AIDS: Tempestade crônica

?Não existem indícios de que o HIV vai desaparecer até as próximas três gerações. Ele é como se fosse uma tempestade crônica?. Esta consideração foi feita por Robert Gallo, cientista americano, diretor do Instituto de Virologia Humana da Universidade de Maryland e co-descobridor do vírus da Aids, em 1981, convidado especial do recente Congresso Paulista de Infectologia. O pesquisador afirmou que, ?quando o tratamento é realizado em condições ideais, a partir de um diagnóstico precoce e medicação seguida à risca, a aids não é mais uma doença que mata?. O especialista afirmou que, nos Estados Unidos, a doença é vista como crônica, mas não mais fatal. Os óbitos acontecem, segundo ele, diante da ausência de medicação adequada ou interrupção no tratamento.

A situação brasileira está no mesmo nível da americana, descrita por Gallo. De acordo com o coordenador do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, José Luis de Andrade Neto, mesmo com um longo caminho a percorrer, o País vem obtendo sucesso, com progressos, principalmente, nas abordagens integradas de saúde.

Para a diretora do Programa Nacional de DST e Aids, Mariângela Simão, não é possível separar ações de prevenção e de tratamento, pois isso representa um retrocesso na luta contra a aids. ?Em primeiro lugar deve-se ter em mente que não é possível pensar em um programa de prevenção se não há acesso ao tratamento – um direito humano?, frisa. Para a especialista, separar uma ação da outra ?pode ser perigoso, além de nos fazer voltar anos na luta contra a doença?.

Faltam exemplos

Dados do Ministério da Saúde apontam que, de 1980 até junho de 2005, 371.827 pessoas tinham aids no Brasil. No Paraná, os casos chegam a 18.018. As principais vítimas são adultos de 25 a 49 anos, independente do sexo. No entanto, a maior preocupação de médicos e especialistas diz respeito aos jovens, cuja incidência de casos tem aumentado significativamente. No entender de Andrade Neto, e seguindo as considerações de Robert Gallo, a juventude não convive com imagens sombrias que marcavam os primeiros doentes. ?Eles não vêem as pessoas morrendo, mas desconhecem que o tratamento, além de ser para toda a vida, é extremamente doloroso?, reconhece.

Segundo os especialistas, este pode ser um dos principais fatores que fazem com que os jovens ?não tenham medo? da aids. ?Eles não viram ídolos populares, como Cazuza ou Freddie Mercury morrendo por causa da doença?, destaca João Silva Mendonça, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, salientando que enquanto cresceu na faixa etária dos 17 aos 24 anos, o número de casos vem diminuindo entre os homens, independente da preferência sexual. ?No Brasil, o jovem acredita que não vai ser atingido pela doença, pois os tratamentos, elogiados internacionalmente, dão uma falsa idéia de que a aids está sob controle?, ressalta Andrade Neto.

Mudança no comportamento

Para os especialistas, as ações para reverter esse quadro ainda são a informação e a educação continuada sobre o tema nas escolas, o local ideal para que a prática de prevenção seja disseminada com eficiência. Uma recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, apontou que mais de 90% das pessoas disseram saber que a relação sexual é a principal forma de transmissão do HIV e 94% disse que o preservativo é a forma de prevenção.

Para Andrade Neto, as campanhas elaboradas pelo governo não conseguem atingir seu objetivo. Elas são focadas no Carnaval e no dia 1º de dezembro (Dia Mundial de Luta contra a Aids). ?Mas, na Semana Santa, por exemplo, que é um feriado onde as pessoas também mantêm relações sexuais, como acontece em qualquer dia normal, não se fala nada?, lembra o médico.

Segundo o infectologista, as campanhas veiculadas hoje no Brasil não conseguem mudar o comportamento dos jovens, servindo apenas para informação. ?O que realmente importa, nesse momento, é mudar o comportamento dos jovens, afinal, quase todos já conhecem a doença e a forma de preveni-la?, completa.

HIV mata mais mulheres do que homens

ms10090609.jpg?A aids vai ser mais dominante entre as mulheres ao longo do tempo, por isso é fundamental que elas tomem cuidado nas relações sexuais, porque o vírus não vai desaparecer, pelo menos, não na nossa geração, na dos nossos filhos e netos?. Robert Gallo

O vírus do HIV tem um impacto diferente em homens e mulheres. Esta conclusão é da pesquisadora Erika Ferraz de Gouvêa, apresentada no Simpósio Mulher e infecção por HIV. De acordo com a médica, o HIV evolui para aids com valor de carga viral e tempo de infecção menores que o dos homens. ?Outra desvantagem do sexo feminino sobre o masculino está na taxa de mortalidade, que mostra que elas costumam morrer mais do que eles?, afirmou. Segundo a pesquisadora, 40% das mulheres infectadas em todo o mundo não costumam ter o mesmo acesso à terapia do que os homens.

O estudo realizado por Érika comprovou que os medicamentos utilizados no combate ao HIV também são mais tóxicos e provocam mais efeitos colaterais nas mulheres do que nos homens, chegando a levá-las a abandonar o tratamento. Isso acontece porque, apesar de necessitarem da mesma concentração de substância que eles, elas apresentam menor índice de massa corpórea, menor superfície de órgãos e maior concentração de gordura corporal.

Outro fator que também afeta a eficácia do tratamento das pacientes com HIV é a demora em procurar atendimento médico. A pesquisadora atribuiu o fato à preocupação com a casa e os filhos que muitas vezes faz com que essas mulheres deixem a saúde em segundo plano. ?É muito mais um problema social do que uma política de atendimento à mulher?, concluiu.

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