Próstata: visão do pesadelo masculino

Diferentemente de outras técnicas de geração de imagens dos tecidos sadios ou enfermos como a radiografia (efeito da energia da radiação ionizante), a Ressonância Nuclear Magnética, ou apenas Ressonância Magnética (RM) como é mais comumente conhecida, emprega um princípio físico completamente diferente do Raio X. Enquanto esta última gera imagens baseadas na diferença de penetração e absorção da radiação ionizante no organismo examinado, e por isso tem potencial nocivo se repetido vigorosamente -, a imagem por RM se baseia em uma espécie de leitura do diferente comportamento que nossos tecidos têm quando submetidos a um alto campo magnético seguido de ondas de radiofreqüência. Tal magnetismo, apesar de ser 25 mil vezes maior do que o campo magnético da Terra, não tem efeito nocivo que tenha sido comprovado cientificamente.

O método, inicialmente explorado por dois físicos das Universidades de Harvard (E.M.Purcell) e de Stanford (F. Bloch), a partir de 1946, lhes rendeu um Prêmio Nobel. Todavia a geração de imagens (registro documental real) resultante da técnica de RM somente veio à luz comercial a partir dos anos 70s. O átomo de hidrogênio (o mais freqüentemente utilizado em RM para diagnóstico de interesse médico) é comparável a uma barra magnética, tendo, portanto, um dipolo. Gira, então livremente, num movimento dito “spinning” à volta de seu próprio eixo, o que pode então ser alterado ou perturbado pela incidência de um campo magnético (precessão ou afastamento angular da trajetória normal de giro) e mesmo pela interação com outros átomos de H que lhe sejam vizinhos. Essa situação é muito comum na própria água (H2O) ou em outras biomoléculas de interesse como os carboidratos (CnH2nOn), lipídios, ácidos nucléicos e proteínas. Todos são integrantes básicos das moléculas de qualquer tecido, seja ele sadio ou doente. Tendo em vista que os tecidos, células e moléculas que constituem o ser humano tais como os músculos, ossos, gorduras e água contêm quantidades diferentes de hidrogênio, é esperado que elas gerem respostas diferentes quando submetidas a um campo magnético e conseqüentemente produzam imagens diferentes, no caso da RM, variando desde o branco até o negro, passando por tons de cinza.

Na mesma linha de outros órgãos do corpo, encontra-se a próstata. O combate ao câncer dessa glândula avizinhada da bexiga e da uretra vem melhorando, pois é um tipo de tumor que responde bem ao tratamento, se diagnosticado em fase inicial. Assim os exames preventivos tais como o toque retal e a dosagem de PSA – Antígeno Específico da Próstata – tem valor incontestável. No que tange ao tratamento do tumor, além de cirurgia e radioterapia, até uma espécie de vacina já está sendo experimentada por uma empresa de biotecnologia da cidade de Seattle (EUA), como cita Andrew Pollack no New York Times.

Mas qual a vantagem que a RM trouxe no combate às doenças da próstata? É sabido que o diagnóstico do câncer de próstata é baseado em um tripé: toque retal, dosagem sangüínea do PSA e biópsia via ultra-som transretal. A RM de próstata entrou como um coadjuvante importante nessa configuração diagnóstica. Uma vez que um tripé da prevenção já existe, a RM serve como uma espécie de orientadora das biópsias, mostrando ao médico quais os locais detalhados que devem ser biopsiados, além de prover suporte nos casos duvidosos, em que o PSA está acima do normal e quando biópsias prévias não acusaram doença tumoral. Outra vantagem da RM é a maior acurácia que ela permite na detecção de casos de doença recidivada em pacientes que já foram submetidos a tratamento cirúrgico e/ou radioterápico.

prostata1130305.jpgA RM de próstata só consegue fornecer informações dessa magnitude porque associada a ela existe um exame chamado Espectroscopia. Essa metodologia científica permite a análise das radiações do espectro eletromagnético decompondo-o em “picos” ou bandas. Um exemplo sumarizado são os átomos de maior interesse médico e seus espectros de ressonância da fig. 1. Os “picos” ou espectros de ressonância dos principais átomos são ilustrados na fig. 1.

A geração de imagens através de RM pode levar a diferentes tons de cinza ou até a visualização da velocidade de fluxo sangüíneo (o oxigênio é diamagnético ou de leve susceptibilidade magnética negativa, propriedade que ele transfere à oxi-Hb ou hemoglobina fartamente oxigenada enquanto que a hemoglobina carente de oxigênio ou reduzida (Hb-), devido aos elétrons desemparelhados, é paramagnética, ou seja, com pequena susceptibilidade magnética mas positiva, atuando pois como material de contraste positivo. Uma injeção de gadolínio (outro agente paramagnético incrementador de contraste) revela uma imagem fartamente contrastada de uma “fatia” cerebral e portanto do grau e intensidade de vascularização. Um resultado dessas manipulações eletromagnéticas é o da figura 2 ou imageamento de uma varicose (dilatação de um vaso venoso) em visão tridimensional através de uma técnica de exame não invasiva (angiografia) e que pode ser obtida em apenas 5 minutos.

prostata2130305.jpgMais do que 50% dos homens sessentões padecem de HBP Hiperplasia Benigna da Próstata, cifra que sobe para 90% no caso dos setentões. O diagnóstico diferencial para HPBs, para as prostatites (infecções bacterianas em decorrência da migração dos micróbios a partir do trato urinário) e mesmo para o câncer de próstata é complexo (Fig. 3). A simples medida sérica (sangüínea) dos níveis do PSA não faculta, per se, um diagnóstico seguro. Nos EUA (dados da AFUD, 2000) os óbitos resultantes de patologias da próstata foram da ordem de 40 mil/ano, ou seja, suplantados apenas pelas mortes causadas por câncer dos pulmões. Para enfermidades prostáticas, a título de terapias paliativas ou preventivas, estão sendo empregados os sais de zinco, ácidos graxos essenciais (como o linolênico, ômega 3, de óleo de linhaça e ácido linolêico, ômega 6, de óleo de girassol ou soja) e extratos de urtiga, Urtica dióica (castigo!) [2].. O câncer de próstata é, com maior certeza, diagnosticável sempre que a soma [colina + creatina] / [citrato] é igual ou maior do que 2 desvios padrões acima do esperado (fig. 4), o que se mede através da sonda endorectal [3] (pobres machistas!) e do levantamento de imagens tridimensionais. A técnica é sobretudo de utilidade no diagnóstico de extensão extracapsular do câncer de próstata [3]. Um recentíssimo estudo da New México University [4], utilizando ressonância de alta resolução, indicou que o plasma seminal de controles e pacientes com HPB ou câncer de próstata exibiam niveis de PSA na respectiva ordem de menos do que 1,0 ; 5,5 e 45,2 nanogramas/mL Enquanto que os níveis de citrato eram de, também respectivamente, de 97 -178, 156 e de 24 – 28 milimoles / litro. Num caso extremo, em análise conduzida em líquido prostático mediante massagem, os níveis de citrato de um paciente jovem normal subiu a 483 mM enquanto aquele de um paciente mais idoso com câncer diagnosticado como grau 4 na escala de Gleason o citrato estava reduzido a apenas 1,35 mM.

[1] Gina L. Nick, 2000 ; {2] Yu, KK (1998) Radiology ; [3] Mueller-Lisse, U.G. (2001) Radiology

[4] Averna, T.A . et al., 2005, J. Urol., 173(2)

(**) O articulista agradece o apoio teórico da parte do Méd. Radiologista R-3 Cláudio Augusto Fontana do Centro Radiológico / Hospital Vera Cruz de Campinas-SP.

Serviço: Se o leitor(a) se acredita enfermo, não deixe de consultar seu médico especialista. As informações aqui veiculadas são apenas para embasamento cultural.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR na Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas e pesquisador 1A do CNPq.

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