Os sons do sono

A sociedade moderna surpreende continuamente. Além de produzir uma grande quantidade de poluição sonora ambiental, como as motocicletas que varam as madrugadas curitibanas, ainda causa uma grande quantidade de ruídos nos mais íntimos recônditos domésticos. Não, neste artigo não vamos tratar dos efeitos do Xenical!

Você sabia que metade dos homens de meia-idade, aqueles ali pela faixa dos 50 anos, tem um real perigo da apnéa? Apnéas são paradas na respiração que ocorrem nos roncadores, e que podem durar de poucos segundos até quase um minuto inteiro. Já há muitos anos se sabe que trazem reais prejuízos à saúde, causando desde hipertensão arterial até sonolência diurna e muitos dos sintomas que as pessoas associam com humor depressivo, como desânimo, dificuldades com a memória e a iniciativa. Muitos roncam tão alto que seus filhos e esposas fazem piadas. Mulheres também roncam e tem apnéas, embora estatisticamente sejam a metade dos homens. Em torno de 25% do total das mulheres, comparados com os 50% dos homens, roncam muito. A queixa mais comum destas pessoas é cansaço durante o dia, além, é claro, das zombarias dos que tem que ouvir seus ruídos noturnos.

A medicina tem médicos dedicados ao sono desde a década de 60, iniciando pela Stanford University, na Califórnia, perto de San Francisco. Tecnicamente, são neurologistas que fazem uma subespecialidade em neurofisiologia clínica, e fazem os estudos de sono como parte de suas atividades relacionadas com o eletroencefalograma. O primeiro laboratório de sono de Curitiba começou a operar no meio da década de 90. Nestes laboratórios, pacientes dormem ligados a fios na cabeça, no rosto, no abdômen, dedos e pernas, monitorizados no que se chama uma polissonografia. A investigação destes pacientes inclui um exame clínico completo, exames de sangue, cardíacos, pulmonares, e uma endoscopia das vias aéreas superiores, faringe e traquéia. A investigação deve ser cuidadosa, pois os tratamentos são dramáticos. Os roncadores apneicos acabam recebendo orientação de perder muito peso, ou de fazer uma dolorida cirurgia na garganta, ou ainda de usar uma máscara que mais parece feita para enfrentar uma guerra química com o Iraque. A máscara encaixa no rosto, e uma corrente de ar pressurizado força o fluxo de ar através da garganta da pessoa.

Jovens também roncam e tem apnéas, porém o problema cresce rapidamente com o avanço da idade, ganho de peso, falta de exercício, todos resultando em flacidez dos tecidos internos do pescoço, que bloqueiam as vias respiratórias. Quando estas pessoas dormem, os músculos relaxam. A obstrução respiratória é semelhante a um engarrafamento por uma queda de barreira na Serra do Mar. Os carros da frente andam mais lento; quem vem atrás começa a buzinar; o ruído aumenta, e, se o problema é realmente sério, o tráfego pára, seja o de veículos no trânsito, ou o fluxo de ar pelas vias respiratórias no pescoço.

A maioria das pessoas que roncam tem as vias respiratórias obstruídas devido a uma flacidez do palato mole, o céu da boca. Ou tem a campainha da garganta, a úvula, muito grande, que cai sob as amígdalas, e fecha o caminho do ar. O resultado é uma vibração desses tecidos, como num trombone ou acordeon.

Para simples roncadores cada noite barulhenta não é muito mais que um incômodo. Mas em um terço dos casos a obstrução do fluxo de ar é suficiente para levar a uma queda grave nos níveis de oxigenação do sangue, que causa uma reação de alerta do sistema nervoso central: a pessoa acorda com o coração batendo rapidamente e a pressão arterial alta. Os casos mais graves acordam a cada parada mais longa, e isto pode ocorrer mais que 50 vezes por hora!! Já há vários anos se sabe que apnéa do sono é um risco para derrames e infartos, como o tabagismo, níveis altos de colesterol e obesidade.

A solução mais correta seria que os roncadores passassem a fazer dieta e exercícios intensamente, corrigindo o excesso de gordura e a flacidez muscular do pescoço. Mas isso raramente funciona, porque as pessoas demoram muito a mudar hábitos de vida como sedentarismo e excesso alimentar. Além disso, alguns roncadores são magros. Daí a necessidade absoluta da investigação clínica, para diagnosticar individualmente cada situação. Além das mudanças de hábitos de vida, os médicos podem sugerir duas rotas de tratamento. Uma cirurgia corta parte do palato mole, o céu da boca, e faz uma plástica da úvula, a campainha, aumentando o diâmetro da via respiratória. A outra saída é o uso do compressor de ar, o CPAP, que sopra o ar para dentro da garganta do freguês. O CPAP, que cria uma pressão positiva contínua, não é um método confortável, barato ou cômodo. Ainda existe a possibilidade de usar aparelhos dentários para mudar a posição da mandíbula. Estes resolvem ainda um outro problema, o bruxismo. Até aumentar o ritmo cardíaco com o uso de um marcapasso pode corrigir a apnéia, embora ninguém saiba porquê.

A cura mais simples é a redução de peso e a reabilitação física dos músculos respiratórios, principalmente no pescoço. Atletas e nadadores, salvo raras exceções, não roncam nem têm apnéas. Esta forma de tratamento também corrige outros problemas comuns nessas pessoas, como diabetes, hipertensão, obesidade, disfunção sexual, distúrbios de colesteterol e de memória.

Tereza Cristina Dias

é técnica de polissonografia e Paulo Rogério M. de Bittencourt é neurologista.
www.unineuro.com.br

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