Dia da ‘Criansas’

Doze de Outubro é o Dia da Criança. Para que eu não me esquecesse da data, minha netinha escreveu em minha agenda, na folha de 12 de outubro – Dia das ‘Criansas’. Assim mesmo, criansas com a letra S.

Ela ainda não conhece o c cedilha (ç), uma estranha letra do alfabeto, tão estranha que alguns linguistas não lhe reconhecem cidadania gramatical. O c cedilha é um estranho no ninho.

Mas se para as crianças Doze de Outubro, com muita razão, é data especial de ganhar presente, para os adultos é dia de reflexão. Podemos julgar uma sociedade pelo zelo que essa sociedade tem para com a criança. 

Brecht, na peça “O Círculo de Giz”, figurou a disputa pela guarda de uma criança. A mãe que puxasse primeiro a criança para fora do círculo ganharia a causa. Uma das mães soltou o braço da criança para que ela não se machucasse. A essa Mãe foi confiada a guarda porque “pessoas e coisas devem pertencer a quem lhes tenha amor”. O grande Brecht consagrou o direito ao amor como o maior direito da criança.

O Dia das Crianças é uma data que merece reflexão e discussão nas comunidades, nas igrejas, nas escolas de todos os graus. Qual é a situação da criança no Brasil de hoje, na cidade ou no bairro onde o leitor deste artigo reside?

O Brasil possui uma população de 206 milhões de pessoas, dos quais 57 milhões têm menos de 18 anos de idade. Mais da metade de todas as crianças e adolescentes brasileiros são afrodescendentes e um terço dos cerca de 820 mil indígenas do País é constituído de crianças. São dezenas de milhões de pessoas que possuem direitos e necessitam de condições para desenvolver em plenitude todo o seu potencial.

Para o UNICEF, a face mais trágica das violações de direitos que afetam meninos e meninas no Brasil são os homicídios de adolescentes. A cada dia, 31 adolescentes são assassinados no País — quase todos meninos, negros, moradores de favelas.

O Brasil é o país com o maior número absoluto de adolescentes assassinados no mundo. Em 2015, foram 11.403 meninos e meninas de 10 a 19 anos vítimas de homicídios — número maior do que o total de mortes violentas de meninos em países afetados por conflitos, como Síria e Iraque.

O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à proteção da infância e da adolescência. Mas a realidade está muito distante da lei.

O livro “Vida nas Ruas“, da Irene Rizzini, dentre outras obras, merece ser discutido. A autora debruçou-se sobre a situação de crianças e adolescentes que vivem nas ruas. Ao explorar as diferentes fragilidades e a capacidade de recuperação, o livro contribui para compreender os caminhos que crianças de rua percorrem na procura do sentido da vida.

É incrível que pessoas supostamente cultas e até autoridades suponham que criança de rua é caso de polícia. Caso de polícia ou de hospício é o dos indivíduos que subscrevem esse entendimento.

Por João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor. www.palestrantededireito.com.br

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