Luz artificial altera relógio biológico

O professor Fernando Louzada, do Departamento de Fisiologia do setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), vai aprofundar suas pesquisas na área de distúrbios do sono avaliando a influência da luz artificial no funcionamento do relógio biológico humano. O projeto do pesquisador – baseado na comparação dos hábitos de pessoas que vivem em regiões sem energia elétrica aos das que moram nas cidades – foi o único não proveniente dos Estados Unidos contemplado com o prêmio Gillin Grant, que proporcionará um incentivo de US$ 20 mil da fundação americana Sleep Research Society Foundation (SRSF) a quatro jovens pesquisadores.

O nome do concurso faz referência ao renomado pesquisador da área do sono J. Christian Gillin, falecido há oito anos. Espelhando-se em seu exemplo, o paranaense pretende fazer descobertas importantes a partir do tema. ?A idéia é aprofundar os estudos em populações desprovidas de energia elétrica e identificar até que ponto as alterações de sono e dos ritmos biológicos observados na sociedade contemporânea podem ser creditados à exposição à luz artificial?, explica.

As pesquisas preliminares de Louzada já apontavam que jovens que vivem em áreas rurais costumam dormir mais cedo e sentem menos sonolência durante o dia. Isso foi constatado a partir de um estudo realizado com 40 jovens de Adrianópolis, localidade próxima a Curitiba, que vivem sem energia elétrica. Agora, com o incentivo, o pesquisador deve verificar este comportamento em comunidades ainda mais distantes, ampliando a pesquisa para verificar as diferenças entre jovens que não têm luz elétrica em casa, aqueles que têm, mas não contam com aparelho de televisão, e os que têm ambas as tecnologias.

A importância da verificação reside no papel dos horários externos no ritmo interno das pessoas. ?A lógica é simples: se acordamos antes do amanhecer a acendemos a luz, nossos relógios biológicos interpretarão que o dia começou mais cedo e adiantarão os eventos do organismo relacionados à vigília, por exemplo, a secreção de determinados hormônios?. Por outro lado, quando depois de anoitecer continuamos com as luzes acesas (procedimento também comum ao ritmo da sociedade contemporânea), nossos relógios biológicos interpretam que o dia não acabou, atrasando a chamada ?noite biológica?. ?Uma das características dessa ?noite biológica? é o aumento da secreção do hormônio melatonina, indispensável para uma boa noite de sono. Por este motivo, a sociedade contemporânea tem seus ritmos biológicos atrasados, reduzindo a duração total de sono?, avalia.

Essa alteração do ritmo biológico compõe, segundo o pesquisador, um dos oito capítulos da chamada classificação internacional dos distúrbios de sono, publicada recentemente. ?Um exemplo disso é que, atualmente, é cada vez mais comum o aparecimento de um distúrbio chamado síndrome da fase atrasada de sono, na qual o paciente tem muita dificuldade em ?pegar no sono? antes das duas ou três horas da manhã. As propostas de tratamento incluem o uso de melatonina e modificações nos horários de exposição à luz natural e artificial. Uma das recomendações é que essas pessoas evitem ou reduzam a exposição à luz após o final da tarde?, cita.

No entanto, apesar dos conhecimentos já adquiridos pela ciência, muito ainda deve ser pesquisado nessa área. ?Principalmente para uma compreensão das diferenças individuais relacionadas?, delimita o professor. ?Assim como existem pessoas mais altas e mais baixas, com cabelos mais claros ou mais escuros, há pessoas com uma maior tendência a acordar mais cedo (as matutinas) e outras com maior tendência a acordar mais tarde (as vespertinas)?. No entanto, mais que uma questão de escolha pessoal, esse fator é também resultado de influências genéticas, as quais, juntamente com aspectos ambientais, são foco de estudos por parte da comunidade científica tanto para abrir novas perspectivas de intervenção no tratamento de quem sofre de insônia como para promover uma reflexão sobre a organização temporal da sociedade.

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