As “preocupantes” oscilações do humor

Aqueles que eram anjos, em segundos se transformam em diabos. Aquilo que lhe agrada e faz bem, no próximo instante pode se tornar algo repugnante.

É mais ou menos isso o que sente um portador de doença afetiva bipolar, o comentado transtorno bipolar.

Esse tipo de distúrbio mental é classificado como um transtorno do humor e consiste de alterações intensas e persistentes, geralmente caracterizadas por períodos de depressão e de mania (euforia exagerada, excesso de disposição, gastos e atitudes inconseqüentes).

A doença se diferencia da depressão justamente pela presença de episódios “opostos” aos depressivos, os episódios maníacos. De acordo com os especialistas, cada fase pode durar vários dias, e cada pessoa apresenta um padrão próprio de ciclagem entre elas, oscilando de humor de forma extrema.

Segundo o psiquiatra Roberto Ratzke, professor da Universidade Federal do Paraná, essa alternância de humores faz com que, muitas vezes, o diagnóstico correto seja retardado até o surgimento de algum episódio específico.

“Há pacientes que só apresentam fases de mania, de exaltação injustificada do humor, e mesmo assim são diagnosticados como bipolares”, admite o psiquiatra. A doença geralmente acomete pessoas jovens, de 20 a 30 anos de idade, podendo também ter seu início em idade mais avançada.

Alternância de humor

As causas da doença são desconhecidas. Na maioria dos casos diagnosticados, o paciente apresenta algum familiar com transtorno bipolar. Existem, ainda, fatores que influenciam ou que precipitam seu surgimento, como traumas, incidentes ou acontecimentos importantes, como mudanças de domicílio, troca de emprego, fim de casamento ou morte de pessoa querida.

De acordo com as pesquisas, o transtorno bipolar afeta igualmente homens e mulheres, não havendo diferença na incidência do distúrbio entre os sexos. Na população geral sua incidência é semelhante àquela encontrada na esquizofrenia, em torno de 1,6%. Entretanto, novas linhas de pesquisa apontam uma incidência muito superior a essa. Alguns estudos falam que até 10% da população sofre do distúrbio.

O médico explica que, se a pessoa tem apenas depressão, ela recebe diagnóstico apenas de depressão. Entretanto, se além desse distúrbio apresentar episódios de alternância de humor ou afetos deverá ser diagnosticada como bipolar. Ratzke lembra que é importante notar que as alterações de humor são normais em todo ser humano.

“O que se destaca em tais critérios é a grande intensidade com que essas alterações ocorrem, assim como a sua duração, geralmente de alguns dias”, observa.

Abandono do tratamento

Cerca de 70% das pessoas com transtorno bipolar são mal investigadas. Além disso, há doentes que sofrem desses sintomas durante cerca de 10 anos sem nunca terem o seu distúrbio corretamente diagnosticado.

Para os especialistas, esta constatação pode ter variadas razões: porque muitas pessoas recusam procurar ajuda, deixando agravar os sintomas ou porque muitos relatam um episódio único da doença sem considerar alterações de humor prévias.

Diante desse contexto, os doentes vêem agravados os seus sintomas, já que não se submetem aos tratamentos adequados.

Roberto Ratzke lembra que o abandono do tratamento pode ter conseqüências desastrosas.

“Geralmente, os ‘cuidadores’ desses pacientes são seus próprios familiares, que devem estar atentos quanto à medicação e aos sinais de recaída”, reconhece.

Quando o paciente está distanciado da família, a adesão ao tratamento se torna mais difícil, se tornando muito comum o seu abandono. Recentemente, em Curitiba, uma mãe bipolar que morava sozinha, atirou seu bebê pela janela.

De acordo com o especialista, ela deveria ter abandonado o tratamento e em um momento de crise tomou tão extre,ma decisão. “Pacientes que mantém um tratamento regular, dificilmente tomariam tal atitude”, avalia o médico.

Qualidade de vida

Segundo o psiquiatra Dagoberto Hungria Requião, do Hospital Nossa Senhora da Luz, devido à sua imprevisível natureza, a perturbação bipolar tem um impacto significativo na qualidade de vida dos doentes e de seus familiares, além de se constituir em uma das mais elevadas taxas de perturbações psiquiátricas.

Para os pacientes, receber o diagnóstico da doença pode ser difícil inicialmente, já que o obriga a fazer mudanças significativas nos seus hábitos do dia-a-dia. Por isso, algumas pessoas têm dificuldade de aceitar que têm uma doença, constatação que o especialista enfatiza como o primeiro e decisivo passo para uma boa evolução do tratamento.

Após esse prognóstico, o passo seguinte é encontrar a medicação mais adequada, além da introdução de novos hábitos no estilo de vida. Essas mudanças, segundo os especialistas, podem ser muito positivas.

“Tomar um medicamento que a deixe livre dos sintomas da doença, por exemplo, já é uma conquista importante”, comemora o psiquiatra, salientando que não dá para se tratar pacientes bipolares sem o uso de medicamentos.

Os objetivos do tratamento incluem não só a redução dos sintomas, mas, também, tentar restabelecer o “funcionamento” pessoal e social do paciente, desenvolvendo e fortalecendo habilidades para que enfrente a doença com o máximo de qualidade de vida possível.

Antigo

O transtorno afetivo bipolar é já bastante antigo. Hipócrates, cerca de 400 anos a.C., já empregava termos, como “mania” e “melancolia” para descrever quadros de alterações de comportamento.

Jules Falret descreveu em 1854 um quadro de alterações cíclicas de humor, com os mesmos períodos de mania e de melancolia, o qual denominou folie circulaire. Jules Baillarger descreveu quadro semelhante com o nome de folie a double forme. Em 1882, Karl Kahlbaum usou o termo “ciclotimia” para delimitar quadros semelhantes.

Antes de receber o termo “transtorno bipolar”, o distúrbio era conhecido como “psicose maníaco-depressiva”, ou PMD, termo que ainda pode ser ouvido hoje em dia com psiquiatras mais antigos ou pacientes que já se tratam há muitos anos.

Da depressão…

” Prolongada tristeza ou inexplicáveis momentos de choro.
” Irritabilidade, preocupação, ansiedade
” Pessimismo, indiferença
” Perda de energia, apatia persistente
” Sentimento de culpa
” Incapacidade de concentração, indecisão
” Falta de prazer nas atividades diárias
” Inexplicáveis dores e sofrimento sem explicação.
” Pensamento freqüente de suicídio
… à euforia
” Otimismo exacerbado, auto-confiança
” Não sente falta do sono
” Exagerada valorização dos fatos
” Excessiva irritação, comportamento agressivo
” Aumento das capacidades físicas e mentais
” Discurso rápido, impulsividade
” Comportamentos irrefletidos
” Nos casos mais graves, \alucinações