José Domingos Fontana

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Muitas bactérias utilizam as toxinas por elas elaboradas como fatores primários de virulência. Por isto as toxinas são definidas como substâncias solúveis, usualmente de natureza protéica, que alteram o metabolismo normal da célula ou tecido hospedeiro com efeitos deletérios nos mesmos.

Exemplos clássicos destas toxinas e das patologias delas decorrentes são a difteria por Corynebacterium diphtheriae, a tosse comprida por Bordetella pertussis, a cólera por Vibrio cholera, o antrax por Bacillus anthracis, o botulismo por Clostridium botulinum, o tétano por Clostridium tetani e a diarréia sanguinolenta e a síndrome urêmica hemolítica por Escherichia coli enterohemorrágica. Cada toxina tem um mecanismo peculiar de ação tal como a danificação da membrana plasmática das células (ex., a formação de poros pela aerolisina de Aeromonas hydrophila), a inibição da biossíntese protéica basal da célula-alvo (ex., a exotoxina A de Pseudomonas aeruginosa), a ativação de vias metabólicas para segundo mensageiros (ex., fator edematoso de Bacillus antracis), a inibição da liberação de neurotransmissores, a ativação do sistema imunológico do hospedeiro (ex., as exotoxinas pirogênicas de Streptococcus pyogenes) e a proteólise ou dissolução do esqueleto protéico do hospedeiro (e.x., metaloproteases de Clostridia). Sabido o efeito maléfico de uma toxina nativa, pode-se alterar a estrutura molecular da mesma (e.g., tratamento com formol) para produzir o respectivo toxóide ou toxina inativa que tem ampla aplicação como vacina, obtendo-se então um impacto positivo na saúde pública.

 A alfa-toxina de Staphylococcus aureus resulta da reunião de 7 unidades protoméricas de pequeno peso molecular (33 Kdaltons cada) que geram uma arquitetura molecular com um formato de cogumelo por cujo eixo interior oco passam a transitar livremente cátions (K+) e ânions (Cl-), permissividade esta não vista numa célula normal. O ?chapéu do cogumelo? ocupa a face externa da membrana plasmática enquanto o ?talo? atua como canal transmembrana. Cada um destes segmentos tem uma muito bem determinada composição de aminoácidos (estrutura primária; ?domínios?) que por sua vez gera as estruturas secundárias (domínios fisiologicamente ativos) que cumprem então os dois papéis morfo-anatômicos acima diferenciados. Esta toxina é citolítica, ou seja, causa a ruptura de células de vários tipos incluindo monócitos, linfócitos, eritrócitos (glóbulos vermelhos), plaquetas e células do tecido endotelial. Para que a toxina atue três eventos seqüenciais são necessários. Os protômeros primeiramente têm que se fixar na membrana plasmática-alvo seja em receptores específicos seja na parte lipídica da membrana constituída de fosfolipídios (fosfatidil-colina) ou colesterol envolvidos que estão na estruturação da bicamada molecular da membrana. Num segundo momento, cada conjunto de 7 protômeros se une e se rearranja para constituir um poro pré-funcional heptamérico. No terceiro evento, este pré-heptâmero sofre uma série de alterações conformacionais (estruturação tridimensional) para gerar o canal transmembranoso ativo que então atravessa toda a membrana. Através deste, os íons e moléculas de baixo peso molecular podem então trafegar livremente arrastando também quantidade considerável de água, provocando então tanto a lise celular (caso dos glóbulos vermelhos) quanto o desarranjo da estrutura nuclear interna através da ativação de endonucleases (enzimas que atacam e hidrolisam o DNA), eventos que então acabam resultando na morte celular.

Um segundo tipo, as verotoxinas produzidas por Shigella dysenteriae do serotipo 1 (que diferem em apenas 1 aminoácido em relação a toxinas homólogas produzidas por determinadas cepas de Escherichia coli), são do tipo toxina A-B; o componente A (35 Kdaltons) é a toxina ativa que está associada não covalentemente ao segmento protéico B (7,5 Kdaltons), este responsável pela ligação (?binding?) ao alvo na superfíce da célula (glicolipídios de membrana plasmática), mas a proporção A : B é 1 : 5 (holotoxina hexamérica) e para que isto ocorra o conjunto deve já estar internalizado na célula e o fragmento maior A, está cindido em sub-fragmentos A-1 e A-2 ainda unidos por uma ponte de enxofre, sendo que o braço A-2 serve então de conexão entre A-1 e o pentâmero B. A subunidade A-1 ativa tem capacidade enzimática do tipo N-glicosidásica para clivar uma resíduo de adenina do RNA 28S ribosomal (a arquiestrutura nucleotídica onde normalmente se dá a biossíntese celular de proteínas). Nestas condições, o RNA depurinado e defeituoso já não pode acomodar bem as peças necessárias para a síntese protéica (e.g., os fatores de elongação da cadeia protéica em crescimento). Impossibilitada de renovar a síntese protéica, a célula invadida então morre.

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Fonte: C. K. Schmitt, K. C. Meysic, & A. D. O?Brien

Uniformed Services University of the Health Sciences, Bethesda, Maryland, USA

José Domingos Fontana é professor Emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia , pesquisador 1A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T.

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