O equilíbrio no avanço ciência culmina na Bioética

Reprodução humana, cura de doenças, sexualidade, aborto, responsabilidade moral de cientistas nos estudos com animais e humanos. Temas como estes envolvem mais que pesquisas. Eles englobam a polêmica e falta de consenso entre ciência, fé e as expectativas pessoais de quem os vê como alternativa para a resolução de problemas. Por isso, além do campo dos laboratórios, passam pelos estudos da bioética, disciplina que pensa os conflitos que emergem da evolução humana e da revolução científica.

Esta definição, dada pela professora do Comitê de Ética da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Liliana Maria Labronici, explicita a complexidade do termo. O professor de Teologia e Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Mário Sanches destaca, por exemplo, como a bioética avalia as biociências usando as alternativas de reprodução humana, como a reprodução assistida (feita pela fertilização in vitro, com gametas advindos de algum doador dos bancos de sêmen ou de óvulos) e ainda a terceirização do processo gestacional (a conhecida “barriga de aluguel”). “Surge daí um conflito entre a mãe e quem carregou o filho na barriga”, explica. Conflito, este, intensificado pela falta de legislação que paute o tema, conforme destaca o professor.

Outra polêmica discutida pela bioética é o congelamento de sêmen de pacientes que possam vir a morrer em decorrência de alguma doença, como câncer. “Se a pessoa falece, a cônjuge pode usar o material genético para gerar uma criança. A sociedade já discutiu sobre isso?”, questiona o teólogo, que acredita ainda não haver debate suficiente sobre o assunto.

A bióloga Ana Lectícia Mansur, do Embryo – Centro de Reprodução Humana, de Curitiba, acha que a bioética deve ser utilizada para normatizar as alternativas que a ciência oferece. “Devemos respeitar a vontade do indivíduo, sempre dentro dos preceitos da ética da nossa sociedade e de acordo com a lei”, explicita. Ela cita que, utilizando as técnicas de reprodução assistida, mais de três milhões de crianças já nasceram no mundo, até pela acessibilidade dessa alternativa, também alvo de polêmica – por lei, pode recorrer à fertilização in vitro não apenas quem é legalmente casado, mas também casais que têm união estável, mulheres solteiras e casais de mulheres homossexuais.

Células-tronco

“Uma questão mais ampla, que exige uma ética renovada com valores e princípios de vida, corpo e saúde.” Padre Domenico Costella, comentando a interrupção da gravidez em casos de anencefalia.

Sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias (dos embriões restantes da fertilização assistida são retiradas as células capazes de originar qualquer tecido vivo), o teólogo Mário Sanches cita que a polêmica maior pauta-se sobre o destino dos embriões. “Será que é aceitável deixá-los congelados nas clínicas?”, questiona. Após muita discussão, a legislação, no entanto, se posicionou a favor das pesquisas – a Lei 11.105, de Biossegurança, autoriza a pesquisa com embriões humanos e permitiu, no artigo 5.º, as pesquisas com células-tronco, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) decidido, em maio deste ano, que o artigo não fere a Constituição Federal.

A sociedade civil se mobilizou para a liberação das pes,quisas e os religiosos pressionaram sobre a inconstitucionalidade do artigo. A igreja reagiu com o argumento que feria o princípio de proteção à vida. A conclusão do padre Domenico Costella, professor de Ética Filosófica, é que, em questões éticas, é difícil o consenso. “A consciência é o último foro das questões”, argumenta. Já para o professor Mário Sanches, a ciência não quer escutar o lado da religião, e vice-versa. “A sociedade é quem perde com isso.”

Sexo versus sexualidade

“Se a pessoa falece, o cônjuge pode usar o material genético para gerar uma criança. A sociedade já discutiu sobre isso?”Mário Sanches, professor de Bioética, sobre a fertilização in vitro com sêmen de quem já morreu.

A gravidez na adolescência pode ser fruto de um processo de má formação sexual, que não leva em conta o aspecto físico relacionado ao emocional. É o que acredita o professor de bioética da PUCPR Mário Sanches. O teólogo enfatiza que fala-se de sexualidade sem a devida dimensão psíquica, mental e espiritual. “O sexo genital é visto como sexualidade”, afirma. Para o teólogo, a sexualidade integrada leva em conta todos os aspectos da realidade. No entanto, ele exemplifica que, entre os jovens, a sexualidade genital muitas vezes caminha separada da afetiva, gerando traumas, como uma gravidez indesejada e, por consequência, o aborto. “Somos culturalmente herdeiros de uma sociedade machista, que considera o aborto um crime para castigar a mulher”, define. O professor acredita que a questão requer uma reeducação do homem para assumir a sexualidade. “O jovem pressiona o ato sexual e, quando a menina engravida, o problema é só dela.” No âmbito médico, a gravidez na adolescência deve ser vista sob o ponto de vista da imparcialidade e da solidariedade, de acordo com a ginecologista e obstetra Maria Tereza Campos Velho, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. “Nós médicos não somos juízes, não podemos emitir julgamentos. Além disso, temos de ser solidários e empáticos, colocando-nos no lugar dos outros”, argumenta.

Anencefalia: interromper ou não a gravidez?

O padre e professor de Ética Filosófica da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR) Domênico Costella afirma que nos casos de interrupção da gravidez por causa de ausência de cérebro do feto (anencefalia), de estupro ou risco para a mãe, a igreja defende a vida. Este é outro tema polêmico discutido no âmbito da bioética. Para o padre, o Poder Legislativo deveria se pronunciar diante dessas situações-limites. “Gerar um feto que depois morre, traumatiza”, afirma. Para Costella, o problema é interromper a gravidez. “Uma questão mais ampla, que exige uma ética renovada com valores e princípios de vida, corpo e saúde.” Ainda com relação aos bebês anencéfalos, o professor de teologia e bioética da PUCPR Mário Sanches lembra que a ciência, com o avanço do diagnóstico, detecta nos primeiros meses a má formação cerebral. Mesmo assim, acredita que
o aborto seria uma violência. “Ninguém pode contestar que o bebê está vivo”, justifica.

Respeitando as divergências

A professora do Comitê de Ética da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Liliana Maria Labronici lembra que o conceito de bioética é muito mais abrangente e dinâmico do que o de ética, uma vez que exige reflexão sobre valores das ações humanas e humildade para respeitar a divergência. Ela conta que a bioética pode se relacionar com a biomedicina e a biotecnologia, abordar temas referentes às novas tecnologias reprodutivas, aos transplantes de órgãos e tecidos, à genômica, células-tronco, além de enfocar temas do cotidiano das pessoas, povos e nações como exclusão social, vulnerabilidade, guerra e paz, racismo e saúde pública. O assunto foi tema do curso de extensão “Bioética: Momento Atual”, promovido pelo Comi,tê de Ética do Setor de Ciências da Saúde da UFPR entre os últimos dias 10 e 13.

Voltar ao topo