NOTA: ★★★★☆
Em Amores Materialistas, a diretora sul-coreana Celine Song volta seu olhar sensível e afiado para uma ferida muito atual: a forma como transformamos o amor em produto, os relacionamentos em fórmulas e os sentimentos em algoritmos. Depois do maravilhoso Vidas Passadas, Song aprofunda sua investigação sobre as conexões humanas – mas agora com um olhar mais ácido e urbano.
Lucy [Dakota Johnson, a mistura certeira entre objetividade e dúvida] é uma casamenteira moderna. Não acredita em alma gêmea, mas em compatibilidades objetivas. Seu trabalho consiste em unir pessoas com base em critérios friamente racionais: classe social, ambições de carreira, estabilidade financeira, nível de instrução, altura. O amor, aqui, é apenas uma variável incômoda – algo que pode atrapalhar a equação. Mas o que fazer quando o coração começa a escapar deste controle tão fechado?

O filme se estrutura a partir de um paradoxo doloroso: vivemos na era da hiperconectividade, mas talvez nunca tenhamos sido tão solitários. Lucy e seus clientes são pessoas que terceirizam a difícil tarefa de se relacionar. Contratam alguém para encontrar por elas aquilo que talvez devessem sentir por conta própria. É a solidão contemporânea em sua forma mais sofisticada: cercados de gente, mas com medo de se entregar.
Amores Materialistas também lança um olhar crítico sobre a pressão social silenciosa, porém opressora, de estar em um relacionamento. Para os personagens do filme, ter alguém ao lado é menos sobre afeto e mais sobre checklists sociais: estar acompanhado virou símbolo de sucesso, sinal de que se está dentro das expectativas para sua idade e classe social. Song expõe essa lógica com uma delicadeza incômoda, nos lembrando que, às vezes, o que parece racional é, na verdade, profundamente doloroso.

Com diálogos cortantes e uma narrativa que caminha entre o romântico e o melancólico, o longa também toca em temas como violência de gênero, masculinidade tóxica e a falsa neutralidade das escolhas baseadas em lógica. Porque, se tudo vira algoritmo, onde entra o caráter? O que fazer quando até a empatia começa a parecer um obstáculo?
No centro de tudo isso, Lucy se vê dividida entre dois homens que representam mundos distintos: John [Chris Evans, bem longe de sua persona heroica], seu ex-namorado que vive à margem do sucesso, um homem de 37 anos ainda divide um apartamento miserável com outros colegas, e Harry [Pedro Pascal, sempre funcionando e com aquele charme irresistível], o par ideal de qualquer aplicativo – rico simpático, charmoso. Aos poucos, Lucy percebe, porém, que até a perfeição pode ser uma forma de fuga – e que talvez o verdadeiro amor não venha embalado em certezas.

No fim das contas, Amores Materialistas não oferece respostas fáceis. Mas propõe uma pergunta essencial: até quando vamos deixar o medo decidir por nós? É um filme que incomoda, emociona e, sobretudo, faz pensar. Um convite para reaprender a amar – e porque isso exige que se saia da zona de conforto.
SERVIÇO
Título original: MATERIALISTS
Direção: Celine Song
Duração: 1h57
Elenco: Dakota Johnson, Chris Evans, Pedro Pascal
Gênero: Drama, Romance
Estreia: Em cartaz nos cinemas
