Bronzeamento natural x bronzeamento artificial

Todos os anos a Sociedade Brasileira de Dermatologia reserva uma semana de novembro para desenvolver atividades relacionadas com o câncer de pele. O objetivo principal é divulgar medidas preventivas, visando reduzir a extensão de um problema que realmente está atingindo níveis alarmantes. Simultaneamente, em dia determinado, as portas dos hospitais são abertas, permitindo a qualquer pessoa ser atendida por equipes de dermatologistas.

Esse exame populacional em massa resulta na detecção de milhares de casos de câncer de pele, que ainda não haviam sido diagnosticados, e que estavam sem tratamento. É uma campanha meritória, que deve receber apoio tanto das autoridades públicas como da sociedade em geral. Em novembro do ano de 1999, recém-findo, a campanha desenvolveu-se com grande eficiência, de norte a sul do País, com resultados que foram até além das expectativas dos organizadores. Coincidentemente a mídia foi inundada por uma campanha publicitária dos laboratórios farmacêuticos, que divulgaram amplamente seus produtos destinados a proteger a pele dos efeitos nocivos da radiação solar. Isto é compreensível do ponto de vista de marketing mercadológico, pois se a atenção do público estava voltada para o binômio sol x câncer de pele, não iria ser perdida a oportunidade de divulgar produtos que fazem a fotoproteção dessa mesma pele.

Ao mesmo tempo a mídia escrita, falada e televisionada divulgou amplamente notícias alertando a população contra os riscos do chamado “bronzeamento artificial”, obtido mediante uso de equipamentos de raios ultravioleta. Ficou para o público a convicção de que o uso destes equipamentos tem elevada possibilidade de desencadear o câncer de pele. Desse modo, enquanto eram ungidos os fotoprotetores, colocando-os no pólo do bem, foi feita a demonização do bronzeamento artificial, remetido ao pólo do mal. Essas campanhas mercadológicas me incomodam muito, pois não colocam a questão de modo isento. Sobre a limitação do uso de fotoprotetores já escrevi mais de uma vez, alertando para a sensação de falsa segurança que tem os usuários, os quais buscam fatores de proteção 45 ou 60, ou até mais, pensando que adquirem um seguro contra a radiação solar.

Já está provado que a proteção na primeira hora, conferida por um fotoprotetor 15, evita 90% da ação deletéria dos raios solares, como também já ficou provado que ao passar para um fotoprotetor 45 ou 60, esse percentual vai subir um pouquinho, para 97%. E o que é pior, quem pensa que está totalmente protegido não toma outras medidas preventivas, expõe-se mais, acabando por ter o câncer de pele que pensam que estava sendo evitado. Fotoprotetores são bons e necessários – eles fazem parte de meu receituário – mas não são milagrosos. Agora, o outro lado do problema, a questão do bronzeamento artificial. Pode ou não ser feito? É ou não recomendável? Provoca ou não o câncer de pele? Os chamados “banhos-de-luz” estão completando 100 anos de uso, em medicina. Para entender como funcionam, recorde-se que a luz solar, quando decomposta no arco-íris, forma sete faixas de cores diferentes, tendo o vermelho em uma extremidade e o violeta, na outra. Quando se trabalha com equipamentos especialmente projetados, pode-se obter de modo exclusivo qualquer uma das radiações: só a vermelha, ou só a violeta, por exemplo.

Ao se estudar a faixa de luz vermelha, percebeu-se que era essencialmente produtora de calor. Já a faixa violeta é pouco calórica, mas estimula a pigmentação da pele. Percebeu-se também que radiações que estão além das extremidades da luz visível têm estas propriedades até bastante aumentadas. Daí a construção de equipamentos que produzem radiações ditas infravermelhas (calóricas) e outras que fornecem radiações de ultravioleta (pigmentantes). Os banhos de luz infravermelha foram muitos usados pelos otorrinolaringologistas, na primeira metade do século 20, para tratamento de sinusites e otites; também pelos ortopedistas, em vários processos musculares e articulares.

Esse campo evoluiu muito e hoje há equipamentos bastante modernos, que substituíram os antigos banhos de luz. O mesmo se passou com o campo dos raios ultravioleta. Desde o princípio foram utilizados para tratamento de certas doenças dermatológicas, como por exemplo o vitiligo. Avançou-se muito nessa área, desenvolvendo-se técnicas que associam medicamentos e radiação ultravioleta, o que é chamado quimiofototerapia. É o caso do Puva. Essa técnica é de grande emprego, em uma doença muito comum, a psoríase. E seus resultados são bons. Não se pode, portanto, desmoralizar o uso da fototerapia por ultravioleta, em medicina.

O que é preciso, isto sim, é estabelecer normas bem claras para controlar os que operam, neste campo, sobretudo para fiscalizar as chamadas clínicas de bronzeamento. Bem normatizado e controlado, ele poderá prestar seus serviços à população, sem que esta fique exposta a riscos desnecessários. Como em tudo na vida, também aqui é preciso ser judicioso, evitando as atitudes preconceituosas.

Nelson Guimarães Proença

é médico dermatologista, ex-presidente da APM (Associação Paulista de Medicina) e ex-presidente por duas vezes da AMB (Associação Médica Brasileira).

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