O teste da plástica

A empresária Cristina Lopes, de 42 anos, decidiu fazer uma plástica de abdômen logo depois do fim de seu casamento. Levou um susto quando o cirurgião plástico Paulo Robert Leal recusou a sua solicitação, alegando que ela não deveria trocar uma barriguinha mínima por uma cicatriz do tipo cesariana:

– Ele tinha toda razão. Eu estava chateada com minha vida afetiva e botei a culpa na barriga. Hoje estou ótima e minha barriga não me incomoda nem um pouco.

Cristina é um dos exemplos mais comuns de plástica contra-indicada. O professor Ivo Pitanguy, pioneiro na avaliação psicológica de pacientes, trabalha em parceria com sua filha, a psiquiatra Gisela Pitanguy, e ensina que, mesmo quando há indicação objetiva – uma mulher de meia-idade, com rugas e seios caídos -, a operação não deve ser feita se o paciente demonstrar instabilidade emocional:

– Uma mulher que acha que a plástica vai salvar o seu casamento em crise não deve ser operada. A frustração será inevitável, porque a cirurgia não resolverá seu problema conjugal. O casamento acabará e ela culpará o cirurgião pela perda do marido – diz Pitanguy.

Cirurgias podem agravar problemas emocionais

De acordo com a intensidade da instabilidade emocional, a cirurgia pode ser apenas adiada, durante um período em que o paciente vai ser atendido numa terapia para reavaliar as suas expectativas com a plástica:

– Se ela entende que seus problemas essenciais são de ordem emocional e decide enfrentá-los, a cirurgia pode ser adiada para um momento mais apropriado, no qual trará resultados realmente benéficos – comenta Gisela.

Há casos mais complexos em que a cirurgia, apesar de indicada, pode revelar ao paciente problemas emocionais muito mais graves que uma deformidade física. Nesse caso, a operação também não é indicada. Um exemplo desse tipo foi um paciente atendido por Gisela Pitanguy com a queixa de que tinha um nariz grande demais. A psiquiatra fez várias sessões de avaliação psicológica e detectou que ele tinha problemas sexuais graves, camuflados pela queixa sobre o nariz. Ao corrigir o nariz, a cirurgia levaria o paciente a se defrontar com problemas que talvez ele não suportasse. A prioridade, nesse caso, seria uma psicoterapia.

Mas o cirurgião pode ser enganado pelo paciente. O próprio Pitanguy, com toda a sua experiência, admite que já errou duas ou três vezes e depois enfrentou os problemas da má indicação:

– Um esquizóide pode se fingir de paciente ideal e enganar o médico. Os esquizóides são ótimos atores e o cirurgião não é Deus.

Foi uma paciente desse tipo que levou o cirurgião plástico José de Gervais a montar uma equipe de psicólogas para atender todas as suas pacientes. Chefe da 11a. Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia (de cirurgia plástica e de mãos), Gervais diz que fez uma plástica perfeita no abdômen de uma cliente e, em seguida, seu marido foi embora, a pretexto de que não suportava a cicatriz da cirurgia. Ela passou a acusar Gervais de ter destruído a sua vida:

– Ela me hostilizou muito, durante vários meses. Não chegou a fazer uma representação contra mim no Cremerj, mas conheço muitos casos em que as pacientes querem destruir o cirurgião.

A paciente levou, segundo ele, quase um ano para entender que Gervais não foi o responsável pelo seu fracasso conjugal:

– Hoje, somos amigos. Ela está feliz com sua vida e com sua barriga. Mas decidi trabalhar no consultório com as psicólogas da minha equipe da Santa Casa. Em 95% dos casos, as mulheres operam para ficar mais bonitas. Mas de 1% a 5% querem culpar alguém de alguma coisa – diz.

Uma das psicólogas da equipe de Gervais, Zélia Correa, diz que o atendimento a todas as suas clientes as ajuda a diminuir a ansiedade com a cirurgia:

– As que estão vivendo momentos de crise, muitas vezes, só de discutir o problema aliviam a dor e reconhecem que não é o momento para uma plástica – diz Zélia.

Para o cirurgião plástico Paulo Roberto Leal, o trabalho rotineiro com psicólogas é desnecessário, porque o número de pacientes contra-indicadas é insignificante:

– A maioria das pacientes é bem informada e sabe o que quer. O caso de Cristina é exceção.

Mas nem todos têm tantos problemas com a auto-imagem. Pitanguy cita o exemplo de um paciente com um nariz desproporcional que o procurou só para se livrar de uma cicatriz mínima na perna:

– Felizmente, a maioria é como esse rapaz e se acha melhor do que realmente é. Eu, por exemplo, me tolero muito bem – brinca.

Cirurgiões revelam o perfil
dos que não devem ser operados

Brasil é o segundo lugar em plásticas

O Brasil é o segundo país do mundo que mais faz cirurgias plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos. Dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (Isaps) mostram que, em 2000, foram feitas 66.090 plásticas no Brasil e 143.676 nos EUA. O cirurgião plástico brasileiro Volney Pitombo diz que, segundo pesquisas, 70% desses americanos buscam adquirir qualidade de artistas de Hollywood. No entanto, Pitombo mostrou no Congresso Internacional de Cirurgia Plástica, em São Paulo, na semana passada, que se uma mulher copia os olhos da Sharon Stone, a boca da Julia Roberts ou o nariz de Nicole Kidman pode se tornar um mostro. Esse tipo está entre os seguintes perfis psicológicos contra-indicados pelos médicos para a plástica:

EMOCIONALMENTE INSTÁVEIS: São pessoas que estão vivendo um conflito momentâneo – uma separação, um problema profissional – e procuram um cirurgião para tentar sair da crise.

PESSOAS DEPRIMIDAS: Pessoas que perderam o marido ou emprego vivem uma depressão que a plástica sozinha não vai resolver. É preciso o apoio de uma psicoterapia.

OS QUE USAM A PLÁSTICA COMO DEFESA: Pessoas que concentram numa deformidade problemas emocionais mais graves, de relacionamento, por exemplo, que não conseguem enfrentar.

OBCECADOS COM O CORPO: Pessoas que fazem do corpo um objeto de choque. Querem fazer lifting, lipoaspiração, plástica de mama. Os danos ao corpo não importam.

COM IDENTIDADE EM CRISE: Pessoas que querem ter outra cara, porque vivem crises de identidade e de auto-estima.

COM DESEJO DE AGRADAR: Pessoas que querem fazer plástica para agradar aos pais ou ao cônjuge.

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