Sem medo do parto normal

O momento do nascimento é um acontecimento especial, mágico, em que o estado hormonal próprio do parto normal cria as condições para se produza o vínculo mãe-filho, relação que tem conseqüências duradouras na confiança da mulher em sua capacidade para amar e criar seu filho(a) e no desenvolvimento emocional do bebê. No Brasil, não é bem assim que isso acontece. Dados fornecidos à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por empresas que oferecem planos de assistência à saúde demonstram que a proporção de cesarianas no setor é alarmante, situando-se em torno de 80%.

Com efeito, o número de cesarianas do setor suplementar influencia negativamente os dados nacionais: no sistema público de saúde brasileiro, o índice é de 26%, bem próxima, mas ainda acima, dos números encontrados em outros países, já que o índice recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 20%. Ressalta-se que em nenhum país foi encontrada uma proporção de cesáreas tão elevada quanto à existente hoje nos planos de saúde no Brasil, o que confere a este setor o desagradável título de campeão mundial de cesarianas. ?Trata-se de um título indesejável, pois, por ser uma cirurgia indicada para casos que configurem risco materno e/ou fraternal, a cesariana, quando eletiva, ou seja, realizada sem que exista uma indicação médica precisa, aumenta os riscos de complicações e de morte para a mulher e para o recém-nascido?, diz um comunicado da ANS, que inicia um movimento pelo parto normal.

Processo natural

Para o obstetra Ricardo Barini, da Universidade Federal de Campinas, não se trata de uma condenação simplista do recurso da cesárea, mas da sua utilização em casos realmente necessários e nos quais o parto natural encontre impeditivos de natureza orgânico-fisiológica. ?Sempre que possível, o trabalho de parto deve ter início espontâneo?, orienta o médico, que prefaciou a edição brasileira do livro ?A Cesariana?, do renomado obstetra francês Michel Odent, uma referência sobre o tema por questionar o futuro de uma sociedade na qual a maioria dos bebês nasce com a ajuda desse recurso.

O diretor-clínico do Hospital Pilar, de Curitiba, Marcos Vinicius Chiaretto, ginecologista e obstetra reconhece que, quando o parto não evoluir de maneira natural, fisiológica, deve-se recorrer ao procedimento, não, sem antes, oferecer a real possibilidade para que a mulher possa ter a dilatação do colo, processo facilitado por diversas técnicas. De acordo com o especialista, a cesárea é um procedimento cirúrgico que, na maioria dos casos, deve ser utilizado para salvar a vida da mãe e/ou da criança, quando ocorrem complicações durante a gravidez ou do parto. ?A cesárea não é isenta de riscos, estando associada, muitas vezes, a maior morbi-mortalidade materna e infantil, quando comparada ao parto vaginal?, reconhece.

De acordo com Roberto Barini, muitas são as causas que levam o país a obter esse recorde no número de partos, entre elas, as cesarianas prévias, recomendadas para facilitar a vida tantos dos médicos, que, assim, não precisam acompanhar durante horas um trabalho de parto quanto pelo lado das futuras mamães, cuja opção é relacionada a uma possível comodidade e pelo medo de sentir dor, além dos mitos que incidem sobre o parto normal.

Problemas respiratórios

Não raro, as cesarianas são agendadas antes de a mulher entrar em trabalho de parto, aumentando a chance de o bebê ser retirado do útero ainda prematuro, já que é o cálculo da idade gestacional realizado por exames de ultra-sonografia ou considerando-se a data da última menstruação nem sempre são exatas. Assim, de acordo com o comunicado da ANS, a retirada cirúrgica de bebês do útero antes que tenham atingido a completa maturidade fetal é grave, pois estudos demonstram que fetos nascidos com menos de 40 semanas têm o dobro de chances de desenvolver problemas respiratórios graves e, em conseqüência, necessitar de internação em UTI neonatal.

Além disso, as chances de a mulher sofrer uma hemorragia ou infecção no pós-parto também são maiores em caso de cesárea, existindo ainda um risco aumentado de ocorrerem problemas em futuras gestações, como a ruptura do útero e o mau posicionamento da placenta. Marcos Vinicius Chiaretto também lembra que a cesariana, por ser mais agressivo ao útero, não é indicada mais do que três vezes, limitando o número de filhos daquela mulher.

Um consenso da Sociedade de Ginecologia do Paraná -Sogipa sugere que os médicos esgotem todos os argumentos a favor do procedimento normal, antes de cogitar o parto cesariano. O gineco-obstetra Antônio Alídio Vannucchi, enfatiza que, salvo algumas exceções, não se tem como saber se uma gestante vai ter parto normal ou não. Essa definição só ocorre na evolução do trabalho de parto. Entre outras vantagens do procedimento natural, ele cita a recuperação da mãe, que pode ir para casa e fazer exercícios, normalmente, no dia seguinte. ?Na cesárea, a cicatrização pode levar algumas semanas e a recuperação definitiva da mãe, em torno de dois meses?, salienta o médico, observando que o bom senso é fundamental para que o parto se torne uma boa lembrança para todos, afinal, existe um desejo comum: que tudo corra bem e que a criança nasça sadia.

Parto humanizado

De acordo com Michel Odent, autor do livro "A cesariana", as condições ideais para um parto normal são as seguintes:

Intimidade, segurança e apoio emocional o melhor que o médico pode fazer para favorecer um processo involuntário é conhecer e criar condições ideais para que ele se produza naturalmente.

Ambiente e acomodações apropriadas as luzes, os ruídos, o frio, um ligar pouco apropriado interferem na hora do parto, por isso um ambiente o mais aconchegante possível é essencial.

Liberdade de manifestação e movimentos

A parturiente deve se manter na posição que mais lhe agrada. Estudos confirmam que a posição mais indicada é a vertical. Também deve estar a vontade para se manifestar seja, chorando, gritando ou comemorando.

Assistência profissional respeitosa o papel do médico e sua equipe é de apoio, ajudando a mulher a utilizar seus próprios recursos para dar à luz e aplicar os procedimentos obstétricos quando necessário. Nesse ato, a mulher é a protagonista principal.

Procedimentos naturais

O médico deve favorecer, cuidando para que na hora do parto o mínimo de estresse atinja a paciente. Mudanças de postura, banhos quentes, massagens e conforto podem ajudar.

Intimidade e acolhimento

Mães e bebês devem estar juntos depois do parto e a todo o momento, para estreitar o vínculo entre ambos.

Tudo pela mãe e seu filho(a)

A Organização Mundial da Saúde recomenda que toda mulher tenha o direito fundamental de receber atenção pré-natal apropriada e manter um papel central em todos os aspectos dessa atenção.

* Não existe justificativa em nenhum país para que mais de 15% dos partos sejam por cesáreas.

* Não existem provas de que só cesarianas sejam indicadas para as mães que já tiveram filho por esse procedimento.

* Os exames realizados durante pré-natal não são garantia se sucesso sobre o resultado do parto.

* A indução ao parto deve se limitar a determinadas indicações médicas.

* Deve-se incentivar a mulher a caminhar e deixá-las decidir livremente a posição que mais lhe convier durante o parto.

* O bebê deve permanecer com a mãe quando assim lhe permitir o estado de ambos.

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