Auxílio no tratamento de células cancerígenas e eficiente produto para ajudar na despoluição em casos de vazamento de petróleo. Aparentemente, não há ligação alguma entre a mandioca e esse usos, mas a manipueira, resíduo líquido gerado no processo de prensagem dessa raiz para produção da farinha e da fécula, é fonte de cultivo de microorganismos que vêm se mostrando como esperança no combate ao câncer de ovário e capazes de alcançar níveis de até 80% no refinamento do petróleo, entre outras utilidades.
A manipueira é resíduo considerado nocivo ao meio ambiente, podendo contaminar o solo e a vegetação. Porém, com as pesquisas na área, o que era lixo tóxico e problema para os produtores de farinha de mandioca, agora, pode se transformar em matéria-prima para a ciência desenvolver mecanismos eficientes de tratamentos e usos na área de saúde, meio ambiente e alimentos.
A constatação é da presidente da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA) e professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (FEA-Unicamp), Gláucia Maria Pastore, à frente de pesquisas com a manipueira há mais de dez anos. Segundo ela, o interesse surgiu pela observação de uma peculiaridade do resíduo: nele, se desenvolvem com facilidade os biossurfactantes, microorganismos de utilidade múltipla que, em culturas tradicionais, demandam uma produção cara, com a adição de proteínas economicamente inviáveis. "O desenvolvimento na manipueira envolve bem menos gastos, tornando possível a produção dos biossurfactantes em larga escala", garante a pesquisadora.
É a partir daí que começam as reais vantagens dessa cultura. Além do baixo custo quando desenvolvidos na manipueira, segundo as pesquisas de Gláucia, esses microorganismos são comprovadamente eficientes no combate ao câncer de ovário. "Já estamos em estágio avançado nas pesquisas de ação antitumoral para esse tipo de câncer. Agora, passamos a estudar como pode agir em outros tipos de tumores", adianta. Na área da saúde, os biossurfactantes também se mostram eficientes no combate às bactérias que causam infecção hospitalar. "É uma substância bacteriostática, ou seja, detém o crescimento de outros microorganismos, principalmente das bactérias envolvidas neste tipo de infecção."
Outra utilidade verificada relaciona-se ao meio ambiente. Os biossurfactantes têm o poder de misturar a água e o óleo, processo que leva o nome de emulsificação. A partir daí, se liga às moléculas do óleo para degradá-las. No caso de um vazamento de petróleo no mar, por exemplo, "esse poder de ligação das moléculas permite que o óleo seja separado facilmente, auxiliando na despoluição das áreas atingidas", explica a professora.
A propriedade de emulsificação ainda garante seu uso na indústria de fármacos como mecanismo para misturar substâncias insolúveis na fabricação de cremes e pomadas, por exemplo. Além disso, os biossurfactantes desenvolvidos na manipueira podem também ser usados na indústria de alimentos, já que têm a propriedade de limpar plantas, substituindo a soda cáustica neste processo. Outros usos atribuídos à manipueira referem-se à agricultura e pecuária.
Parceria para conseguir matéria-prima
As possibilidades de uso para a manipueira são promissoras, porém, necessitam de grande quantidade de matéria-prima para se tornarem viáveis. Para isso, a professora Gláucia Maria Pastore acredita que uma parceria entre a Unicamp, industriais paranaenses e governo do Estado seria uma boa saída para todos os lados. A pesquisadora está de olho no Paraná.
A Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento do Estado (Seab) estima que a produção de mandioca deste ano atinja quatro milhões de toneladas, cerca de 30% a mais em relação à produção do ano passado. Os números conferem ao Estado a posição de maior produtor de fécula de mandioca do País, detendo 67% da produção nacional (safra 2003/04). A fécula, outro produto obtido no processamento da mandioca, também produz manipueira, embora de forma menos pura como na industrialização da farinha. O Sindicato das Indústrias de Mandioca do Paraná tem cadastradas 111 farinheiras, das quais cerca de 85 estão em funcionamento, produzindo milhares de litros de manipueira todos os dias. "A idéia é montar uma unidade industrial e fazer a parte comercial. Nós queremos comprar o resíduo", diz a professora.
O produtor e industrial de farinha de mandioca Vítor Niehues, de Paranavaí, chega a obter de 20 mil a 30 mil litros de manipueira por dia. Por enquanto, o único uso a que ele destina o resíduo é a pastagem. "Forneço para os fazendeiros vizinhos. Cobro deles só o transporte", conta. Como ele, muitos produtores e industriais de farinha de mandioca se concentram na região Noroeste do Estado e, por enquanto, toda a manipueira produzida tem ido para este mesmo uso.
Ao ouvir sobre a pesquisa desenvolvida na Unicamp, ele se mostrou surpreso. "Não sabia, não. E acho que os produtores daqui também não sabem. Para nós é uma ótima alternativa, já que arranjaríamos mais uma maneira de dar fim à manipueira e ainda contribuir com a ciência", diz, entusiasmado. (LM)


