Álcool e adolescência – Uma relação mais do que antiga

As drogas sempre fizeram parte da vida do homem. Afetam todos os grupos sociais e acompanham a sociedade moderna nas suas contradições. O primeiro relato da alteração do comportamento pelo uso de drogas está na Bíblia Sagrada (Gênesis, 9.18-28). O patriarca Noé plantou a vinha, preparou o vinho e se embriagou, aparecendo nu em sua tenda e causando vergonha entre os filhos. O velho Noé usou uma droga lícita, o álcool, permitida e até estimulada pela sociedade, assim como o tabaco e os medicamentos. Mas, apesar de seu caráter legal, as drogas lícitas não causam menos prejuízo para a saúde do que as chamadas drogas ilícitas, como a maconha, a cocaína, a heroína, o crack, dentre outras.

Para que possamos entender o que é normal ou anormal em nível de consumo de bebidas alcoólicas, por qualquer indivíduo adulto, é importante que comecemos a refletir sobre a relação dos jovens com o álcool e como essa substância é presente na vida de todos nós. Festas animadas, cenários paradisíacos, mulheres bonitas, homens musculosos e, para garantir a diversão, está lá uma suada tulipa com cerveja, um sofisticado copo com uísque ou uma sedutora taça de champanhe. Cenas assim estão na televisão, nas revistas, nos outdoors e povoam nossos sonhos de conforto e bem viver.

Mais do que isso, no entanto, revelam o intenso grau de aceitação do consumo de bebidas alcoólicas pela sociedade. Mostram como a imagem do álcool está dissociada do conceito de droga e de toda a sua carga negativa. O álcool, nesses momentos, é um verdadeiro “lubrificante social”. O grupo estimula seu uso e, até mesmo cobra eventuais recusas. “Tome só um golinho para descontrair. Não nos faça desfeita. Hoje é dia de festa”. Quem já não ouviu ou proferiu frases como essas?

Mas essa moeda tem outro lado. Na verdade, a sociedade reage de forma ambivalente ao consumo de álcool. De muitas formas, o estimula, mas não sabe como lidar com os problemas associados ao seu uso. Freqüentemente, quando confrontada com os prejuízos individuais, familiares e sociais que o hábito de beber provoca, rejeita e recrimina. Preconceituosamente, exime-se de culpa, recusa a solidariedade e não aponta caminhos.

Mesmo em relação aos filhos adolescentes, é comum que os pais encarem os primeiros goles como um prenúncio da vida adulta e que vejam os primeiros porres como o ingresso nesse mundo. São pequenas liberdades que a idade permite e, não raras vezes, os vexames entram para o folclore, são lembrados nas festas de aniversário e embalam a vaidade dos protagonistas. Está subentendido, portanto, que beber é legal e que não há mal algum nisso, desde que não se beba demais.

O problema é estabelecer-se o que é pouco ou muito quando se trata de prevenir o envolvimento de nossos filhos com um mal dolorosamente marcado pela depressão, desagregação, ruína física, medo e morte. Como ensinar que o álcool é uma droga tão prejudicial quanto as outras, embora seu uso seja lícito? A resposta é educar. Não reprimir, nem aterrorizar, simplesmente e, sim, educar para prevenir uma doença que atinge entre 10% a 12% da população mundial acima de 14 anos. Educar para se evitar a precocidade crescente do primeiro contato das crianças com a bebida, que hoje já se dá aos 9 ou 10 anos sob os olhos complacentes dos pais.

Pais e mães devem compreender que seu filhos estão tão expostos aos apelos do desconhecido, do desafio, da contravenção quanto os filhos da casa ao lado. As desgraças não são privilégios dos vizinhos e no mesmo balcão de bar, descumprida a lei, vende-se bebida para o menino desajustado da esquina e para a exemplar e curiosa adolescente da quadra. É possível manter-se alerta sem implantar a vigilância paranóica dentro de casa, já que a própria adolescência é uma fase complexa. Sabe-se que alguém que esteja estabelecendo um padrão de freqüência e quantidade ao beber pode apresentar modificações no comportamento como maior agressividade e desmotivação; alterações físicas, como intoxicação e desleixo com a própria aparência, dentre outras.

Identificados tais sinais de alerta, isolados ou em conjunto, não se tem ainda, obrigatoriamente, um paciente da Síndrome da Dependência ao Álcool. Porém, não se negligencia o momento. Pode-se ter um potencial candidato à doença do alcoolismo. É importante que os pais assumam o controle da situação, diante de um filho alcoolizado. Passado o porre, a primeira providência deve ser uma conversa franca e aberta, abordando-se a preocupação da família sobre a relação do adolescente com a bebida.

O maior erro é fingir que não houve nada. E a maior prova de carinho é estabelecer limites. A família precisa oferecer um ambiente de convivência em que seja possível para os filhos falarem de seus problemas, de tal forma que não se confunda a autoridade sadia e vital com o autoritarismo que afasta e separa. Não se pode criar os filhos para serem abstêmios, mas sim, para terem uma relação de segurança com o álcool. Pode-se educá-los para que a bebida seja, eventualmente, um elemento de prazer. Jamais uma válvula de escape ou um ingrediente capaz de suprir necessidades pessoais e sociais.

Paulina do Carmo

Arruda Vieira Duarte é diretora executiva do Centro de Atenção às Drogas e coordenadora do Curso de Especialização em Dependências Químicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Voltar ao topo