OMS alerta para crianças com cardiopatia congênita

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de cada mil crianças nascidas vivas pelo menos oito têm problemas no coração (cardiopatia congênita). A estatística não seria problema, se todas elas recebessem o tratamento adequado. Das seis milhões de crianças que nascem por ano no Brasil, em torno de 45 mil tem o problema, mas perto de 25 mil não são operadas. O mais grave é que em 80% dos casos a operação precisa ser realizada até o sexto mês de vida.

As cardiopatias congênitas dividem-se em três grupos. O primeiro é formado por doenças altamente complexas e atinge 20% dos bebês. Se as crianças não forem operadas, 90% morrem antes de completar o primeiro mês de vida. O segundo grupo atinge a maior parte das crianças, 60%, e são consideradas doenças graves. As estatísticas apontam que se elas não forem operadas, 90% morrem durante o primeiro ano de vida. Além disso, a operação precisa ser realizada até o sexto mês, pois, do contrário, a doença vai progredindo e se torna inoperável. Somando com o grupo anterior, isso quer dizer que 80% dos bebês precisam ser operados nos primeiros meses de vida para ter alguma chance de sobrevivência.

O terceiro grupo se refere às cardiopatias mais simples, e atinge os 20% restantes. Se a criança não for operada, nunca vai levar uma vida normal.

Déficit

Vários fatores colaboram para o déficit brasileiro. Um deles é a falta de diagnóstico precoce, já que muitos profissionais não estão preparados para detectar a doença quando ela dá seus primeiros sinais. Os mais evidentes são a cianose (lábios e unhas roxos), cansaço ao mamar, suor freqüente e constante crises de pneumonia.

O alto custo dos exames e da operação também compõem outra barreira. Sem contar a necessidade de se ter um corpo clínico altamente capacitado e um centro cirúrgico com equipamentos adequados, o que deixa o procedimento mais custoso. Uma das cirurgias mais complexas é a de transposição dos grandes vasos da base do coração. Neste caso, o ventrículo direito joga sangue para o pulmão e o esquerdo para o corpo. Eles precisam ser invertidos pelo menos até 15.º dia de vida da criança.

Aliado a tudo isso, está o desinteresse por parte de hospitais particulares, devido ao baixo ressarcimento que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece. Já os hospitais públicos não conseguem atender a toda a demanda, porque perderam a capacidade de investimento. O Hospital Pequeno Príncipe (HPP), em Curitiba, há oito anos conseguia investir 10% do seu rendimento. Hoje, o número caiu para 1%. Situação que é comum em todos os hospitais brasileiros, devido à falta de reajuste na tabela do SUS. No HPP, 70,81% dos pacientes são do SUS. Por uma consulta especializada, o sistema de saúde paga R$ 7,50, enquanto que a tabela da associação médica recomenda R$ 50.

Mesmo assim, o atendimento no HPP coloca o Paraná em uma situação diferenciada de outros estados. Graças a ele, o déficit é bem inferior a média do País, caindo para 29%. Mesmo assim, existem 400 crianças na fila de espera; os casos mais graves são atendidos primeiro. O hospital é o que mais faz operações desse tipo no Estado, e agora está trabalhando para ampliar o atendimento.

Entre os outros estados, o Acre apresenta a situação mais escandalosa. O déficit chega a 93%: só 7% das crianças são operadas. Essa também é a média de toda a região Norte do Brasil. A melhor média do País fica no Sul, 46%, depois vem o Sudeste e o Centro Oeste, com 57%, e em seguida o Nordeste com 77%.

Segundo o chefe do setor de cirurgia cardíaca do HPP, Fábio Sallum, os dados foram apresentados ao Ministério da Saúde, que ficou bastante sensibilizado com a situação. Agora está sendo estudada novas formas para ampliar o número de atendimentos, aproveitando as estruturas e o pessoal capacitado que já atua na área, através da ampliação e criação de centros de referência. Mas ainda não se sabe quando o Ministério da Saúde vai começar a investir nessa área.

Sallum , por outro lado, cobra investimento da iniciativa privada. “Quem tem dinheiro para investir em saúde são os mais ricos. Mas eles pagam plano de saúde e acham que está tudo resolvido. No entanto, quando precisam de uma operação, vão ter o mesmo atendimento dado a maioria da população”, comenta.

O Estado de São Paulo já está trabalhando para melhorar o seu índice. Segundo a cardiologista e primeira secretária da Sociedade de Cardiologia de São Paulo, Ieda Jatene, no estado, por ano, aparecem 350 mil novos casos, e praticamente só a capital realiza os procedimentos. Eles estão desenvolvendo um plano piloto, onde as cardiologias mais simples devem ser atendidas em cidades do interior e os casos mais complexos encaminhados à capital. Para colocar o plano em prática, espera-se capitar recursos junto à indústrias ligadas ao setor.

Angelo, uma lição de vida e esperança

Angelo Patrick Rocha dos Santos, de 1 ano e sete meses, foi operado há cerca de duas semanas. Ele tinha quatro problemas no coração (tetralogia de Fallot). O diagnóstico só foi descoberto quando ele tinha 8 meses. Além da identificação tardia, ele ainda enfrentou seis meses de espera para realizar os exames pelo Sistema Único de Saúde.

Antes não conseguia andar sem amparo. Esta semana, porém, deu seus primeiros passos sem ajuda. “Agora ele vai poder acompanhar os irmãos nas brincadeiras no quintal”, comenta a mãe, Marinalva Rocha, 25 anos.

A mãe conta que procurou o médico porque o bebê tinha com freqüência alergia do calor. Ela acabou relatando também que o filho tinha muito cansaço para engatinhar e não apresentava o mesmo desempenho que crianças da sua idade. Além disso, apresentava sinais de cianose (lábios e unhas roxo).

A mãe foi alertada sobre o possível problema e começou a correr atrás dos exames. Quando o diagnóstico ficou pronto, o menino foi encaminhado para Hospital Pequeno Príncipe e logo atendido. Agora, Marinalva está esperando a alta para retornar para Mandagaçu, cidade que fica perto de Maringá. Angelo conseguiu esperar pelo atendimento, mas segundo o chefe do setor de cirurgia cardíaca do HPP, Fábio Sallum, outras crianças podem estar morrendo sem que a doença seja diagnosticada. (EW)

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