Modernidades que confundem (I)

A ciência e a tecnologia têm propiciado à Medicina extraordinários recursos para diagnóstico e tratamento de múltiplas doenças que acometem o ser humano.

Como ocorre em outras atividades, à medida que surgem os avanços de ordem técnica, proporcionando confortos, encurtando distâncias, surgem defeitos e insatisfações. Dois exemplos de ordem prática: 1.º – As minúsculas máquinas calculadoras condicionaram verdadeiro abandono da tradicional e útil tabuada; 2.º – As viagens aéreas: há alguns anos, não muito distantes, uma viagem de Curitiba ao Rio de Janeiro, então capital da República, era tão demorada, que condicionava reunião familiar de despedida, face a quase impossibilidade de previsão do retorno. Nos dias atuais, a mesma viagem à Cidade Maravilhosa, cuja beleza nem mesmo a insegurança consegue macular, é realizada em apenas uma hora e dez minutos, acrescido o tempo nos aeroportos de partida e de chegada. É possível efetuar os negócios almejados e retornar no mesmo dia, freqüentemente reclamando das condições de transporte e do tempo empenhado.

A impaciência na utilização dos meios, quase miraculosos, à disposição da Medicina, afeta, a um tempo, profissionais e pacientes.

Com muita freqüência, determinados pacientes, instruídos pelos meios de comunicação, ou em seu relacionamento social, chegam ao médico para consulta, opinando sobre exames que deseja realizar: “Doutor, eu vim à consulta porque acho que o meu caso requer uma tomografia computadorizada, ou uma ressonância magnética, etc…

Qual deve ser o comportamento do médico em tal situação?

Sem qualquer gesto de rejeição às pretensões do doente, procede adequadamente o levantamento do diagnóstico, mediante a avaliação dos sinais e sintomas. Em seguida, explica ao paciente, em linguagem inteligível ao mesmo, a sua real situação e informa sobre a necessidade de exames complementares, que até podem ser aqueles que manifestara no início da consulta.

A história do doente e todos os seus antecedentes têm grande significação para o diagnóstico. Quem vai à consulta médica está condicionado por algum sofrimento, ou preocupação, e deseja “desabafar”. Para ele, o seu problema é o maior do mundo. Por isso, é necessário ouvir atentamente as suas queixas, que podem e devem ser complementadas por meio de um interrogatório que permita ao médico levantar dados omitidos pelo doente, involuntariamente, por esquecimento, ou por não saber avaliá-los.

O relato do paciente e todas as informações obtidas mediante orientação, assim como dados familiares, tipo de trabalhos executados, residência atual e anteriores e suas condições, constituem o que em Medicina denomina-se anamnese, expressão de origem grega: ana, que significa de novo, mnesis, ou mnesia que significa memória. Daí o conhecido termo amnésia, que significa ausência, ou perda da memória.

Na verdade, anamnese significa reminiscência, recordação.

A anamnese bem feita e o exame físico do paciente propiciam ao médico elementos capazes de firmar o diagnóstico ou, ao menos, uma suposição diagnóstica. Quando não reúne elementos suficientes para um diagnóstico efetivo, recorre aos exames complementares. A própria denominação caracteriza a condição de complemento. Ou seja, os exames solicitados, sejam de laboratórios de análises clínicas, sejam do sistema de imagens: raios X, ultra-sonografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada, eletrocardiograma, cintilografia, etc.

Por outro lado, a solicitação de exames aleatoriamente pelo médico constitui verdadeiro desperdício. Os exames complementares devem complementar o trabalho de pesquisa realizado durante a consulta. Jamais para substituir um exame correto, criterioso, conseguido mediante um ritual, a começar pelo aperto de mãos, que pode proporcionar ao médico algum sinal útil ao diagnóstico, como temperatura, umidade, tremores, etc.

Mais importante do que os requintados recursos tecnológicos para o diagnóstico e tratamento, certamente, é o aconchego, o calor humano, o carinho dispensados pelo médico ao paciente, fatores que máquina alguma é capaz de transmitir. Evidentemente, o relacionamento médico-paciente é enriquecido e mais eficaz quando se lhe acrescenta a precisão de equipamentos de alta sensibilidade.

O professor Luiz Decour, um dos mais renomados clínicos de todos os tempos, em recente entrevista enfatizou a importância de se colocar o paciente em primeiro lugar. Ele não dispensa os recursos proporcionados pela ciência e pela tecnologia, mas prioriza a atenção e o carinho ao semelhante que, no relacionamento médico-paciente, é o ser fragilizado pela doença. Por isso mesmo, digno e merecedor de todas as atenções.

O descuido desses conceitos tem sido alvo de comentários no mundo ocidental. Não é exclusividade do Brasil. Mas aqui, como decorrência de descompassos governamentais, a profissão médica vem se ressentindo consideravelmente. Contudo, a Medicina em nosso País equipara-se às melhores do mundo, enquanto que a profissão médica não recebe o correspondente conceito. Muitos fatores estão presentes e são causadores de insatisfações bilaterais: dos médicos e certamente de todos os profissionais da área de saúde, porque precisam dispender esforço sobre-humano para conseguir uma vida digna, para si e para os seus dependentes; e dos doentes, que nem sempre recebem atendimento satisfatório que, de direito, lhes é devido.

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