Precisamos ouvir as mulheres que atuam na causa ambiental

Foto: Freepik

*Por Ana Lizete Farias

Na sua face mais conhecida, a crise climática é sempre lembrada pelos prejuízos materiais e ambientais que deixa na lembrança de todos. Os danos emocionais nas populações atingidas por essas catástrofes são enormes. Porém há outros grupos que também sofrem e permanecem nas sombras.

No mês em que temos um dia internacional dedicado à luta pelos direitos das mulheres, lembro, então, daquelas que travam uma luta desigual contra a destruição da natureza, e o que isso provoca na autoestima e no campo psicológico dessas mulheres.

Minha formação profissional é, por essência, em questões socioambientais, mas pela atuação também na área da psicanalítica tenho uma escuta diferenciada do sofrimento no segmento ambiental, em especial no tocante ao universo feminino.

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Existem grupos de mulheres que ainda estão em total invisibilidade, reforçando a raiz da desigualdade feminina. Devemos nos lembrar de Freud que, já em 1893, começou as suas descobertas a partir de ouvir mulheres que tinham uma série de dores no corpo (e que eram chamadas de histéricas). Freud escutava através de suas frases desconexas, suas palavras amordaçadas tudo aquilo que não podia ser dito, desejos que não podiam ser experimentados, lembranças que não podiam ser ditas socialmente.

Eram mulheres que de alguma forma não conseguiam concretizar o desejo de romper com tudo e “mudar de vida”, e que inscreviam no corpo a sua dor , o seu sofrimento.

Voltando ao nosso tempo, decorridos mais de 100 anos depois da publicação dos estudos de Freud, vemos que o sofrimento das mulheres parece ter se até ampliado: mais exigências em termos do corpo, da vida profissional, da maternidade, da sexualidade, até do fato de ter que achar mecanismos e formas de garantir a nossa própria sobrevivência, no mundo dominado pelos homens.

A minha experiência profissional na área socioambiental abriu meus olhos para um outro universo feminino, como agricultoras, mulheres que são quilombolas, pescadoras, mulheres religiosas. Mulheres desalojadas de suas casas, tribos sejam por conflitos de terra ou remoções forçadas diante de projetos de grandes hidrelétricas, por exemplo.

Em cada um destes espaços em que estão estas diferentes mulheres há um sofrimento peculiar, que deixa marcas profundas, sem voz para repercutir. São mulheres invisíveis, inclusive na sua dor.

O que fazer quando nos deparamos com esta realidade?

Minha percepção é que se deve falar mais sobre o sofrimento decorrente disso, em especial na área ambiental. Não como algo a se temer – mas como algo que se desvela e se transforma numa força que podemos fazer surgir dentro de nós.
Para isto, é necessário olhar de frente esses horrores com os quais convivemos.

No nosso mundo contemporâneo há uma vergonha no sofrimento diante da necessidade (social) de que precisamos ser felizes o tempo inteiro.

A psicanálise de Freud mostra que não há cura para a dor, mas podemos sim lhe dar destinos diferentes. Mas, para que isso aconteça, é necessário falar sobre ela.

No lugar de se revoltar ou de ignorar, proponho o desafio de tornar visível o sofrimento das mulheres que atuam em prol e na causa ambiental.
Mulheres que atuam no contexto urbano, como as empresárias, profissionais liberais, mulheres do mundo corporativo, agricultoras, quilombolas, pescadoras, ribeirinhas.

Em cada um destes espaços constituídos por estas diferentes mulheres há um sofrimento peculiar, que deixa marcas profundas, sem voz para repercutir.
Que, a partir das suas falas, possamos dar novos sentido a essas dores, numa espécie de novo colorido ao feminino na área ambiental.

*Ana Lizete Farias, psicanalista e doutora em Meio Ambiente

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