Os soldados da Polícia Militar Avimar do Carmos Rios, 35 anos, e Ânderson Alberto Ribeiro, 32 anos, dividem a mesma enfermaria do Hospital do Trabalhador – um dos principais centros de atenção ao trauma de Curitiba. Eles estavam juntos também no dia 28 de dezembro, em uma ronda policial que ficará marcada para sempre em suas carreiras dentro da corporação. Companheiros de trabalho, Avimar e Ânderson saíram em perseguição a ladrões que dirigiam um carro roubado, quando colidiram de frente com um caminhão.
O acidente foi tão forte que destruiu a viatura con-duzida por A-vimar. Os dois tiveram politraumatismo e, como perderam muito sangue no acidente, deram entrada no hospital com sepse (infecção generalizada). Um mau prenúncio, já que o Brasil, ao lado da Malásia, é campeão mundial em número de mortes por esse motivo, com 250 mil óbitos por ano. No entanto, os soldados deixaram de fazer parte dessa estatística. Seus quadros infecciosos, apesar de grave, não evoluíram para a falência múltipla dos órgãos porque a doença foi identificada e combatida precocemente, por meio da série de intervenções que integram o pacote do Programa de Otimização do Tratamento da síndrome Séptica (POTSS), que em 100 dias salvou 28 vidas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de quatro hospitais públicos do Paraná. O sucesso da iniciativa tem levado a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) a expandir a abrangência do programa para outros hospitais estaduais.
Menos mortes
A doença, que afeta por ano 400 mil pessoas no País, tem um custo anual de R$ 17 bilhões ao sistema hospitalar – sendo que R$ 10 bilhões são gastos com pessoas que acabam morrendo. Os dados são do Ilas (Instituto Latino Americano de Sepse). Felizmente, Avimar e Ânderson se reencontraram há uma semana, depois de permaneceram por mais de 30 dias internados em UTI. Os dois têm recuperação satisfatória na mesma enfermaria onde recebem visitas e, principalmente, muitos telefonemas de amigos e parentes – pessoas que dividem com eles a emoção pelos difíceis momentos que vivenciaram. Também colegas de trabalho, que se surpreendem com a recuperação dos dois e se apóiam na esperança de ver os companheiros voltando à ativa.
O foco do programa paranaense é um pacote de tratamento que associa o pronto-atendimento ao paciente, medicação adequada e o emprego de terapias padronizadas, de acordo com o que preconiza os organismos internacionais. Segundo o médico Álvaro Réa Neto, diretor dos centros de terapia intensiva do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a redução da mortalidade por sepse foi comprovada por um estudo epidemiológico, que durante cem dias acompanhou 180 pacientes graves internados nas UTIs dos hospitais de Clínicas e do Trabalhador, em Curitiba, do Hospital Universitário de Londrina e do Hospital Regional de Cascavel.
Nesses centros de saúde, o índice médio de morte por sepse diminuiu de 64% para 48%. ?A taxa de mortes ainda é alta. Há vários pontos que ainda precisam ser contemplados, como a conscientização da população e a capacitação dos médicos dos postos de saúde, principalmente da periferia?, alerta Réa Neto. De acordo com o diretor, nove das dez etapas que formam o programa já estavam disponíveis no atendimento de saúde pública, mas eram mal empregadas, apenas a introdução de uma nova droga, a Alfa trotricogina, representa novos custos à saúde pública. ?Essa droga faz parte do último estágio do tratamento, só é usada em casos extremos, depois que todas as outras etapas se esgotarem?, frisou, salientando que apenas 15% dos pacientes precisaram da droga.
Programa exportado
Para Réa Neto, o primeiro e mais importante passo do programa é o diagnóstico rápido da síndrome. Os pacientes chegam ao pronto-socorro com algum sintoma de infecção e são tratados para aquele problema específico. ?Somente depois de quatro a seis horas se diagnosticava a sepse?, reconhece. Com efeito, quanto mais cedo o médico identificar a sepse e encaminhar o doente para um hospital referenciado, maior é a chance de sobrevivência. ?Muitos doentes que chegam ao hospital com sepse vêm dos postos de saúde, onde os médicos não a identificaram?, lamenta o especialista.
A maioria dos recursos, com exceção da nova droga, já está direcionado. Só que agora estão dentro de um protocolo bem definido, que é a base dos tratamentos avançados em todo o mundo. ?Apenas melhoramos sua utilização e incluímos a nova medicação como mais uma alternativa?, comentou Luiz Fernando Ribas, diretor da Central de Medicamentos do Paraná.
O modelo do Paraná começa a ser ?exportado? para outros estados. Em Brasília, por exemplo, a rede pública começa se organizar para implantar um programa semelhante envolvendo profissionais de todas as unidades dos hospitais no combate à doença, redução do tempo de internação em UTI e dos gastos com tratamento.
A sepse em números
1.400 – vítimas de sepse morrem por dia no mundo.
1 em cada 2 – pacientes brasileiros internados em UTIs morrem pela doença.
2/3 – dos pacientes dão entrada no hospital com a doença.
R$ 17 bilhões – são gastos anualmente com o tratamento da sepse no Brasil.
R$ 8,5 bilhões – são gastos com as vítimas fatais da doença.
Sinais e sintomas
* Falta de ar
* Pele roxa.
* Queda na pressão
* Manchas na pele
* Sonolência
* Dificuldade para urinar
* Aumento da freqüência de pulso
O pacote de tratamento
* Soro em quantidade adequada para aumentar a pressão arterial.
* Ventilação artificial.
* Antibioticoterapia desde o início do tratamento.
* Monitoramento dos índices de glicemia do paciente para prevenir a hiperglicemia.
* Administração do medicamento alfadrotrecogina ativada (proteína C).


