A difícil relação entre fome e saciedade

Suprimir refeições, ingerir sempre os mesmos alimentos e trocar a ingestão de alimentos nutritivos por outros nem tanto são os principais pecados cometidos à mesa pelo brasileiro.

“Dois terços da população têm dieta inadequada em quantidade e qualidade”, lamenta Andréa Ramalho, consultora em nutrição do Ministério da Saúde.

Esses maus hábitos levam ao que a especialista chama de fome oculta. Não se trata da desnutrição de quem passa fome, mas sim da ingestão de vitaminas e minerais em quantidade insuficiente para o bom funcionamento do organismo.

A afirmativa se baseia no resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que revela que a dieta do brasileiro deixa muito a desejar, com baixo consumo de vitaminas e nutrientes essenciais para a saúde, como o cálcio e a vitamina D.

Os resultados da pesquisa comprovaram que os brasileiros ingerem quantidades menores do que o recomendado internacionalmente de vitaminas e nutrientes essenciais para o organismo. Além disso, o estudo derrubou o mito de que o tradicional prato de arroz com feijão, salada e carne é suficiente para uma alimentação adequada.

Embora rico nos chamados macronutrientes, o prato típico da refeição brasileira não é suficiente para garantir as quantidades necessárias de cálcio, potássio e vitaminas D, E e A para a saúde.

Para se ter uma idéia, o brasileiro consome quantidade de cálcio três vezes abaixo da quantidade diária recomendada internacionalmente e até seis vezes menos vitamina D do que o necessário para prevenir doenças como a osteoporose e a hipertensão.

De acordo com os especialistas, para melhorar esse quadro, é necessária uma mudança nos hábitos alimentares da população. “O brasileiro precisa aumentar (em quantidade) seu consumo de leite e derivados, frutas, legumes e verduras”, alerta Andréa Ramalho.

Para os pesquisadores, o passo inicial, passa por consultas aos médicos e nutricionistas, que podem indicar uma dieta adequada, inclusive com a prescrição de suplementos vitamínicos, quando necessário.

Falha na saciedade

“Respeitar o tempo entre uma refeição e outra é nosso principal aliado para sentirmos ‘uma fome normal'”, defende a endocrinologista Ellen Simone Paiva, do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.

Há uma crença equivocada de que a sensação de fome está alterada nas pessoas que comem muito e/ou que são obesas. Com efeito, muitas delas buscam ajuda médica, desejosas de tomarem algum medicamento que “corte” a fome.

“A crença é de que essas pessoas têm mais fome do que aquelas que comem menos”, observa a especialista. Para a nutricionista, um grande equívoco, pois as pessoas que comem em demasia têm na realidade uma grande falha nos sinais de saciedade. Ou seja, comem e, por não se sentirem saciadas, continuam comendo. Por conseqüência, continuam engordando.

É natural e corriqueira a ligação de fome à ansiedade. “Nesses casos, comemos automaticamente ou regidos por impulso”, explica Ellen Paiva. Invariavelmente, a preferência recai sobre os alimentos que as pessoas mais gostam, que causam prazer. “Muitos pacientes dizem se acalmar ao ingeri-los”, constata a nutróloga.

Para esses casos, é equivocada a utilização de medicamentos para abolir a fome, já que as pessoas continuam a comer compulsivamente guloseimas e a beliscar “alguma coisinha”, passando a abolir o que é mais importante, as refeições básicas. Além da ansiedade, a fome está associada às alterações do humor.

São encontrados quadros de depressão, em que os pacientes aumentam muito o consumo de alimentos, mas os casos mais graves estão relacionados à total winapetência e perda de peso.

“Essas formas de doenças mentais que influenciam os sinais de fome e saciedade revelam claramente o perfil anormal do apetite e sua nítida diferença das formas normais de fome”, completa a especialista.

Para treinar a saciedade é só começar

O ga,nho de peso e obesidade estão relacionados muito mais com sinais de saciedade comprometidos do que com fome excessiva; precisamos treinar alternativas para melhorar nossa saciedade. Veja a seguir algumas recomendações úteis.

Coma devagar – os sinais de saciedade são exercidos por substâncias químicas liberadas pelas células do trato digestivo que, como hormônios, são liberados na corrente sangüínea e alcançam os centros cerebrais que regulam fome e saciedade. Assim, quando comemos muito rápido, simplesmente não damos tempo para que isso ocorra.

Intervalos regulares – ao pular uma das refeições, passamos em torno de seis horas sem nos alimentar e isso simplesmente inviabiliza uma próxima refeição normal. Quem come a cada três horas consegue ter saciedade mais precoce e reduzir o volume das refeições diárias.

Refeições balanceadas – nada de abolir os carboidratos do jantar, nem de comer somente salada e grelhado no almoço, mas também nada de comer apenas carboidratos. A composição balanceada de uma dieta melhora o tempo de digestão e absorção dos alimentos.

Ricos em fibras – vale a pena priorizar os alimentos que contêm fibras em sua dieta. Eles reduzem o esvaziamento gástrico, aumentando assim o tempo de saciedade após a refeição.

Pouca quantidade – Evite refeições volumosas, pois elas condicionam
a saciedade a uma ingestão sempre de grande volume de alimentos, fazendo
com que só nos sintamos satisfeitos quando nosso estômago estiver muito
cheio.

Saladas – quando partimos diretamente para o prato principal, ingerimos um maior volume de alimentos. A saciedade depende também do volume do alimento. As saladas, além de ricas em fibras, aumentam o volume do bolo alimentar e reduzem parte da fome com a qual iniciamos o prato principal.

Treino e equilíbrio – é preciso exercitar o equilíbrio e a calma ao fazer as
escolhas alimentares e, assim, se sentir saciados com elas.

Sem “beliscar” – comer pequenas porções de alimento, várias vezes ao dia, compromete a saciedade, pois quem tem esse comportamento nunca tem fome suficiente para comer uma refeição, mas também nunca está totalmente sem fome para recusar guloseimas.

Doces, não – o comportamento de trocar refeições por doces resulta em
desnutrição por falta dos alimentos básicos e fome crônica, uma vez que os
doces são rapidamente absorvidos e elevam a produção de insulina muito
rapidamente.

Não coma sem estar atento ao alimento – evite comer na frente do
computador, assistindo TV ou estudando. Ao não observarmos o que e o
quanto comemos, grandes volumes são ingeridos sem a percepção da saciedade.

Fonte: endocrinologista Ellen Paiva.