senso de ironia e o olhar preciso sobre as estruturas de poder. Justin Tipping tenta criar um comentário sobre fama, masculinidade e identidade, mas entrega apenas um delírio visual que não chega a lugar nenhum. A obra confirma como o legado de Peele tem influenciado novas gerações de diretores – mesmo quando o resultado, como aqui, fica preso entre a ambição e a falta de rumo.

E você, o que achou do filme? Comente aqui embaixo e acompanhe outros comentários aqui nesse link.


🎬 GOAT
Direção: Justin Tipping
Elenco: Marlon Wayans, Tyriq Withers
Gênero: Horror
Duração: 1h36
Lançamento: 2025