Mandioca: riqueza subterrânea de amido

A FAO informa que em 2003 foram colhidas, no mundo todo, 188 milhões toneladas de mandioca, Manihot (esculenta) utilissima, também conhecida como aipim, macaxeira, yuca, tapioca e cassava. O berço atribuído a esta euforbiácea é o Brasil. Nosso País (Figura 1) é vice-líder mundial tanto em produção quanto em produtividade. Perde na 1ª. para a Nigéria, onde o destino é eminentemente alimentício e perde (longe), na segunda, para a misteriosa Índia. Não é todavia o caso do Paraná que cedeu a primeira posição de maior produtor brasileiro em favor do Pará e Bahia (Figura 2) mas continua como campeão nacional inconteste em produtividade.

A mandioca comporta cultivo consorciado com milho, amendoim ou feijão e de cada maniva (segmento caulinar com um ou mais nós) fincado no solo surge uma nova planta. A raiz tuberosa, normalmente branca resplandecente quando decorticada, tem cerca de 40% de matéria seca e uma formidável concentração de amido (85% do peso seco). É todavia relativamente pobre em conteúdo protéico (2,5%) e fibra (2,5%) mas vantajosamente quase isenta de gordura (0,3%) o que pode gerar uma visão equivocada das múltiplas aplicações (bio)tecnológicas, segmento industrial em que a Tailândia tornou-se campeã mundial absoluta: farinha, fécula (concentrado amiláceo), polvilhos doce e azedo, amidos modificados (iônicos, alquilados, gelatinizados, ácido-tratados, oxidados, fosforilados, entre-cruzados), xaropes de maltose e de glucose atendendo os setores alimentícios, farmacêutico, químico, papeleiro e têxtil através de mais de uma centena de produtos e derivados. As ciclodextrinas são os derivados enzimáticos mais nobres do amido (anéis com 6, 7 ou 8 unidades de glucose designadas respectivamente de ?-,?-e ?-CDs) que tem no trio F. Moraes, G. Zanin e G. Matioli (da Engenharia Química da UEM, Maringá) os melhores especialistas paranaenses, que dentre outros feitos otimiza a aplicação no tratamento da tuberculose mediante complexação com drogas. A Profa. Sabrina Lyng, da Nutrição-UTP, finalizou no Depto. de Farmácia da UFPR seu doutorado sob nossa orientação e logrou encapsular em ?-CD um carotenóide de bastante interesse comercial : o ácido apo-carotenóico etil-éster (tingimento de carnes de frango), tornando-o então solúvel em água o que deverá facilitar a absorção a partir da ração. A INDEMIL (eixo Paranavaí-Guaíra-PR) é conhecida como a única fábrica no mundo ocidental de xarope de glucose derivado de amido de mandioca. A Corn Products do Brasil de Balsa Nova-PR também dilata o mercado cativo de derivados de milho na direção da mandioca. Somente a AUSI italiana investiu US$ 25 milhões em 4 novas fecularias no Noroeste do PR em 2002. No PR convivem 42 fecularias. Na UFPR, como um dos resultados da tese de nosso orientado de doutorado, o Prof. Maurício Passos, desenvolvemos uma inovação tecnológica na fragmentação ácida do amido de mandioca mediante o uso vantajoso de ácido fosfórico diluído e termopressurizado * (patente INPI 000-2001-0; janeiro/2002) bem como a conversão dos xaropes gluco-maltosados em astaxantina, o carotenóide rosa característico da carne do salmão. Um achado notável foi que a manipueira, água de descarte na preparação da fécula (amido granular), revelou-se um suplemento incrementador do padrão de pigmentação róseo-avermelhada da levedura produtora de astaxantina (Xanthophyllomyces dendrorhous ou Phaffia rhodozyma). Outro destino para a poluente manipueira seria a produção de aromas (“flavors”) como apontado por Damasceno, Cereda, Pastore e Oliveira (informe Fundação Cargill, 2000) pelo fungo Geotrichum fragans que biossintetiza 9 diferentes álcoois e ésteres agradavelmente perfumados. Da Universidade de Lavras-MG surgiu uma aplicação das mais interessantes para o bagaço de mandioca (fibras que retem uma % significativa do amido). Processado juntamente com uréia (fonte de nitrogênio) e gesso agrícola (fonte de enxofre) este farelo enriquecido, chamado “Amiréia” tem compensadora aplicação na alimentação animal. Um outro ramo de agronegócio ajustável às peculariades paranaenses (grande produtor de amiláceos como batata, mandioca, trigo e milho) é o dos ditos TPS (ThermoPlastic Starches) de grande apelo ecológico e ambiental (por serem rapidamente biodegradáveis) e de múltiplos usos (sacos de silagem, utensílios alimentares descartáveis, embalagens para alimentos, dentre outros). Para o plantador, mandioca deu um retorno-pico de R$ 300,00 / ton raiz em outubro/2003 (PR e SP) e no comércio derivado a ordem crescente de valor agregado é, obviamente, farinha, fécula, xarope de glucose e maltose; amidos modificados, ciclodextrinas (estas, ainda apenas no Exterior). O salto de preços por tonelada, entre as categorias, é notável : R$ 250 para raiz e R$ 1.500,00 para a fécula (preços de abril/2004). O custo de produção da raiz é estimado em ca. R$ 90,00 / ton.

Quando se pensa em pudim, o amido de mandioca inicia a gelatinização a 52oC, portanto 10oC abaixo do amido de milho, além de que o gel formado é mais transparente e menos sujeito à retrogradação (repreciptação desordenada).

São propriedades importantes no ramo culinário e de confeitaria. No No comparativo com outras fontes amiláceas (batata, trigo e milho) e no que tange à distribuição dos 2 sub-polímeros de glucose que compõe o amido nativo, a amilopectina (ramificada) e a amillose (linear), a mandioca apresenta a maior desproporção (83 : 17) e sua amilose tem alto Grau de Polimerização (GP médio de 3×103 unidades glicosil comparado aos 2 x 105 2 x 106 da amilopectina).

Tal qual em outros agronegócios o cultivo da mandioca padece da ocorrência de uma série de pragas com ênfase para a bacteriose o que se pode minimizar com variedades resistentes como a “Fibra”, “Mico”, Mantiqueira e Taquari e a série IAC-13 a -15 e 12829. Outras pragas relevantes são os ácaros verde e rajado (controláveis com predadores isólogos explorando a entomopatologia), a podridão da raiz por fungos como o Phytophora e o glutão mandarová, que pode ser controlado pelo Baculovirus. Os glicosídios cianogênicos (limanarina e lotaustralina) são encontrados na raíz na faixa de 30 a 150 mg (medidos como cianeto) / Kg mas podem alcançar até 600 mg / Kg na polpa em algumas variedades de “mandioca brava”. Uma boa cocção (ou fritura) elimina praticamente toda esta fonte de ácido cianídrico. Embora as proteínas (ca. 30%) da folha da mandioca não sejam uma panacéia para suprir os 21 aminoácidos, os teores de histidina, leucina / isoleucina, lisina, fenilalanina / tirosina, treonina e valina, variando desde 22 até 91 mg/grama, estão todos acima da tabela recomendada pela FAO / WHO. Já há algum consumo humano do produto foliar dito “maniçoba” (Amazonas e Bahia). Ademais a folha da mandioca é rica em carotenos (mascarados pelo verde intenso da clorofila) e em vitamina C. A folha comporta também silagem e fenagem para alimentação animal. O Prof. Nagib Nassar, da UnB, Brasília, já logrou, mediante exaustiva hidribização, elevar o teor de proteínas da raiz para até 4%. Atingida a barreira dos 7% (típica do trigo) ter-se-á uma segunda opção alimentar completa e daí o aceite para a adição em panificação (uma labuta histórica do Prof. Tadeu Dermânio da UNIOESTE, de Cascavel).

No cenário da boa política, recebido pelo Vice-Governador e Secretário da Agricultura Orlando Pessuti, o Ministro Roberto Rodrigues da Agricultura desembarcou dia 9 de julho em Paranavaí e presidiu reunião local da Câmara Setorial da Mandioca e Derivados e o lançamento da setorial-PR. Segundo a ABAM Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (“ninho” do aipimeiros Pasquini e Grolli, do feculeiro Clóvis Schurr de Mercedes-PR e do Mário Takahashi do IAPAR e outros tantos próceres paranaenses) a produção nacional de amido de mandioca deverá experimentar em 2004 um incremento de até 45% (saltando então para 620 mil toneladas!) e nisto o PR é campeão absoluto pois responde por 65% de toda produção nacional. Em 21 de maio, outro polo produtor de mandioca, Mal. Cândido Rondon, recebeu : 2.000 participantes para o Seminário da Cultura da Mandioca, com palestras do Eng. Agr. Methodio Groxko (especialista em Economia Rural do DERAL / SEAB-PR) e de Maurício Yamakawa (Presidente da Câmara Setorial e um estudioso do cenário mundial deste agribusiness).

Caso o(a) leitor(a) não tenha ainda experimentado uma interação mais (gastronomicamente) íntima com a mandioca, recomendamos a “vaca atolada” : 1 kg de costela de boi + 1 Kg de mandioca + condimentos a gosto. É experimentar e virar freguês.O resto é farofa, o que já é muito bom, também. (*) J.D.Fontana, Patente INPI 000-2001-0, Rev. Propr. Ind.,1617, pgs. 132-A e B, 2-jan-2002.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é pesquisador 1-A do CNPq, 11.º Prêmio Paranaense em C&T (1996) e fundador do LQBB Laboratório de Quimio/Biotecnologia de Biomassa (1982) na UFPR. Pesquisador e orientador voluntário nas pós-graduações de Ciências Farmacêuticas e Bioquímica/Biologia Molecular-UFPR.

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