Vitaminas lipossolúveis

É da natureza do ser vivo se estruturar anatômica e fisiologicamente em meio aquoso. Biomoléculas de transcendência, tais como os ácidos nucléicos (herança genética), glicogênio (reserva polimérica de glucose hepática ou muscular) e enzimas (proteínas globulares responsáveis pela catálise nas reações do metabolismo*) são solúveis em água ou pelo menos passíveis de alta solvatação. Todavia, outros metabólitos de igual importância tais como os TAGs (TriAcilGliceróis ou TriGlicerídios, os ditos óleos vegetais e gorduras animais) e o colesterol (precursor de hormônios) são completamente insolúveis em água.

De fato, até tirando partido desta insolubilidade, os adipócitos (células do tecido gorduroso) chegam a acumular matéria graxa (altamente energética na falta da glucose) em quantidade equivalente à quase totalidade do volume celular disponível. Ainda mais, fosfolipídios, glicolipídios e esteróis são componentes fundamentais da membrana plasmática das células garantindo-lhe a seletiva e necessária (im)permeabilidade. Em circunstâncias em que o organismo necessita ?forçar? a entrada de substâncias lipofílicas em um caudal aquoso ele pode se valer do princípio da detergência: colesterol é quimicamente convertido em ácidos biliares e assim adquirindo a polaridade e carga dos aminoácidos que lhe são ligados pode mais facilmente interagir com gorduras verdadeiras apolares ainda que em meio aquoso.

Em artigo anterior (O Estado do Paraná, 14 de agosto de 2005, Ciência, pg. 24) abordamos o tema de enzimas, vitaminas hidrossolúveis e seus co-enzimas derivados. No caso das vitaminas ditas lipossolúveis é incerto atribuir-lhes um papel de co-enzimas ou seja, participação nas reações enzimáticas do metabolismo mediante efetiva capacidade de fragmentação ou apropriação temporária de um fragmento de um substrato que se transforma em produto.

 O grupo todo das vitaminas lipossolúveis, designado de A-D-E-K, é derivado de um precursor comum, o isopreno (C5).

1. Vitamina A ou retinol : resulta da clivagem do beta-caroteno da cenoura em 2 subporções idênticas e bioativas. Todos tecidos se ressentem de sua falta mas são os olhos os mais afetados na enfermidade conhecida como xeroftalmia (?olhos secos? de infantes) e na dificuldade de adultos com a visão noturna ou em locais parcamente iluminados. Os vegetais verdes e amarelos são boa fonte dos carotenos precursores alfa, beta e gama. No processo da visão, o retinol (um álcool) é convertido em retinal (um aldeído) com o auxílio de uma co-enzima hidrossolúvel (NAD / NADH2) e então é capaz de unir-se então à proteína mediadora da visão, a (rod)opsina.

2. Vitamina D ou calciferol: ambas formas ativas D2 e D3, mediante irradiação ultravioleta (daí a importância do banho de sol), são derivadas respectivamente do dehidrocolesterol (nível da pele) e do ergosterol de leveduras. Esta última fonte é explorada industrialmente. A falta de colecalciferol ou de ergocalciferol implica em raquitismo que pode ser corrigido com óleo de peixe na dieta. O derivado mais bioativo, dihidroxicolecalciferol (com feições de um verdadeiro hormônio), é responsável pela absorção do cátion cálcio ao nível dos intestinos e age de forma integrada com o hormônio paratireóideo.

3. Vitamina E ou tocoferol: como visto em ensaios com cobaias um dos efeitos mais marcantes da falta desta vitamina é a infertilidade de machos e fêmeas, além de degeneração dos rins e fígado. Tem conhecida atividade anti-oxidante no sentido de proteger os ácidos graxos insaturados (e.g., linolêico e araquidônico, precursores das prostaglandinas) de oxidação quando do ataque de espécies reativas do oxigênio (radicais livres). Os óleos de germe de trigo e de sementes de girassol são fontes substanciosas de tocoferóis.

4. Vitamina K : o grupo quinona bioativo pode vir acoplado a um braço lipofílico que pode variar de 6 a 10 átomos de carbono (série da vitamina K2). Uma variante sintética é a vitamina K3 ou menadiona onde o referido braço está simplificado para apenas 1 carbono. A deficiência causa bloqueio na biossíntese da proconvertina, esta por sua vez implicada na cascata da coagulação que finaliza com a transformação do fibrinogênio (plasma) em fibrina (soro). A vitamina K é produzida pela flora bacteriana do intestino grosso. Na dieta, couve-flor e fígado são fontes enriquecidas.

(*) de acordo com o relatório de 1992 da Enzyme Comission / IUB International Union of Biochemistry estão descritas 3.196 enzimas.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia, 11o. Prêmio Paranaense de C&T e Pesquisador 1A do CNPq.

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