Considerações sobre a criopreservação de espermatozóides em pacientes com neoplasias

Os tipos de câncer que mais comumente afetam pacientes do século masculino em idade reprodutiva são: câncer de testículo, doença de Hodgkin e leucemias.

Uma abordagem multisciplinar nos últimos anos indica que os portadores de neoplasias, especialmente crianças e adolescentes, alcançaram significativos índices de cura e sobrevida. Entretanto, esses tratamentos, freqüentemente, resultam em infertilidade temporária ou esterilidade permanente.

Vida sexual – A preocupação imediata dos pacientes que conseguem atingir a cura da neoplasia envolve, na maioria das vezes, aspecto sexual e reprodutivo. O relacionamento sexual e a capacidade de gerar seus próprios filhos, seja por métodos naturais ou por reprodução assistida, estimula a valorização do próprio paciente, propicia a comunicação e a interação familiar, ajudando-o a reintegrar-se à sociedade. Dessa forma, torna-se imperativo que o médico, ao estabelecer o diagnóstico ou durante o tratamento desses pacientes, leve em consideração tais aspectos, indicando a criopreservação de espermatozóides antes da quimioterapia, radioterapia ou cirurgia.

Alguns aspectos importantes da infertilidade associada a neoplasias devem ser enfatizados. Inicialmente, existe um tempo muito curto entre o diagnóstico do câncer, o tratamento proposto para curá-lo e a chance de criopreservação (conservação do espermatozóide a frio).

É importante que as amostras criopreservadas sejam usadas com critério, fazendo com que cada tentativa de gravidez seja otimizada com a melhor técnica de reprodução assistida.

Evidentemente, isso depende da qualidade inicial de como o sêmen se comportou frente ao processo de criopreservação/descongelamento.

Gravidez – Existem relatos de casos esporádicos de gravidez com inseminação intra-uterina simples, entretanto, devido à qualidade seminal inicial ficar geralmente abaixo dos níveis considerados normais (WHO, 1999) e considerando que entre 30% a 70% dos espermatozóides normalmente sofrem danos subletais ou morrem frente ao processo de criopreservação/descongelamento, é pouco provável que se consiga gravidez com esta técnica.

O profissional responsável pelo banco de sêmen deve ter um comportamento pró-ativo em relação ao paciente, pois cada um se comporta de maneira diferente em termos de criopreservação, mesmo tendo a mesma doença e o mesmo estadiamento.

Deve-se tentar criopreservar o maior número possível de amostras e subdividi-las posteriormente no número maior possível de frascos para serem imersos em nitrogênio líquido, lembrando sempre que com a utilização de técnicas modernas de reprodução assistida são necessários poucos espermatozóides viáveis para a fertilização e o desenvolvimento embrionário normal.

Espermatogênese – A apresentação inicial da qualidade seminal de um homem com história de neoplasias pode variar desde a normalidade (na maioria das vezes), até a oligoastenoteratozoospermia, aspermia e azoospermia não obstrutiva. Deve-se lembrar que esses pacientes podem apresentar outras enfermidades que sejam contributórias ao quadro de infertilidade (Ex.: varicocele).

A terapia do câncer pode ter, como efeito deletério, a perda do mecanismo de emissão e ejaculação anterógrada do sêmen, fato paralelo e adicional aos efeitos diretos da neoplasia ou de seu tratamento sobre espermatogênese. O exemplo mais comum é o câncer do testículo, onde a grande maioria dos homens apresenta-se, inicialmente, com parâmetros seminais anormais antes da administração de terapias gonadotóxicas: e muitos submetem-se a cirurgias retroperitoneais que podem lesar potencialmente os nervos simpáticos que controlam o mecanismo normal de emissão do sêmen e ejaculação.

O tratamento – Com a introdução das técnicas de dissecação retroperitoneal com preservação dos nervos, essas complicações têm se tornado menos freqüentes. A aspermia, devido a falha de emissão, é hoje facilmente tratável. Inicia-se com drogas alfaadrenérgicas como pseudoefedrina, e, no caso de insucesso dessa terapia, a obtenção de ejaculação através de vibroestimulação peniana é, geralmente, bem sucedida.

Aspectos atuais no tratamento de homens portadores de neoplasias envolvem a disponibilidade de sêmen criopreservado, a produção de espermatozóides pelo paciente na vigência de quimioterapia e/ou radioterapia e o risco de transmissão de anormalidades cromossômicas induzidas no espermatozóide pela quimioterapia.

Análises de anormalidades cromossômicas em espermatozóides humanos após quimioterapia, usando-se cariotipagem deespermatozóides e/ou hibridação in situ por método de fluorescência (FISH), mostraram resultados controversos até o momento.

Alguns estudos mostraram maior freqüência de anormalidades cromossômicas em pacientes submetidos a quimioterapia, que persistiu ao longo de meses e até mesmo anos após o tratamento (Robbins W. A. 1995); enquanto outros não mostraram nenhuma diferença. No entanto, esses estudos são heterogênicos, envolvendo pacientes com diferentes tipos de tumor, diferentes tratamentos e diferentes métodos de análise. Daí, a indicação de criopreservar os espermatozóides produzidos nos testículos antes do tratamento complementar.

Caso o paciente volte apresentar espermatozóides produzidos no testículo antes do tratamento complementar?

Caso apresente espermatozóides móveis no ejaculado alguns meses/ano após o término da quimioterapia, porém com qualidade baixa e provavelmente insuficiente para gravidez natural, deve-se usar o sêmen ejaculado ou o criopreservado para reprodução assistida?

Caso já tenha sido iniciada a quimioterapia e não tenha havido indicada a criopreservação prévia, deve-se criopreservar o sêmem do paciente que está recebendo quimioterapia? Até quanto tempo?

São dúvidas que estimulam a discussão e mostram os diferentes aspectos que esta população sofrida de pacientes deve enfrentar mesmo após vencida a batalha inicial de cura do câncer.

Benedito Valdecir de Oliveira

é médico oncologista do Hospital Erasto Gaertner e da Clínica de Neoplasias – Curitiba-PR.

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