Santa Teresa, história e arte no Rio de Janeiro

Nos dias 6 e 7 de julho, o bucólico bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro, estará oferecendo algo mais que os tradicionais passeios de bonde. Nestes dois dias acontecerá a 12.ª edição do “Arte de Portas Abertas”, um evento que combina exposições e vendas de obras de arte, sem deixar de lado a festa, que já acontece espontaneamente com o público nas ruas. O Arte de Portas Abertas contará com a participação de 46 ateliês e setenta pintores, escultores e atores. Pela primeira vez, terá a presença de doze artistas plásticos franceses que estarão expondo suas obras no Casarão dos Prazeres. A participação dos franceses no evento brasileiro faz parte de um intercâmbio firmado com apoio das prefeituras do Rio e de Paris. Em maio, doze artistas brasileiros viajaram para Paris para participar do Portes Ouvertes, evento idêntico ao de

Santa Teresa, que acontece em Belleville.

São esperados 40 mil visitantes, que também poderão conhecer os atrativos gastronômicos do bairro. Todos os dezenove restaurantes do bairro garantem estar preparados para acolher o público. Para facilitar o acesso ao bairro e evitar engarrafamentos, haverá um ponto de vans localizado em frente à estação de metrô da Glória. Durante o “Arte”, os ateliês e o Casarão dos Prazeres ficarão abertos das 11h às 21h, com entrada franca.

Bairro remete a uma época romântica

O bairro de Santa Teresa, zona sul do Rio de Janeiro, nasceu de um convento no Morro do Desterro, no século XVIII. Os dogmas de Santa Tereza d’Ávila inspiraram a religiosidade das freiras daquele convento e o nome do local. O bairro ocupa uma colina no coração da cidade e parece ter parado no tempo, mantendo há dezenas de anos aspectos preservados do Rio antigo. Guarda em cada esquina uma história. Escritores e artistas sempre foram atraídos para Santa Teresa, seduzidos pelas duas poderosas forças que emanam do lugar: seu chamamento à vida interior e sua beleza arquitetônica e cultural, visíveis aos olhos e ao coração. Símbolo da contracultura e da arte exibida nos muitos ateliês que tomam conta do bairro, qualquer manifestação artística encontra seu reduto em “Santa”, como preferem chamar os apaixonados pelo local. Tudo o que existe e se sabe sobre Santa Teresa é também a história do Rio, mas para o visitante parece um local à parte, com características próprias.

As ruas estreitas e sinuosas por onde passam os velhos bondes, os únicos que ainda circulam no Brasil, são mais uma particular atração do bairro. Os charmosos veículos começaram a circular no século passado, movidos por tração animal e posteriormente por eletricidade. Remanescentes de uma época romântica, foram tombados como patrimônio histórico e ainda passeiam por trilhas perfeitamente preservadas, levando a uma releitura do passado.

O bonde sai do centro, passa sobre os Arcos da Lapa e segue a rota do tempo no sobe e desce das ladeiras de Santa Teresa. Como uma “carioca da gema”, fiquei admirada ao descobrir que não conhecia tudo o que Santa Teresa poderia me proporcionar. O ponto de partida é a estação do Largo da Carioca, uma das minhas surpresas: a estação fica bem perto da sede da Petrobras, na Rua Lélio Gama, no tumultuado centro da cidade. O lugar tem um jardim encantador e já nos revela um pouco do que vamos encontrar nesse passeio.

Com apenas R$ 0,60 paguei o bilhete para entrar naquele bonde amarelinho. Um grupo de turistas estrangeiros me acompanhava. O condutor do bonde me avisa que existem duas linhas que circulam por Santa Teresa, chamadas Paula Matos e Dois Irmãos, com intervalos de 15 minutos. Existem ainda dois passeios com guias: o Passeio Histórico, com a saída às 10h e que dura cerca de uma hora, percorrendo todo o roteiro cultural, e o Ecológico, com saída às 12h, e que oferece uma viagem mais longa, com duas horas de duração e um roteiro que inclui uma trilha pela mata.

O condutor se mostra um apaixonado pelo bairro. Começamos a conversar e ele me pergunta se eu gostaria de escutar algumas histórias, pesquisadas com moradores e em bibliotecas, que ele gosta de contar para quem quiser ouvir. E é assim, ouvindo pitorescas e curiosas histórias, que vamos passando por centros culturais, antigas chácaras, castelos, largos, restaurantes, ateliês, lojas de artesanato. Além das deslumbrantes paisagens ao redor, avistamos lá do alto o Cristo Redentor, abraçando a Cidade Maravilhosa. Os bondes sempre dão uma paradinha para que os passageiros conheçam o Museu do Bonde, que conta tudo sobre esses veículos, exibindo algumas de suas réplicas antigas. O lugar é uma verdadeira delícia preservada no tempo.

Roteiro

O condutor nos avisa que o passeio continua, e pergunta se gostaríamos de reservar um dia para falar com Deus. Nos mostra a Igreja e o Convento de Santa Teresa, responsáveis pelo nome do bairro, e que pertencem à Ordem das Carmelitas Descalças. Suas religiosas vivem isoladas, têm pouquíssimo contato com o mundo exterior. A ordem prega a simplicidade, a humildade e a discrição. Poucos moradores afirmam ter visto as freiras no bairro.

Largo do Curvelo

O bonde chega à Rua Almirante Alexandrino, a mais antiga do bairro. Nela se encontra a “Casa Navio”, inspirada no convés de uma embarcação, pura ousadia arquitetônica. E é dessa mesma rua que temos a visão surpreendente do Cotovelo de Valentim, uma fortaleza erguida no estilo neo-romântico. Construído no final do século XIX, foi residência do comendador Antônio Valentin, projetada por seu filho. Hoje o imóvel funciona como um prédio de apartamentos.

Largo dos Guimarães

O bonde entra no coração do bairro. Agora é só aproveitar e viver a boemia típica de Santa Teresa. No largo se concentram os mais badalados restaurantes e bares, que oferecem cerveja gelada e ótimos aperitivos. Circule pelo local e prove comidas nordestinas, mineiras, massas e frutos do mar. Quando anoitece, o agito toma conta do lugar. Artistas e intelectuais passeiam por todos os lados, com muita gente bonita e música popular brasileira. Aproveite para dançar um forró. O condutor me conta que o Clube Lagoinha ferve durante os fins de semana.

Parque das Ruínas

Passamos então pelo Largo das Neves, onde se encontra um belo casario de 1850 e a Igreja Nossa Senhora das Neves, de 1860, além de mais uma série de bares muito concorridos. Ronald Biggs, o lendário assaltante do trem pagador inglês, é um dos que possuem residência local.

Desço do bonde e vou conhecer o Parque das Ruínas. Mais do que tudo, este é um belíssimo mirante que deixa o Rio de Janeiro aos seus pés. Daqui, você tem uma visão extraordinária do centro da cidade e de toda a orla do Rio desde o Aeroporto Santos Dumont até a Urca. Logo abaixo, estão os Arcos da Lapa. Parece que podemos tocá-los. Aberto ao público, o parque foi o que restou do Palacete Murtinho Nobre, onde morou Laurinha Santos Lobo. Essa casa foi um dos pontos mais efervescentes da vida cultural carioca durante muitos anos, até a morte da anfitriã em 1946. A Prefeitura fez renascer das ruínas a cultura que ali existiu. O parque abriga uma sala de exposições, auditório e cafeteria, garantindo conforto a shows musicais, happy-hours e leitura de textos literários. Nas áreas ao ar livre se destacam coloridos shows e uma programação infantil nos finais de semana.

Centro Cultural Laurinha Santos Lobo

Numa bonita casa do bairro, foi inaugurado em 1979 o centro cultural que presta homenagem a Laurinha Santos Lobo. Laurinha foi uma mulher especial, no início do século praticamente comandou a vida intelectual do Rio, promoveu saraus, dando vida e graça a Santa Teresa. O acervo fotográfico da casa mostra Laurinha em atividade, e facilita o sonhar de como seria Santa Teresa naqueles tempos. O centro possui também salas de vídeo e espaços para exposições.

Igreja Ortodoxa Santa Zinaida

O bonde passa por uma belíssima chácara, onde viveu Benjamin Constant, líder do movimento republicano. Sua residência foi transformada em museu e totalmente restaurada. Pude ver móveis, livros, objetos, fotografias e acervos de artes plásticas. A área que circunda o museu é totalmente arborizada e ideal para um descanso rápido até a próxima parada. Não confundir o museu com o Instituto Benjamin Constant, que funciona no bairro da Urca. Neste último, o nome de Benjamin aparece porque fundou e dirigiu por muitos anos o Instituto de Meninos Cegos.

Museu Chácara do Céu

O condutor nos conta agora que Raymundo Castro Maya foi um empresário bem sucedido, que se dedicou à vida cultural da cidade como mecenas e colecionador. É o gancho para mais uma chácara do bairro, herdada por Castro Maya em 1936. A construção da atual residência foi projetada em 1957, pelo arquiteto modernista Wladmir Alves de Souza. Aqui, funciona agora o Museu Chácara do Céu, que para nosso deleite possui um acervo com importantes obras de arte moderna, com destaque para os Portinari, Di Cavalcanti, Guinardi, Picasso, Matisse e Dalí. Como uma verdadeira expedicionária, pude apreciar pinturas, aquarelas e gravuras mostrando o Brasil do século XIX, realizadas por viajantes como Debret e Taunay.

Templo Budista Therevada

Terminando o passeio, me despedi de todos e decidi mergulhar numa cultura diferente. Fui então até o Clube Lagoinha (aquele do forró), onde também se realizam cultos e meditações budistas. Pude conhecer um templo de linhas arquitetônicas retas, que possui em seu interior amplas salas de meditação, com a imagem de Buda dominando o ambiente. Na área externa, o templo é cercado por um jardim acolhedor, com cheiro de incenso, onde se destaca o monumento de Sidarta Gautama.

Depois de tanta história e cultura, dei um pulo até as Paineiras (um verdadeiro santuário ecológico bem pertinho de Santa Teresa), para dar uma boa caminhada e tomar um delicioso banho de cachoeira. Pacificada pelas vibrações budistas e energizada pela força da água cristalina, voltei pronta para escrever esta reportagem, me sentindo um pouquinho mais carioca.

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