Há filmes que não se contentam em ser apenas vistos. A Cor Púrpura, de Steven Spielberg, é um desses raros casos. Cada vez que o assisto, sinto que estou revivendo não apenas a história de Celie, mas também a emoção crua e pura da primeira vez que me deparei com ela. E, confesso, choro. Choro como se cada lágrima fosse nova, como se o tempo não tivesse passado, como se as emoções de 40 anos atrás ainda estivessem ali, prontas para serem experimentadas de novo. É uma catarse absoluta, uma experiência que poucos filmes conseguem oferecer com tanta intensidade.
Foi, de fato, uma sorte que Spielberg tenha feito A Cor Púrpura em 1985. Se o tivesse realizado nos anos 90, provavelmente teria suavizado os momentos mais dramáticos e principalmente os melodramáticos, buscando um registro mais naturalista. Nos anos 2000, o filme poderia ter se tornado mais sóbrio, sem a exuberância das cores e da fotografia que hoje dão à obra aquela força quase mágica. Essa combinação de contraste entre drama intenso e tons vívidos é, na verdade, o que transforma o filme em algo tão emblemático: ele carrega a ousadia e a ingenuidade de sua época e, ao mesmo tempo, preserva a emoção atemporal que ainda nos toca profundamente.
Spielberg, naquele ponto da carreira, já era um diretor consagrado, autor de filmes que marcaram gerações, como E.T., Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Caçadores da Arca Perdida. Mas A Cor Púrpura revelava outro lado de Spielberg: o cineasta em busca de reconhecimento para além dos blockbusters e aventuras, o diretor interessado na dor e na beleza da vida humana, no fascínio pelas pequenas nuances do coração. É um filme que caminha entre o melodrama e a poesia, entre a dureza da realidade e a esperança que insiste em florescer.
Whoopi Goldberg estreia no cinema de maneira monumental. Ela atravessa mais de três décadas da vida de Celie, da adolescência marcada por abusos e gravidez precoce até a maturidade, quando finalmente encontra força e voz. Goldberg cria uma personagem multifacetada, cheia de humor, dor, coragem e ternura. Celie é um mosaico de emoções e experiências que nos envolve completamente, tornando impossível não nos identificarmos ou nos emocionarmos com sua trajetória.
O filme é povoado por mulheres fortes e complexas: Shug, Sofia, Nettie. Cada uma delas possui sua própria história, sua própria voz, seu próprio peso emocional. E, ao mesmo tempo, o filme não simplifica a masculinidade tóxica presente no filme: Mister, interpretado por Danny Glover, é cruel e autoritário, mas também vulnerável. Sua misoginia é parte de uma sociedade inteira, que atinge homens e mulheres de qualquer raça ou cor. Há uma humanidade perturbadora nele, um reflexo do mundo que Spielberg observa com olhar crítico, mas ainda assim carregado de empatia.
A fotografia do filme, com cores vivas e detalhes meticulosos, transforma cada cena em uma experiência sensorial. Mas talvez a maior surpresa esteja na trilha sonora de Quincy Jones, que, diferente de sua habitual parceria com John Williams, compreende com perfeição o equilíbrio entre a tristeza do blues e a beleza da trajetória de Celie. Cada nota, cada melodia, acompanha a narrativa sem nunca se sobrepor, exaltando as emoções e intensificando cada instante de alegria e dor.
O filme, ainda que os use, não precisa de gags ou alívios cômicos baratos. Sua elegância reside na força de suas emoções, na forma como cada olhar, cada gesto, cada abraço ressoa profundamente. Spielberg conduz a história com firmeza, permitindo que o melodrama floresça sem jamais se tornar artificial. Cada vitória das mulheres, cada gesto de resistência, é celebrado com um respeito quase reverente, como se a própria câmera admirasse sua coragem.
E há uma beleza inocente no olhar de Spielberg, na maneira como ele retrata mulheres e negros naquela época. Ele não ignora as injustiças, mas também não sucumbe ao cinismo. Seu olhar é de esperança, de empatia, de reconhecimento da capacidade humana de resistir, de amar e de transformar a própria vida. É essa sensibilidade que faz com que o filme continue tocando corações décadas depois.
A Cor Púrpura continua me arrastando para dentro de sua história, me fazendo rir, chorar e celebrar cada pequeno triunfo. Poucos filmes conseguem preservar a força da primeira experiência, mas este consegue. Cada exibição é uma viagem emocional, um lembrete do poder do cinema de nos conectar com a vida, com o outro, com a própria humanidade.
No fim, assistir a A Cor Púrpura é mais do que ver um filme: é vivê-lo. É sentir a dor, a alegria, o amor e a esperança com a mesma intensidade de quatro décadas atrás. É chorar, se emocionar, refletir e, sobretudo, se apaixonar novamente por uma história que continua viva, relevante e absolutamente inesquecível. Disponível na HBO Max, o longa continua a inspirar novas gerações de espectadores, provando que algumas histórias nunca envelhecem.
🎬 A COR PÚRPURA
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Whoopi Goldberg, Danny Glover, Margaret Avery, Oprah Winfrey
Gênero: Drama / Melodrama
Duração: 2h31
Classificação Indicativa: 14 anos
Lançamento: 1985
Disponível em: HBO Max
