Pesquisa mostra que acupuntura é calmante no combate à dor

A acupuntura tem efeito ansiolítico semelhante ao proporcionado pelas chamadas drogas benzodiazepínicas, comumente prescritas por neurologistas e psiquiatras para aliviar a sensação de ansiedade. O médico veterinário, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Eduardo Cole, comprovou que a acupuntura chega a ter 72% do efeito calmante do benzodiazepínico. As drogas dessa classe mais comuns no mercado são Valium e Lexotan.

É a primeira vez que se comprova cientificamente o efeito ansiolítico da técnica milenar chinesa baseada na aplicação de agulhas na epiderme para tratamento de diversas doenças. A conclusão é produto de seus estudos conduzidos durante o curso de doutorado. A tese será defendida no mês que vem. As descobertas de Cole podem produzir um efeito transformador na medicina, quando difundidas e aceitas. A teoria da medicina tradicional chinesa diz que os pontos específicos onde as agulhas são inseridas são conexões com vias de energia, os meridianos. Como essas vias de energia correm pelo corpo, a acupuntura ajudaria a manter o fuxo energético natural.

A explicação teórica para um tipo de tratamento que promete a cura de doenças e o alívio de sintomas como a dor talvez explique a reserva com que é vista pela classe médica, ainda que seja reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), desde 1995. A literatura internacional, por exemplo, registra controvérsias sobre a eficácia da terapia. Preconceitos e desconfianças científicas à parte, a acupuntura foi incluída como modalidade terapêutica pela Associação Americana de Medicina e pela Associação Brasileira de Cefaléia.

Único médico veterinário do Brasil a tratar dos males de cães e gatos com a técnica chinesa, Cole explica que seu interesse pela acupuntura surgiu devido ao que chamou de “visão limitada” da alopatia. Ao diagnosticar sua insatisfação com os métodos tradicionais de tratamento, ele fez curso de especialização em acupuntura, em 1995. Suas especializações anteriores eram a medicina veterinária e a neurologia animal. “A alopatia não deixa que o médico veja o paciente de uma forma holística”, conta o veterinário. Ele só foi aceito no curso porque tinha mestrado, já que em princípio, alegaram os responsáveis pelo curso, a técnica é destinada ao alívio do sofrimento humano.

Foram dois anos de curso até que, por conta própria, ele foi para o Rio de Janeiro, fazer a carga horária prática com o responsável por introduzir a acupuntura para animais no Brasil, o médico veterinário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), Tetsuo Inada, hoje aposentado. “Há pelo menos 30 anos ele pratica a acupuntura veterinária no país”, conta Cole que se autodefine como único discípulo do professor Inada.

Para especializar-se em acupuntura, em nível de doutorado, Cole foi aceito por um professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFCE), que o orientou em sua tese sobre distúrbios da ansiedade. Ao usar um modelo animal com camundongos, do labirinto elevado em forma de cruz, Cole comprovou que a acupuntura diminui a ansiedade. A terapia chinesa apresentou 72% do efeito ansiolítico das drogas benzodiazepínicas.

Uma terceira conclusão do veterinário, ainda em fase de comprovação, tem a ver com as áreas do Sistema Nervoso Central (SNC) afetadas, no tratamento. Além do sistema opióide, responsável, entre outras sensações, pela dor, há outro sistema envolvido no uso do tratamento, o gabaérgico. Gaba é um neurotransmissor que atua como receptor e com função inibitória. Quando a droga benzodiazepínica é administrada, por exemplo, seu princípio ativo se liga a duas subunidades do receptor Gaba, produzindo o efeito ansiolítico. “Nos experimentos que fiz, comprovei que o sistema gabaérgico também está envolvido na acupuntura”, afirma Cole.

O modelo com o qual ele trabalhou se baseia numa regra básica: encarar a ansiedade como uma resposta inadequada frente a uma situação hostil. O labirinto elevado em forma de cruz é uma aparato em acrílico com duas passarelas perpendiculares uma a outra. Há duas paredes na passarela horizontal bem no ponto em que as passarelas se cruzam. A passarela vertical é livre. Colocados no ponto central, os camundongos procuram a passarela fechada porque se sentem protegidos em locais fechados, já que em seu habitat natural vivem em tocas.

Ao receber substância que suprime o medo, como os benzodiazepínicos, o animal explora os braços abertos da cruz. “Ou seja, toma atitude, passa a ter poder de decisão”, explica o veterinário. Cole separou os camundongos do teste em três grupos, um que tomou a droga de efeito ansiolítico, outro que foi tratado com acupuntura e o grupo controle que tomou uma solução fisiológica sem efeito, chamada placebo.

Com os camundongos, o veterinário viu repetir-se o que já presenciou várias vezes em seu consultório do Hospital Veterinário da UFRPE. Alguns praticamente dormiam, devido o poder calmante da acupuntura. Agora, Cole quer concluir a pesquisa para comprovar cientificamente o envolvimento do sistema gabaérgico no tratamento com acupuntura. Ele acredita que leve pelo menos mais cinco anos se debruçando sobre o tema.

O estudo do veterinário Cole serve para extrapolar a situação vivida pelos camundongos para os seres humanos. “Pela analogia de atitudes e posturas que o ser humano também tem”, explica. Ele, no entanto, adverte para o fato de que o tratamento em seres humanos pode ter resultados variados porque a própria ansiedade humana é diferenciada, quase que personalizada. Não saber lidar com determinadas situações pode gerar uma insegurança incontrolável até se configurar um quadro de ansiedade, que, em outras palavras, é o próprio medo. O pânico está relacionado com esse quadro já que é o medo exacerbado, em níveis muito altos. “Cada ser humano reage diferente às situações do dia-a-dia”, observa Cole.

Por isso mesmo, não há um modelo matemático para medir o nível de ansiedade em humanos. O parâmetro de diagnóstico usado no Brasil é o que preconiza a Sociedade Americana de Neurologia, desde 1994. “Quando o paciente procura por tratamento é porque a ansiedade é patológica”, registra. Nessa fase, quando o distúrbio é considerado doença, sintomas orgânicos também se manifestam, tais como dores inexplicáveis em pontos distintos do corpo, transpiração aumentada, desmaios, taquicardia, diarréia etc.

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