Áreas em que a criatividade é essencial costumam ter a tecnologia como grande aliada. A combinação, porém, tem boas chances de dar errado: a tecnologia pode acabar se tornando mais importante que a criatividade, limitando o surgimento de boas idéias. Por isso, há um certo consenso nas áreas em que a criatividade tem que trabalhar junto com a tecnologia, de que esta tem que ser apenas um meio, e não um ponto de partida.

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“Os requerimentos tecnológicos não podem impedir a criação”, conclui o diretor do departamento de Mídias Interativas da agência Fess’ Kobbi, Victor Vieira. Bacharel em Ciência da Computação, Vieira diz que, nas agências de publicidade, a tecnologia tem que trabalhar em prol da criação, e não o inverso. “A tecnologia não pode criar fronteiras criativas”, analisa, dando o exemplo das animações eletrônicas, que muitos consideram pesadas demais, e por isso deixar de incluir em websites.

“Historicamente, a criação sempre teve que trabalhar com os parâmetros da tecnologia”, explica o profissional. Mas isso chegou a tal ponto que, segundo ele, as preocupações maiores tanto das agências, como dos clientes, eram com a entrega dos projetos e se eles estavam adequados tecnicamente aos formatos necessários.

A tendência, para ele, é que as discussões passem a ser mais conceituais do que sobre qual plataforma será usada. “Mesmo porque as tecnologias hoje mudam muito rápido. Então, tem que haver um aprendizado constante. Ninguém trabalha mais muitos anos em uma única tecnologia”. Isso mostra, segundo Vieira, que a “defesa tecnológica” acabou. Ou seja, quem deve decidir a viabilidade ou não de um projeto não deve ser alguém ligado apenas à área tecnológica. “As saídas vêm da área de criação também”,” observa. Quanto às saídas, Vieira lembra que elas, muitas vezes, têm que ser simplificadas. E manter as equipes bem integradas ajuda muito a encontrá-las.

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Movimento no cinema

Vieira tem um bom exemplo de solução simples para ações que, a princípio, pareciam complexas. “Para uma campanha da marca Fila, escolhemos o cinema como meio de divulgação. A idéia era fazer as pessoas se mexerem numa sala de cinema, movimentando as pernas como se estivessem correndo”, explica. Um filme, então, desafiava as pessoas a “correrem” sentadas na poltrona, para assim movimentar os personagens na tela. A platéia era dividida em duas e o lado que “corresse” mais, ganhava.

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Mas havia um problema: como captar os movimentos da platéia? A solução, que poderia vir de formas mirabolantes, acabou sendo simples. “Acabamos escolhendo fazer a captação de áudio, instalando microfones em pontos nas extremidades das fileiras”, revela Vieira. Para ele, o mais importante é a sensação que a campanha causou. “As pessoas poderiam ter gritado que iria dar na mesma. Mas como o comercial convidava a ‘correr’, elas ‘correram’”, ressalta, lembrando de campanhas semelhantes que usaram tecnologias modernas, mas acabaram não vingando. “A campanha acaba sendo criada com base nesse elemento tecnológico.”

Por esse e outros motivos, a agência de Vieira não usa termos muito fechados nos nomes dos cargos. “Por exemplo, se a agência tem um ‘flashmaker’, já se vê pelo nome que é um profissional alinhado a uma plataforma específica”, diz, referindo-se ao Flash, uma das ferramentas mais populares para adicionar animações e interatividade na web. “Se o cargo for ‘designer de interação’, já estará desalinhado dessa ferramenta. Pode lidar com touchscreen, por exemplo, ou outros meios”, pondera o publicitário.

Outra tendência que Vieira observa nas agências é a de un,ião dos departamentos on e offline, fato ainda raro até mesmo em outros países. O chamado “cross media” ainda é um desafio até para as grandes agências. “Muitas não conseguem cumprir. Aqui mesmo foi difícil: tivemos até que abrir mão de um dos andares para juntar todo o pessoal”, conta. Mas a união, efetuada há cerca de um ano, tem apresentado resultados positivos, segundo ele. “Perdemos em especialidade, mas ganhamos em integração. Hoje, não consigo mais perceber a divisão.”

“Só não é criativo quem não quer”

Divulgação
Serginho Rezende: tecnologia tornou criação musical mais democrática.

Os efeitos da tecnologia na criatividade não são bem percebidos só na publicidade. Na música, a influência é bem perceptível. Mas para o produtor musical e diretor da produtora de áudio Comando S, Serginho Rezende, os resultados dessa união devem ser bem-vindos. Perguntado se a tecnologia está acabando com a criatividade, ele é enfático: “Pelo contrário. Hoje, só não
é criativo quem não quer”.

A tecnologia, avalia ele, só tornou a criação musical mais democrática. “Não precisa mais ter uma mesa de som de um milhão de dólares. Hoje, se tem acesso às ferramentas. Com um computador e bons softwares, é possível atingir um ótimo resultado sonoro, com qualidade que se aproxima da obtida através de grandes e estúdios”, diz. “Nesse sentido, a tecnologia tem facilitado muito a criatividade.” Mas ele lembra que, mesmo com tudo à mão, ainda é necessário um mínimo de estudo. “As pessoas também têm que ler manuais. Não basta ter
só talento, é preciso aprender a manusear as ferramentas, saber as técnicas novas”, diz. O produtor acredita que, pelo fato dos programas não serem simples,
a tecnologia não vai gerar acomodação. “Para apertar um botão tem que saber o que está fazendo”. Nem o fato de muitos programas trazerem padrões de batidas e sons prontos são motivo para Serginho acreditar em diminuição da criatividade.

Partes acústicas, se necessárias, podem ser captadas em poucas horas de estúdio. “Mas muita gente que pode fazer isso prefere o meio eletrônico”, diz. Para ele, mesmo quem não tem o know-how para produzir música acústica pode se valer de outras qualidades. “Os DJs, por exemplo, têm uma grande sensibilidade em relação a estilos, ritmos e sonoridades. E sabem usar colagens, samplers e sintetizadores.” (HM)

Ajuda para criar

Quem pretende se aventurar na produção de música pode seguir alguns conselhos do produtor musical Serginho Rezende:

Computador: O Mac é o ideal, principalmente para quem não tem muito traquejo com tecnologia. Mas o PC também tem bons softwares, e tem a vantagem de ser mais barato.

ProTools (Digitron): “Quase todo mundo usa. É aconselhável até mesmo para quem deseja um dia trabalhar em estúdios. Tem uma interface mais amigável”. Roda em PC e Mac.

Logic Studio (Apple): “É mais completo, mas tem o agravante de ser mais difícil de usar no início”. Apenas para Mac.

Garage Band (Apple): “Uma espécie de versão simplificada do Logic Studio. Não é tão profissional, mas dá uma bela noção de como as coisas acontecem”. Apenas para Mac.