Dermatologista estuda acidentes provocados por peixes

Brasília

– Símbolo da expansão de São Paulo, o rio Tietê (do tupi-guarani: “rio verdadeiro”), nasce em Salesópolis e deságua no rio Paraná, ao oeste do estado e corre em direção contrária à Serra do Mar, atravessando, ao longo de seus 390 km, todo o estado. É neste cenário que se dá o estudo do médico dermatologista Vidal Haddad, professor da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus de Botucatu, que pesquisou os acidentes provocados por peixes em colônias de pescadores situadas às margens do rio. “Essas comunidades podem despertar o interesse de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, não só pela sua localização, mas principalmente por preservarem seus valores e tradições durante anos”, diz Haddad, do Departamento de Dermatologia e Radioterapia.

O projeto, que inicialmente visava complementar o Atlas de Animais Aquáticos Perigosos do Brasil, escrito por ele e lançado em 2000, chamou a atenção do professor para outros aspectos interessantes sobre as comunidades ribeirinhas visitadas. Auxiliado pelo médico Euclides Denardi Jr., formado pela FM, ele encontrou colônias, praticamente esquecidas pelas autoridades, que mantêm um estilo de vida primitivo e de baixa qualidade.

As populações ribeirinhas vivem em função do rio: os homens pescam, as mulheres limpam os peixes e os idosos exercem atividades que exigem menos esforço físico, como tecer redes. “Algumas dessas colônias conservam características únicas, preservando hábitos e costumes de cerca de 100 anos atrás. A estabilidade dessas comunidades, nas quais o ofício é passado de pai para filho, facilitou a análise das mudanças da fauna e dos acidentes causados por animais ao longo do rio”, diz Haddad.

O trabalho, realizado em sete colônias com 52 pescadores, mostrou que os principais peixes causadores de ferimentos variam de acordo com a região estudada. Nas quatro colônias iniciais estudadas (localizadas em Anhembi, Botucatu e Ibitinga), os acidentes são causados principalmente por mandis. Estes peixes têm ferrão venenoso e o ferimento causado por eles pode incapacitar o pescador por cerca de 24 horas.

Vivendo de maneira primitiva, essas colônias desconhecem algumas medidas simples de prevenção e tratamento de acidentes ocorridos durante a pesca e acabam usando alternativas populares. Esfregar o olho ou o limo da pele do mandi no local, friccionar pinga ou álcool nos cortes e até urinar no ferimento são alguns dos métodos empregados. O tratamento ideal da maioria dos acidentes, no entanto, é feito apenas com a imersão do membro afetado em água quente. “Por meio de prevenção e da informação, conseguimos reduzir a zero os acidentes com mandis. Aconselhamos os pescadores a recolher os ferrões desses peixes, que normalmente são jogados no chão do barco e dos ancoradouros. Também explicamos os cuidados necessários para retirar os animais dos anzóis ou redes”, conta Haddad.

No baixo rio Tietê (a partir de Piraju e Nova Horizonte), os casos mais freqüentes são de ferimentos por piranhas. Os pescadores normalmente são mordidos ao retirar o peixe do anzol ou das redes, que é o tipo de pesca mais comum nessas colônias. A instalação das hidrelétricas causou o represamento das águas nesse trecho do rio, fazendo com que a correnteza diminuísse e as águas ficassem mais calmas. “Isso possibilita a proliferação de piranhas, corvinas de água doce e acarás”, explica Haddad.

As arraias de água doce, responsáveis por ferimentos graves causados por ferrões venenosos, também estão chegando ao Tietê, vindas do rio Paraná, exatamente onde se formam regiões alagadas, que atraem turistas para se banhar. Enquanto isso, escasseiam os peixes considerados nobres, como os pintados, dourados e pacus, e os pescadores têm que se adaptar à falta deles. “Vender 60 filés de acará, que é um peixe menos nobre, por apenas R$ 1,00, foi uma das alternativas encontradas por esses pescadores para suprir suas necessidades”, diz o professor.

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