A experiência de satisfação e a droga

Vivemos em um mundo onde somos desprovidos de uma linguagem que venha decifrar aquilo que estamos sentindo, ou seja, somos totalmente carentes de recursos internos que nos venham dar respostas para aquilo que nos aflige, trazendo sofrimento e nos causando uma dor imensa a nosso corpo físico como indício de que algo necessita de interpretação urgente. Enquanto não nos damos conta daquilo que nos faz sofrer, muitas vezes carecendo de condições internas que nos dêem condições para enfrentar o desconhecido, sentimos na carne o resultado de perguntas sem respostas. Angústias, transtornos de humor, oscilando entre o bem-estar e o mal-estar, que desencadeiam uma depressão, falta de vontade de viver, ansiedades por não saber lidar com a situação vigente, fazendo com que tenhamos medo de enfrentar e nos deparar com nossas deficiências; deficiências decorrentes de uma falta de que até então não se tem conhecimento ou não se quer ter pelo simples fato de não querer sofrer e sentir as conseqüências disso.

Muitas vezes, o sofrimento é tanto que buscamos no mundo externo artifícios para amenizar a dor, pensando ser a solução para o problema. Desta forma, nos apoderamos de químicas obtidas na natureza em busca da felicidade, da transformação, e, infelizmente, acreditamos que encontramos a chave para a solução de tudo aquilo que nos incomoda e nos faz mal. As frustrações jamais podem vir à tona, pois isto significa experiências malsucedidas, dor e sofrimento, demanda tempo e espera sendo intolerável esperar por alguém que não sabe funcionar desta maneira, pois, desde que nascemos, aprendemos que o prazer é sinônimo de satisfação e vale tudo para obtê-lo, sendo que nosso organismo irá trabalhar em busca disso.

A experiência de satisfação, estabelece-se desde os primeiros dias de vida, quando um outro (mãe), vem não só decifrar aquilo de que necessitamos, mas nos proporcionar a inserção no mundo externo. É por meio desse outro, detentor do conhecimento, que começo a ter contato com a realidade. Por ser desprovido, inicialmente, de códigos (linguagem), preciso de alguém que exerça a função de interpretar esses códigos, quando surgir um desconforto, alterando e desequilibrando o funcionamento do organismo.

O organismo tende à constância (homeostase), procurando, desta forma, manter o equilíbrio do funcionamento para viver sem dor e sofrimento. Quando surge um desconforto, um mal-estar, o organismo vai, automaticamente, procurar formas para restabelecer o bem-estar. Como conseqüência, ocorre um aumento de tensão, fonte esta geradora de desprazer e total desconforto, com nível de excitação elevado, o organismo tende a querer reduzir esse nível de tensão, procurando, assim, o prazer e a satisfação imediata. Então, o choro é desencadeado como uma forma de resposta ao mal-estar, e aí surge um outro que vem suprir minhas necessidades, realizando uma ação específica para que, naquele momento, se obtenham prazer e satisfação e acabe com o desconforto.

É na ação realizada por esse outro (mãe), que propicia a redução de tensão e desprazer, que se inscreve a experiência de satisfação. Ou seja, choro, e, imediatamente, vem alguém e oferece uma resposta, sanando meu sofrimento. O leite, o colo, o trocar as fraldas são respostas imediatas interpretadas. Agora já tenho conhecimento de que, quando desencadeio o choro, terei uma resposta imediata. Fecha-se, assim, o circuito da recompensa. Choro e obtenho satisfação imediata. Porém, nem sempre terei uma resposta imediatista, pois nem sempre o outro poderá realizar, imediatamente, uma ação específica para obtenção de minha satisfação.

Surge, daí, a dimensão do tempo, onde é necessário esperar para obter satisfação. O sujeito, então, se frustra e tem que adiar sua satisfação.

Surge, daí, a dimensão do tempo, onde é necessário esperar para obter satisfação. O sujeito, então, se frustra e tem que adiar sua satisfação. Enquanto espera, utiliza-se da substituição, a chupeta, por exemplo, que vem como forma de evitar o sofrimento, o desprazer e o desconforto. Com a substituição, o sujeito busca compensações no mundo externo, como método para aliviar o sofrimento que o aflige. O circuito estabelece-se, e o mecanismo prevalece na vida do sujeito como resposta ao mal-estar.

Por não saber esperar nem lidar com aquilo que lhe causa enorme desconforto, o sujeito busca, incessantemente, alternativas para diminuir o sofrimento, encontrando no químico sensações prazerosas que vem em substituição ao objeto real desejado, intoxicando-se. A droga surge, então, como objeto que vem proporcionar redução das tensões e, como conseqüência, prazer. Mas, que prazer é este que escraviza o sujeito, minando sua capacidade de refletir sobre si, sobre suas potencialidades e aceitação. Que o torna inerte de sua vida em busca de soluções mágicas como resposta a seu medo, medo de enfrentar e deparar-se com suas dificuldades, impedindo-o de caminhar para frente, crescer e amadurecer? Medo que o aterroriza, fazendo como que fuja de uma realidade que é necessária para sua existência?

Ora, nunca estaremos completamente satisfeitos! A satisfação plena não existe, pois é nesse buraco que se instala como uma falta, que se inscreve o movimento necessário para o crescimento, o desenvolvimento e o amadurecimento do sujeito. É no desconhecido que muitas vezes acabo me encontrando e encontrando a resposta para meu sofrimento. De que temos medo? O medo é algo que só é solucionado quando o enfrentamos e o vivenciamos, e é na realidade que poderei me defrontar com ele e não apenas no mundo ilusório, fazendo de conta de que lá, sim, poderei, por algumas horas, fugir dessa realidade tão dura que considero ser demais para mim.

Heloísa Borges de Macedo Ribas

é professora do Curso de Extensão Abordagem da Clínica Psicológica com o Usuário de Drogas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e psicóloga da Central de Execuções de Penas Alternativas.

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