Ucrânia esbanja cultura em L’viv

Neste mês de junho, os jogadores do Paraná Clube estiveram na Ucrânia, participando de jogos amistosos. A cidade que abrigou o time paranaense, L’viv, é praticamente desconhecida dos brasileiros – com exceção dos descendentes ucranianos que já tiveram oportunidade de visitá-la – por não divulgada aqui como um destino turístico. Distante quinhentos quilômetros da capital Kyiv (Kiev), L’viv foi considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, tem mais de cem igrejas históricas e mantém quase intacta uma arquitetura secular. Com pouco mais de oitocentos mil habitantes, L’viv é a terceira maior cidade da Ucrânia.

Fundada no século XIV, a cidade tem como símbolo o leão, que é cultuado em quase todas as praças e espaços públicos. Nesses locais vê-se a importância dada por eles à natureza – bosques não faltam a L’viv. Um dos mais famosos (e bonitos) fica justamente em frente ao Hotel Dnister, local de concentração do clube paranaense. Neles o visitante reconhece características das ruas da cidade – os homens mais velhos jogam partidas de gamão ou xadrez em um canto, enquanto no outro as senhoras conversam enquanto embalam carrinhos de bebê. Jovens estudantes andam apressadamente, casais ficam abraçados, as crianças aproveitam o playground para brincar. Nesses bosques, geralmente só se ouvem os gritos delas.

Quase todos fumam, sejam homens ou mulheres, sejam novos ou velhos. “É algo que passa de geração em geração, e que não pára. Quem não fuma aqui fica de lado”, conta o intérprete Mariano Machula, que morou em L’viv e hoje reside em Prudentópolis. O ato de fumar é tão comum que os dirigentes do Karpaty se disseram surpresos ao ver que nenhum jogador, dirigente ou mesmo os jornalistas que vieram do Brasil fumassem. “Em comparação ao Brasil, aqui o número de fumantes é muito superior”, completa Machula.

Como a cidade é quase toda plana, apenas o monte que tem o mesmo nome da cidade destoa da topografia local. No monte foi construído um mirante, que dá a possibilidade de observar toda L’viv. “No alto do mirante há uma cruz, que foi colocada lá pelos sobreviventes ucranianos da guerra do Afeganistão”, diz Taras Hordiyenko, diretor de relações do Karpaty e historiador – que acabou sendo o `guia’ dos passeios da delegação tricolor. Do alto se vê uma cidade de pequena dimensão, e que não se submeteu às modernidades da arquitetura.

E aí está um dos charmes da cidade. Algumas igrejas ortodoxas têm quase a mesma idade de L’viv. “Em torno dessas igrejas nasceu a cidade”, conta Hordiyenko. Elas foram construídas com pedras imensas, o que as fazia quase indestrutíveis. Por dentro, elas são de uma impressionante riqueza de detalhes, recheadas de ícones – muitos deles de ouro. “É realmente impressionante. Uma igreja tão antiga, bem conservada e com detalhes muito bonitos”, elogia o preparador físico tricolor Solivan Dalla Valle.

E todas as histórias da cidade, do povo e do país parecem estar na ponta da língua não só de Taras, mas também de quase todos os moradores de L’viv. A população respira cultura e informação – são mais de dez jornais apenas na cidade. “Eles dão um valor imenso à história da própria civilização. Se nós, no Brasil, tivéssemos um pouquinho desse interesse, seríamos uma nação muito melhor”, finaliza Mariano Machula.

L’viv ignora potencial turístico

Uma cidade repleta de marcos históricos, com o reflexo claro dos quase oitenta anos de dominação russa e também da rápida exclusão daqueles símbolos, com um clima agradável (com um verão até quente para os padrões paranaenses) e extremamente receptiva. Apesar de tudo isso, L’viv não consegue ser uma cidade turística. A estrutura necessária para se tornar um lugar atrativo para turistas do mundo inteiro faz falta.

O primeiro sintoma da dificuldade de viajar a L’viv é a própria cidade. Apenas os ucranianos ou os conhecedores da cultura do país conhecem a cidade – da delegação do Paraná Clube que realizou três jogos na região, ninguém sabia da existência de L’viv até a confirmação da excursão. Sem propaganda, não se chega a lugar nenhum e, no turismo, a máxima é cada dia mais verdadeira.

Ao chegar à cidade, outros problemas. Poucos lugares estão preparados para receber pessoas que não falem apenas ucraniano ou consigam entender o alfabeto cirílico. Mesmo os restaurantes internacionais não apresentam aos clientes cardápios em inglês ou francês. Assim como os lugares, as pessoas também não conseguem se comunicar da maneira mais simples, usando prosaicas calculadoras para apresentar o valor dos produtos – já que o vendedor não fala inglês e o comprador não fala ucraniano.

Nos hotéis, é rara a existência de ar-condicionado nos quartos, tornando insuportável a permanência durante o dia – no verão, amanhece logo depois das quatro da manhã e só anoitece depois das 22h. Como na maior parte do ano o clima é frio, os locais têm calefação – e as geladeiras só estocam os produtos, sem os refrigerar. Assim, é inevitável beber refrigerante ou cerveja quentes. Da mesma forma, não se espante se a sua comida chegar fria, mesmo que você não a queira assim.

Acesso

As opções são poucas para chegar a L’viv saindo do Brasil. A Varig disponibiliza a chegada à cidade pelo acordo com a Lufthansa, deixando Curitiba diariamente rumo a Frankfurt – mas existem apenas dois vôos semanais de Frankfurt para L’viv. De resto, só realizando uma série de conexões, que podem partir de Munique, Varsóvia, Cracóvia ou de outras cidades do Leste Europeu.

Mas toda a complicação para chegar e para passear por L’viv é compensada com as atrações da cidade. As mais de cem igrejas ortodoxas e católicas, o belíssimo teatro Opera House e o choque cultural inevitável para os latinos valem uma visita à cidade. Pena que os próprios moradores de lá não tenham percebido isso. (CT)

Pequeno mundo globalizado

Olhe para um lado e veja Taras Shevchenko, maior poeta da Ucrânia e símbolo do país, retratado em livros e até na hrivnia, a moeda local. Mas olhe para o outro lado e veja aquelas mesmas vitrines, mesmos cartazes, mesmas marcas que você encontra em qualquer cidade desse mundo globalizado. As maiores multinacionais americanas e européias já fincaram seus pés nessa cidade de mais de setecentos anos, poluindo partes (devidamente autorizadas) de um Patrimônio Cultural da Humanidade.

Uma placa é singular, e, ao mesmo tempo, representativa da mudança da cultura do Leste Europeu. Em um bairro residencial de L’viv, brilha a bandeira americana para anunciar “facilidade na obtenção de vistos para a América”. Do outro lado, aparece a bandeira canadense. É a prova da invasão americana em um país que, há pouco mais de doze anos, era apenas uma província da antagonista do capitalismo, a então União Soviética.

A “americanização” da Ucrânia aconteceu muito mais rapidamente que, por exemplo, no Brasil. Se o nosso processo foi acelerado por uma guerra – e com a forte influência de Hollywood – os ucranianos tiveram essa mudança exacerbada pela própria época em que a União Soviética acabou (1991). Já vivíamos a era do videoclipe, da TV a cabo, da velocidade da informação, da publicidade massificada. Poucos anos depois, viriam a internet, a telefonia móvel, as telecomunicações privatizadas.

Foi uma chegada rápida e mortal, como os antigos faroestes que criaram entre os brasileiros uma legião de fãs de John Wayne. Hoje, os heróis são da vida real – Michael Jordan, Bill Gates, Ronald McDonald. E eles, indiscriminadamente, tomam conta do que puderem. Foi exatamente isso que aconteceu na Ucrânia, e em particular em L’viv, que por ser a grande cidade mais ocidental do país, tornou-se a porta de entrada para as multinacionais.

E, para os ucranianos mais velhos, a mudança é drástica demais – imagine viver trinta, quarenta anos sob a égide do comunismo e, dois anos depois, conhecer o capitalismo quase selvagem. A Rússia sofre até hoje os males de uma transição malsucedida, que ocasionou uma quebra geral no país em 96, afetando o mundo inteiro, inclusive o Brasil. Como ex-província, a Ucrânia demorou mais a receber a influência americana, e por isso eles ainda não entendem direito o que está acontecendo.

O governo, para evitar o efeito Orloff, entrou na cartilha da Otan. Durante a excursão do Paraná Clube, uma delegação do governo inglês esteve em L’viv para acertar com autoridades locais a restrição a estrangeiros na fronteira com a Polônia. A intenção confessada é evitar a entrada de terroristas vindos do Oriente Médio e da Ásia pela Ucrânia. Mas, para quem precisa entrar urgentemente na roda-viva econômica, qualquer iniciativa estrangeira (reforçada pelo dinheiro) será muito bem-vinda. (CT)

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