Faça Ela Voltar: um reflexo de nossas próprias perdas

NOTA: ★★★★

Os irmãos Danny e Michael Philippou, responsáveis pelo ótimo e já cultuado Fale Comigo, trazem em Faça Ela Voltar um terror diferente, marcado pela profundidade psicológica e pelo peso do luto. Longe do terror adolescente e dos sustos fáceis, o filme mergulha na dor humana, na culpa e nas cicatrizes emocionais que moldam nossos comportamentos – especialmente quando somos expostos a situações que fogem do nosso controle.

A trama acompanha Andy [Billy Barret] e Piper [Sora Wong], irmãos enviados, após a morte do pai, para uma casa de passagem na qual vive Laura [Sally Hawkins] e um garoto chamado Oliver [Jonah Wren Phillips]. Piper, que é cega [a atriz também tem deficiência visual], se torna uma metáfora central dentro do filme: sua limitação visual simboliza como todos nós somos influenciáveis, guiados por fragmentos de informação e manipulados por quem se aproveita de nossas vulnerabilidades. A manipulação da percepção – uma das forças motrizes do terror psicológico – mostra como agimos de acordo com aquilo que nos é apresentado, muitas vezes sem ter acesso à verdade completa.

Nossa querida Sally Hawkins, reconhecida por interpretar personagens doces e acessíveis – como a mãe amorosa em Paddington ou a delicada Ginger em Blue Jasmine – surpreende e entrega aqui uma performance surpreendentemente sombria. Sua personagem, uma mulher marcada pela perda da filha, revela até onde a dor e a culpa podem levar alguém, cruzando limites éticos e morais em busca de uma impossibilidade: trazer de volta quem morreu. Essa subversão de seu perfil habitual torna o terror ainda mais impactante, mostrando que a vulnerabilidade humana pode se transformar numa obsessão perigosa.

É perceptível que o filme também dialoga com o terror dos anos 1970 e 1960, no qual cultos, seitas e rituais eram explorados como metáforas de obsessão e desejo de controle. A narrativa de Faça Ela Voltar remete a essa tradição, enfatizando a busca milenar da humanidade pela conquista da morte – um tema explorado por clássicos como Frankenstein ou até mesmo em Cemitério Maldito, baseado em Stephen King. Em todas essas obras, o sucesso em desafiar a morte vem sempre acompanhado de um preço alto, lembrando que a sombra do mal sempre acompanha o desejo de transgredir a ordem natural das coisas.

O filme reflete ainda tendências recentes do terror contemporâneo: a exploração do luto, do trauma e da perda tornou-se uma constante em obras pós-pandemia, talvez porque o público está mais sensibilizado a questões de isolamento, saudade e vulnerabilidade. Faça Ela Voltar transforma essas experiências em horror, mostrando que o verdadeiro medo pode nascer não de forças sobrenaturais, mas de nossas próprias emoções e da manipulação que sofremos quando somos emocionalmente frágeis.

Na história, Andy carrega culpa e traumas de um passado familiar marcado pelo abuso, enquanto Piper, manipulada e limitada por sua deficiência, exemplifica como a percepção parcial pode distorcer a realidade. A presença de Oliver, o garoto autodestrutivo com dificuldades de comunicação, completa o quadro de tensão, sugerindo que a dor individual reverbera e contamina todos ao redor.

O slow burn meticuloso do filme constrói uma atmosfera sufocante: cada momento de quietude aumenta a sensação de perigo, até explodir em sequências de puro choque. É um terror que exige atenção, paciência e reflexão – e que, ao mesmo tempo, nos força a olhar para nossas próprias perdas, nossos limites éticos e emocionais, e a forma como buscamos soluções impossíveis para dores irreversíveis.

Faça Ela Voltar confirma os Philippou como nomes importantes do terror contemporâneo, cineastas capazes de transformar sofrimento, culpa e desejo de redenção em narrativa cinematográfica. E, por meio da atuação memorável de Sally Hawkins, o filme também nos lembra que até as pessoas mais doces e gentis podem ser levadas às sombras pelo peso da perda e da culpa – um reflexo profundamente humano do que somos capazes de sentir e fazer quando confrontados com a morte e a dor.


FAÇA ELA VOLTAR
Direção: Danny Philippou e Michael Philippou
Elenco: Sally Hawkins, Billy Barratt, Sara Wong
Gênero: Terror psicológico / Horror
Duração: Aproximadamente 1h39
Classificação Indicativa: 16 anos
Lançamento: 2025


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